Ana Garcia Martins reúne toda a esperteza do mundo e o mais hábil engraçadismo para ter um sucesso absoluto na bloga para a qual julguei impossível haver 20 000 leitores diários, tratando-se de um só blogger. Muito mais que somente faro para o negócio: toda ela, Ana Garcia, é negócio. Tudo lhe corre naturalmente bem, intensamente amada ou odiada. Negócios são negócios e A Pipoca Mais Doce, com a quotidiana reprodução lustrosa de banalidades, parece um sucesso. Nós, a bloga esforçada, sem classe, sem fashion, nada actual, nada cosmopolita, nada arrojada, nada moderna, sem Time Out, sem interesse, sem alter-ego, sem peças de roupa nem sugestão de restaurante, sem sapatos, sem malas, sem marcas, sem produtos, sem a apipocamaisazeda à perna, sem hate mail, sem fútil, sem cor-de-rosa, sem mais para mulheres, sem livros que tenha lido, sem exposições, sem sugestões para vestidos de noiva, sem ideias para quem hesite acabar com o namorado ou tirar jornalismo, sem assumidamente fútil e cor-de-rosa, sem qualquer toque parolo de Benfica, sem capacidade de fazer sonhar, desanuviar e não estar a pensar nas coisas que chateiam as pessoas, sem nada de giro, sem montes de blogues a falar de nós e dos nossos passes de oco, sem O Sexo e a Cidade, sem a Carrie Bradshaw como ídolo, sem Nova Iorque como destino, sem gosto por sapatos e por roupinha, sem 250 pares de sapatos, sem closet com eles expostos em prateleiras no qual não se deixa entrar crianças nem animais, sem Manolo Blahnik, sem os Louboutin que existem no mundo, que serão centenas ou mesmo milhares, sem primeiros nem últimos passos no caminho da riqueza, sem peça fetiche, sem baby steps, sem eventos, sem lançamentos de produtos e festas, sem a vida escarrapachada na "Nova Gente", sem perspectiva de romances, sem Margarida Rebelo Pinto, sem o target, sem a pachorra para o Diário da Tua Ausência, sem inveja nem a glória de ser invejada, sem a curiosidade dos outros, sem o encanto dos blogues, — nós não temos sucesso. Temos fome. Temos pouco dinheiro, as paredes do quarto pequeno estão repletas de um bolor negro, dois pares de qualquer coisa como calçado e o mesmo casaco por meses, um carro velho e desconjuntado, um salário que não paga fraldas nem iogurtes nem luz nem água nem electricidade nem TVCabo nem gás e às vezes somos quatro na mesma cama para parecer menos frio, cinco, quando o sobrinho vem passar cá o fim de semana, a casa é fria, húmida e a canalha tosse e peida todo ano e nós também. É assim e não poderia ser de outra maneira.
Categorias
Entidades
Ana Garcia Martins reúne toda a esperteza do mundo e o mais hábil engraçadismo para ter um sucesso absoluto na bloga para a qual julguei impossível haver 20 000 leitores diários, tratando-se de um só blogger. Muito mais que somente faro para o negócio: toda ela, Ana Garcia, é negócio. Tudo lhe corre naturalmente bem, intensamente amada ou odiada. Negócios são negócios e A Pipoca Mais Doce, com a quotidiana reprodução lustrosa de banalidades, parece um sucesso. Nós, a bloga esforçada, sem classe, sem fashion, nada actual, nada cosmopolita, nada arrojada, nada moderna, sem Time Out, sem interesse, sem alter-ego, sem peças de roupa nem sugestão de restaurante, sem sapatos, sem malas, sem marcas, sem produtos, sem a apipocamaisazeda à perna, sem hate mail, sem fútil, sem cor-de-rosa, sem mais para mulheres, sem livros que tenha lido, sem exposições, sem sugestões para vestidos de noiva, sem ideias para quem hesite acabar com o namorado ou tirar jornalismo, sem assumidamente fútil e cor-de-rosa, sem qualquer toque parolo de Benfica, sem capacidade de fazer sonhar, desanuviar e não estar a pensar nas coisas que chateiam as pessoas, sem nada de giro, sem montes de blogues a falar de nós e dos nossos passes de oco, sem O Sexo e a Cidade, sem a Carrie Bradshaw como ídolo, sem Nova Iorque como destino, sem gosto por sapatos e por roupinha, sem 250 pares de sapatos, sem closet com eles expostos em prateleiras no qual não se deixa entrar crianças nem animais, sem Manolo Blahnik, sem os Louboutin que existem no mundo, que serão centenas ou mesmo milhares, sem primeiros nem últimos passos no caminho da riqueza, sem peça fetiche, sem baby steps, sem eventos, sem lançamentos de produtos e festas, sem a vida escarrapachada na "Nova Gente", sem perspectiva de romances, sem Margarida Rebelo Pinto, sem o target, sem a pachorra para o Diário da Tua Ausência, sem inveja nem a glória de ser invejada, sem a curiosidade dos outros, sem o encanto dos blogues, — nós não temos sucesso. Temos fome. Temos pouco dinheiro, as paredes do quarto pequeno estão repletas de um bolor negro, dois pares de qualquer coisa como calçado e o mesmo casaco por meses, um carro velho e desconjuntado, um salário que não paga fraldas nem iogurtes nem luz nem água nem electricidade nem TVCabo nem gás e às vezes somos quatro na mesma cama para parecer menos frio, cinco, quando o sobrinho vem passar cá o fim de semana, a casa é fria, húmida e a canalha tosse e peida todo ano e nós também. É assim e não poderia ser de outra maneira.