Ciberpolítica Ainda Embrionária em Portugal
Por FILIPE SAMORA
Terça-feira, 30 de Julho de 2002 Assembleia da República Insultos e elogios, tomadas de posição em relação a temas polémicos, pedidos de ajuda, "cunhas" e alarmes falsos são os pratos fortes da correspondência electrónica trocada entre deputados e eleitores Quando se fala do aumento da participação política, o "e-mail" é considerado um dos meios de aproximação entre eleitores e eleitos. A rapidez da comunicação, sem a burocracia dos meandros do Parlamento, e o maior grau de responsabilização dos deputados perante os eleitores são normalmente apontados como as grandes virtudes do correio electrónico. Mas a realidade prática é, contudo, distinta. Grande parte dos deputados ouvidos pelo PÚBLICO afirma que a percentagem de mensagens enviadas por eleitores é quase residual. "A maior parte dos eleitores que utiliza a Internet não está nem sensibilizada, nem suficientemente relacionada com os temas políticos da sociedade para fazer um uso normal desta forma de comunicação com os deputados", refere António Nazaré Pereira, deputado do PSD. António José Seguro, do PS, prefere repartir as culpas: "Há responsabilidades de parte a parte. Por um lado, a participação cívica a partir dos mecanismos habituais em qualquer democracia não é estimulada em Portugal. Os cidadãos preferem dizer que não sabem quem é o seu deputado a realizar o esforço de o contactar. Por outro lado, a Assembleia da República não faz a necessária divulgação para que as pessoas possam contactar directamente os seus representantes." Só PS disponibiliza o "e-mail" dos deputados Na página do Parlamento (www.parlamento.pt), apenas constam os endereços electrónicos dos seis grupos parlamentares. Apesar de todos os deputados possuírem um endereço alojado nos servidores da Assembleia, neste momento só o PS disponibiliza o contacto dos seus 96 membros eleitos. Para além do "e-mail", a página do grupo parlamentar do PS (www.partido-socialista.pt/ar) fornece a fotografia e o percurso político, bem como intervenções, iniciativas legislativas, requerimentos, audiências e artigos de opinião dos diferentes deputados. Outros dos problemas identificados pelos deputados para o fraco volume de mensagens recebidas são a expansão tardia da Internet em Portugal e a iliteracia digital. "Só comecei a utilizar o 'e-mail' desde que regressei ao Parlamento, há três meses atrás. O computador é um equipamento com o qual ainda me estou progressivamente a familiarizar", afirma Luís Capoulas Santos, do PS. Os deputados parlamentares recebem uma média de 10 a 15 "e-mails" por dia, salvo algumas excepções. "Pelo facto de ter sido ministro da Educação, sou bastante solicitado a responder a questões de pais, professores e alunos", refere Guilherme d' Oliveira Martins, do PS. As mensagens dividem-se entre correspondência do grupo parlamentar, que inclui também os principais destaques da imprensa diária, de instituições, de colaboradores, de grupos de discussão e de eleitores. O fluxo de mensagens intensifica-se aquando do debate de questões mais controversas, como os touros de morte, a interrupção voluntária da gravidez ou a legislação laboral, embora, como refere António José Seguro, a esmagadora maioria das missivas relacionadas com estes assuntos ainda seja enviada por correio tradicional. "Lixo electrónico" e "cunhas" É também frequente, especialmente antes das férias parlamentares, o afluxo maciço de vírus e de "lixo electrónico", em particular publicidade institucional: "Nos últimos dias, temos recebido dezenas de mensagens de organizações umas contra, outras a favor da liberalização do comércio de vitaminas", refere António Nazaré Pereira. Foi para evitar estas situações, de acordo com a assessora de imprensa, Paula Barata, que o grupo parlamentar do PCP não divulga os "e-mails" pessoais dos seus deputados. "Os deputados do PCP fazem uma gestão pessoal do seu 'e-mail'. Todo o cidadão que se queira dirigir a um deputado do partido envia a sua mensagem para o endereço do grupo parlamentar e é-lhe entregue no mesmo momento em que é recebida. Este tipo de procedimento permite, por exemplo, que o deputado seja notificado da recepção de uma mensagem quando está ausente." Existem, depois, as mensagens consideradas mais insólitas. "Há ainda por parte do cidadão uma noção errada do papel do deputado. Já recebi algumas mensagens a pedir 'cunhas', sobretudo relacionadas com o acesso à habitação e com a construção de obras públicas", assinala António Galamba, do PS. Para além de mensagens ofensivas, outros deputados confessam também já ter recebido alarmes falsos, apelos de solidariedade para causas inexistentes ou pedidos de informação de jornalistas que não se identificam enquanto tal. As opiniões dividem-se quanto à possibilidade de os deputados não serem capazes de dar expediente a todas as solicitações, se a comunicação via "e-mail" se generalizar a médio-longo prazo. "O aumento do volume de mensagens electrónicas irá colocar o mesmo problema que já se verifica em relação à correspondência tradicional: os deputados não conseguem responder a todos os pedidos", considera Fernando Serrasqueiro, do PS. Para António Galamba, o problema é também a falta de apoio dos deputados: "A esmagadora maioria dos parlamentares europeus tem um assistente. No caso português, existirá, no máximo, um rácio de uma secretária para três deputados. Mas mesmo a secretária não tem um perfil de experiência política para responder pelo deputado." Para António José Seguro, esta questão é falaciosa: "Penso que seria extremamente salutar para a Assembleia da República se algum dia tivesse de se confrontar com um aumento exponencial de contactos de cidadãos via Internet. O que é mau para a democracia é haver poucos cidadãos a utilizar este sistema." A mesma opinião é corroborada por Francisco Louçã, do Bloco de Esquerda: "Os deputados têm de responder a todas as perguntas que lhes são feitas. A sobrelotação do sistema não existirá do ponto de vista técnico, já que a capacidade de memória e de processamento ultrapassará sempre qualquer dificuldade." Várias têm sido as soluções apontadas para incentivar a comunicação electrónica entre os deputados e os diferentes agentes sociais. Para além da criação e divulgação das páginas pessoais dos membros do Parlamento, e da vulgarização das sessões de "chat" com os eleitores, José Magalhães, do PS, sugere a criação de um projecto-piloto que contribua para a segurança da correspondência trocada entre o Parlamento e o exterior e de um sistema de notificação dos documentos digitais "que substitua por completo o papel". "É também necessário criar fóruns públicos em que a correspondência electrónica seja moeda corrente para a discussão sistematizada e bem organizada de temas quentes. Por exemplo, para a discussão da legislação laboral, o meio anacrónico de edição de uma separata, que custa dezenas de euros, é incomparavelmente mais ineficaz e dispendioso do que a difusão via Internet dos formulários de perguntas, seguidos de resposta electrónica gratuita." António José Seguro sugere, por outro lado, que todos os documentos debatidos na Assembleia, incluindo as actas das comissões parlamentares e das conferências de líderes, "deveriam estar, numa lógica de transparência, disponíveis para todos". De referir, contudo, que a página do Parlamento já divulga algum tipo de documentação, como propostas e projectos de lei, projectos de deliberação e resolução ou o programa de Governo. Apesar de assinalar que todos os deputados devem ter, cada vez mais, uma componente digital, Francisco Louçã sustenta que a ciberpolítica não deve substituir o contacto directo com as populações: "Quanto mais densa for a rede e a relação por via da Internet, mais fácil será aos deputados esquecerem-se de outras obrigações não menos essenciais em termos de prestação de contas. Seria desejável que os deputados, utilizando o máximo possível a Internet, não deixassem de responder à correspondência em papel e de se sentir obrigados a fazer debates frente a frente com os cidadãos. Há uma dimensão orgânica das relações humanas que se perde no 'e-mail'." OUTROS TÍTULOS EM NACIONAL Ferro manda parar guerra com Sampaio
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Terça-feira, 30 de Julho de 2002 Assembleia da República Insultos e elogios, tomadas de posição em relação a temas polémicos, pedidos de ajuda, "cunhas" e alarmes falsos são os pratos fortes da correspondência electrónica trocada entre deputados e eleitores Quando se fala do aumento da participação política, o "e-mail" é considerado um dos meios de aproximação entre eleitores e eleitos. A rapidez da comunicação, sem a burocracia dos meandros do Parlamento, e o maior grau de responsabilização dos deputados perante os eleitores são normalmente apontados como as grandes virtudes do correio electrónico. Mas a realidade prática é, contudo, distinta. Grande parte dos deputados ouvidos pelo PÚBLICO afirma que a percentagem de mensagens enviadas por eleitores é quase residual. "A maior parte dos eleitores que utiliza a Internet não está nem sensibilizada, nem suficientemente relacionada com os temas políticos da sociedade para fazer um uso normal desta forma de comunicação com os deputados", refere António Nazaré Pereira, deputado do PSD. António José Seguro, do PS, prefere repartir as culpas: "Há responsabilidades de parte a parte. Por um lado, a participação cívica a partir dos mecanismos habituais em qualquer democracia não é estimulada em Portugal. Os cidadãos preferem dizer que não sabem quem é o seu deputado a realizar o esforço de o contactar. Por outro lado, a Assembleia da República não faz a necessária divulgação para que as pessoas possam contactar directamente os seus representantes." Só PS disponibiliza o "e-mail" dos deputados Na página do Parlamento (www.parlamento.pt), apenas constam os endereços electrónicos dos seis grupos parlamentares. Apesar de todos os deputados possuírem um endereço alojado nos servidores da Assembleia, neste momento só o PS disponibiliza o contacto dos seus 96 membros eleitos. Para além do "e-mail", a página do grupo parlamentar do PS (www.partido-socialista.pt/ar) fornece a fotografia e o percurso político, bem como intervenções, iniciativas legislativas, requerimentos, audiências e artigos de opinião dos diferentes deputados. Outros dos problemas identificados pelos deputados para o fraco volume de mensagens recebidas são a expansão tardia da Internet em Portugal e a iliteracia digital. "Só comecei a utilizar o 'e-mail' desde que regressei ao Parlamento, há três meses atrás. O computador é um equipamento com o qual ainda me estou progressivamente a familiarizar", afirma Luís Capoulas Santos, do PS. Os deputados parlamentares recebem uma média de 10 a 15 "e-mails" por dia, salvo algumas excepções. "Pelo facto de ter sido ministro da Educação, sou bastante solicitado a responder a questões de pais, professores e alunos", refere Guilherme d' Oliveira Martins, do PS. As mensagens dividem-se entre correspondência do grupo parlamentar, que inclui também os principais destaques da imprensa diária, de instituições, de colaboradores, de grupos de discussão e de eleitores. O fluxo de mensagens intensifica-se aquando do debate de questões mais controversas, como os touros de morte, a interrupção voluntária da gravidez ou a legislação laboral, embora, como refere António José Seguro, a esmagadora maioria das missivas relacionadas com estes assuntos ainda seja enviada por correio tradicional. "Lixo electrónico" e "cunhas" É também frequente, especialmente antes das férias parlamentares, o afluxo maciço de vírus e de "lixo electrónico", em particular publicidade institucional: "Nos últimos dias, temos recebido dezenas de mensagens de organizações umas contra, outras a favor da liberalização do comércio de vitaminas", refere António Nazaré Pereira. Foi para evitar estas situações, de acordo com a assessora de imprensa, Paula Barata, que o grupo parlamentar do PCP não divulga os "e-mails" pessoais dos seus deputados. "Os deputados do PCP fazem uma gestão pessoal do seu 'e-mail'. Todo o cidadão que se queira dirigir a um deputado do partido envia a sua mensagem para o endereço do grupo parlamentar e é-lhe entregue no mesmo momento em que é recebida. Este tipo de procedimento permite, por exemplo, que o deputado seja notificado da recepção de uma mensagem quando está ausente." Existem, depois, as mensagens consideradas mais insólitas. "Há ainda por parte do cidadão uma noção errada do papel do deputado. Já recebi algumas mensagens a pedir 'cunhas', sobretudo relacionadas com o acesso à habitação e com a construção de obras públicas", assinala António Galamba, do PS. Para além de mensagens ofensivas, outros deputados confessam também já ter recebido alarmes falsos, apelos de solidariedade para causas inexistentes ou pedidos de informação de jornalistas que não se identificam enquanto tal. As opiniões dividem-se quanto à possibilidade de os deputados não serem capazes de dar expediente a todas as solicitações, se a comunicação via "e-mail" se generalizar a médio-longo prazo. "O aumento do volume de mensagens electrónicas irá colocar o mesmo problema que já se verifica em relação à correspondência tradicional: os deputados não conseguem responder a todos os pedidos", considera Fernando Serrasqueiro, do PS. Para António Galamba, o problema é também a falta de apoio dos deputados: "A esmagadora maioria dos parlamentares europeus tem um assistente. No caso português, existirá, no máximo, um rácio de uma secretária para três deputados. Mas mesmo a secretária não tem um perfil de experiência política para responder pelo deputado." Para António José Seguro, esta questão é falaciosa: "Penso que seria extremamente salutar para a Assembleia da República se algum dia tivesse de se confrontar com um aumento exponencial de contactos de cidadãos via Internet. O que é mau para a democracia é haver poucos cidadãos a utilizar este sistema." A mesma opinião é corroborada por Francisco Louçã, do Bloco de Esquerda: "Os deputados têm de responder a todas as perguntas que lhes são feitas. A sobrelotação do sistema não existirá do ponto de vista técnico, já que a capacidade de memória e de processamento ultrapassará sempre qualquer dificuldade." Várias têm sido as soluções apontadas para incentivar a comunicação electrónica entre os deputados e os diferentes agentes sociais. Para além da criação e divulgação das páginas pessoais dos membros do Parlamento, e da vulgarização das sessões de "chat" com os eleitores, José Magalhães, do PS, sugere a criação de um projecto-piloto que contribua para a segurança da correspondência trocada entre o Parlamento e o exterior e de um sistema de notificação dos documentos digitais "que substitua por completo o papel". "É também necessário criar fóruns públicos em que a correspondência electrónica seja moeda corrente para a discussão sistematizada e bem organizada de temas quentes. Por exemplo, para a discussão da legislação laboral, o meio anacrónico de edição de uma separata, que custa dezenas de euros, é incomparavelmente mais ineficaz e dispendioso do que a difusão via Internet dos formulários de perguntas, seguidos de resposta electrónica gratuita." António José Seguro sugere, por outro lado, que todos os documentos debatidos na Assembleia, incluindo as actas das comissões parlamentares e das conferências de líderes, "deveriam estar, numa lógica de transparência, disponíveis para todos". De referir, contudo, que a página do Parlamento já divulga algum tipo de documentação, como propostas e projectos de lei, projectos de deliberação e resolução ou o programa de Governo. Apesar de assinalar que todos os deputados devem ter, cada vez mais, uma componente digital, Francisco Louçã sustenta que a ciberpolítica não deve substituir o contacto directo com as populações: "Quanto mais densa for a rede e a relação por via da Internet, mais fácil será aos deputados esquecerem-se de outras obrigações não menos essenciais em termos de prestação de contas. Seria desejável que os deputados, utilizando o máximo possível a Internet, não deixassem de responder à correspondência em papel e de se sentir obrigados a fazer debates frente a frente com os cidadãos. Há uma dimensão orgânica das relações humanas que se perde no 'e-mail'." OUTROS TÍTULOS EM NACIONAL Ferro manda parar guerra com Sampaio
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