Oito "dicas" da Visao para sobreviver ao "acontecimento político do ano"Para o caso de ainda nao ter reparado ou de estar mais preocupado com coisas que tenham uma intervençao mais directa no tamanho do buraco do seu bolso, a cimeira da Nato em Lisboa é o acontecimento político do ano. Como é próprio de um acontecimento político, o papel da populaçao é o de lhe sobreviver, na medida dos possíveis. Neste caso, sobreviver-lhe pode ser resumido a uma mensagem: FIQUE EM CASA. Ou noutras palavras, nao se meta. Se tiver nascido antes de 74 e tiver conseguido sobreviver ao regime sem levar tareia, é provável que possa dispensar as dicas da Visao abraçando formas de comportamento já testadas, de contrário aqui seguem, ipsis verbis.1. "Evite circular ou estacionar em toda a zona do Parque das Naçoes. Se morar perto, seja paciente."Gosto bastante deste detalhe, porque só exige paciência a quem more perto, quem morar no Parque das Naçoes parece estar livre de ser impaciente, desde que traduza a sua impaciência numa inércia que nao dê lugar nem à circulaçao nem ao estacionamento.2. Fuja dos trajetos pelos quais circularao as delegaçoes, bem como das áreas em volta dos hotéis onde estas estao alojadas.Esta é uma das minhas favoritas. O cidadao deve investigar os hotéis onde estao alojadas as delegaçoes e os trajetos pelos quais circularao, fugindo de seguida a sete pés de tal local. Evidentemente que isto só se aplica a quem nao ficou em casa, mas exige-se a pergunta: devemos fugir de forma paciente?3. Evite ser desnecessariamente curioso quanto aos locais onde irao estar presentes as delegaçoes.A medida de curiosidade necessária no que diz respeito a uma organizaçao de que o seu país faz parte, que está correntemente em guerra e cujos fundamentos exigem do seu país que parta em socorro de outro caso esse assim o solicite nao é especificada pela Visao, mas supoe-se que, na ausência de uma escala oficial, possa ser arbitrariamente definida por qualquer membro das nossas estimadas forças policiais. Infelizmente, nao é claro como podemos evitar ser desnecessariamente curiosos acerca dos locais onde se encontram e pernoitam as organizaçoes e fugir das áreas dos hotéis onde estao alojadas e dos trajetos por onde se deslocam ao mesmo tempo.Estou tentada a acreditar que o paradoxo nao seja acidental: na dúvida o cidadao pode sempre ficar em casa. In dubia nao te metas. 4. Adote comportamentos que nao atrapalham a açao policial. E lembre-se de que, por muito que o possam aborrecer, as indicaçoes dos agentes também se destinam a protegê-lo a si.Se se cruzar com um corpo policial a espancar um cidadao, é recomendado que se afaste do local indicado. Caso nao siga esta indicaçao, claramente destinada a protegê-lo, é provável que leve também (ver ponto abaixo). Se existirem ramos de árvores ou pedras no caminho que possam atrapalhar a açao policial, é recomendado que os afaste. Estar no caminho também pode atrapalhar a açao policial, mas evite ser desnecessariamente curioso quanto ao caminho previsto.5. Se participar numa manifestaçao, procure nao o fazer de face oculta e mantenha a cabeça destapada. Mas a polícia nao deverá aborrecê-lo se, em caso de chuva, cobrir a cabeça com o capuz do anoraque.Como é evidente, participar numa manifestaçao é pouco compatível com ficar em casa, pelo que já de si é pouco recomendável. Caso o faça repare no entanto que é importante que a polícia o possa identificar nos vídeos e fotografias que faz deste tipo de eventos, que evidentemente só sao passíveis de ser utilizados como ónus da prova numa das direcçoes. Por outro lado, é possível que chova, altura em que, na sua infinita generosidade, a polícia nao me "aborrecerá" se eu cobrir a cabeça com o capuz do meu anoraque, o que me deixa bastante aliviada.Infelizmente o artigo refere apenas anoraques, pelo que recomendaria perguntar a um agente caso tenha vestido antes uma parka, uma gabardine, um casaco ou tenha por hábito proteger-se da chuva com um chapéu impermeável. Tenha no entanto paciência e procure nao se mostrar desnecessariamente curioso.6. A PSP também recomenda que se evite a associaçao a "grupos extremistas/radicais" (num primeiro documento, chamou-lhes "grupos com cariz anarco-libertário").Desde que a Lusa garantiu que a polícia descobriu na fronteira panfletos anarquistas e anti-guerra, no mesmo tom que costuma usar para apreensoes de droga ou a descoberta de redes da Al Qaeda que o país ficou a saber que os anarquistas sao os maus da fita. Parece até que é fácil identificá-los, uma vez que, ainda de acordo com a Lusa, transportam consigo roupas pretas (se nao tem um anoraque de outra cor é recomendado que nao o traga para uma manifestaçao - aqui entre nós, eu também nao apostaria na capacidade da polícia de distinguir entre preto, cinza antracite e azul escuro. Jogue pelo seguro).Ser contra a guerra, como se pode ler nas notícias da nossa única agência noticiosa, é também uma forma de extremismo, pelo que é aconselhado que, caso decida participar na manifestaçao anti-guerra (ou no concerto do Bloco de Esquerda, que se distancia assim de manifestaçoes extremistas convocadas por organizaçoes como a CGTP), opte por nao distribuir panfletos radicais que defendam o fim da guerra ou a anarquia. Alternativas bem vistas e consideradas moderadas sao panfletos defendendo a retirada faseada de países que salvámos recentemente ou cartazes exigindo pouco estado, uma coisa a caminho da extinçao do Estado mas convenientemente moderada e de resto bastante popular junto das autoridades.7. Nao se associe a contextos de desordem pública e afaste-se imediatamente, se acontecerem... A carga policial nao há de tardar. Dia 18 de Novembro de 2010 (alguém tem de ir assinalando a História): o dia em que um dos bastioes do jornalismo português explicou aos cidadaos nacionais que se nao se afastarem de "contextos de desordem pública" (cuja definiçao deve estar a cargo do mesmo agente que decide o grau necessário de curiosidade e os modelos de protecçao contra a chuva aceites) vao levar porrada da polícia que se lixam. Como se pode depreender do texto, a carga policial é a única medida prevista no caso de "contextos de desordem pública" que aconteçam (os contextos acontecem muito), o que nao deixa de ser cândido, nao me lembro de alguma vez isto ser admitido de forma tao sincera.Ora no caso de uma carga policial, se nao está ali para apanhar está ali só para atrapalhar, o que como já vimos nao é de forma nenhuma indicado caso deseje "sobreviver ao acontecimento político do ano" (é de mim ou este verbo tem vindo a ganhar uma tonalidade algo mórbida à medida que as "dicas" avançam?).8. Numa situaçao de emergência, mantenha a calma e ligue para o 112. Se estiver a assistir a uma carga policial, por exemplo, o que como já vimos só é aceitável se morar num edifício com vista para a mesma (altura em que terá cumprido a 'dica' de ficar em casa mas pode ainda estar a ser desnecessariamente curioso - cuidado!), pode chamar o 112 caso existam por exemplo demasiados cidadaos a atrapalhar a açao policial. O 112 pode também ajudá-lo caso tenha apanhado uma pneumonia à chuva ou tenha torcido o pé fugindo em debandada de uma rua onde ia passar uma comitiva. Por outro lado, se o seu problema for o excesso de roupa preta no armário ou as dúvidas face a como combinar casacos de outras cores que nao preto, a mini-saia tem escrito bastante sobre as possibilidades do camel, uma cor muito em voga nesta estaçao. Infelizmente a pesquisa por anoraque nao devolve nenhum resultado.(a fotografia é mesmo do site da PSP, nao sou eu que ando a ver filmes a mais)
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Oito "dicas" da Visao para sobreviver ao "acontecimento político do ano"Para o caso de ainda nao ter reparado ou de estar mais preocupado com coisas que tenham uma intervençao mais directa no tamanho do buraco do seu bolso, a cimeira da Nato em Lisboa é o acontecimento político do ano. Como é próprio de um acontecimento político, o papel da populaçao é o de lhe sobreviver, na medida dos possíveis. Neste caso, sobreviver-lhe pode ser resumido a uma mensagem: FIQUE EM CASA. Ou noutras palavras, nao se meta. Se tiver nascido antes de 74 e tiver conseguido sobreviver ao regime sem levar tareia, é provável que possa dispensar as dicas da Visao abraçando formas de comportamento já testadas, de contrário aqui seguem, ipsis verbis.1. "Evite circular ou estacionar em toda a zona do Parque das Naçoes. Se morar perto, seja paciente."Gosto bastante deste detalhe, porque só exige paciência a quem more perto, quem morar no Parque das Naçoes parece estar livre de ser impaciente, desde que traduza a sua impaciência numa inércia que nao dê lugar nem à circulaçao nem ao estacionamento.2. Fuja dos trajetos pelos quais circularao as delegaçoes, bem como das áreas em volta dos hotéis onde estas estao alojadas.Esta é uma das minhas favoritas. O cidadao deve investigar os hotéis onde estao alojadas as delegaçoes e os trajetos pelos quais circularao, fugindo de seguida a sete pés de tal local. Evidentemente que isto só se aplica a quem nao ficou em casa, mas exige-se a pergunta: devemos fugir de forma paciente?3. Evite ser desnecessariamente curioso quanto aos locais onde irao estar presentes as delegaçoes.A medida de curiosidade necessária no que diz respeito a uma organizaçao de que o seu país faz parte, que está correntemente em guerra e cujos fundamentos exigem do seu país que parta em socorro de outro caso esse assim o solicite nao é especificada pela Visao, mas supoe-se que, na ausência de uma escala oficial, possa ser arbitrariamente definida por qualquer membro das nossas estimadas forças policiais. Infelizmente, nao é claro como podemos evitar ser desnecessariamente curiosos acerca dos locais onde se encontram e pernoitam as organizaçoes e fugir das áreas dos hotéis onde estao alojadas e dos trajetos por onde se deslocam ao mesmo tempo.Estou tentada a acreditar que o paradoxo nao seja acidental: na dúvida o cidadao pode sempre ficar em casa. In dubia nao te metas. 4. Adote comportamentos que nao atrapalham a açao policial. E lembre-se de que, por muito que o possam aborrecer, as indicaçoes dos agentes também se destinam a protegê-lo a si.Se se cruzar com um corpo policial a espancar um cidadao, é recomendado que se afaste do local indicado. Caso nao siga esta indicaçao, claramente destinada a protegê-lo, é provável que leve também (ver ponto abaixo). Se existirem ramos de árvores ou pedras no caminho que possam atrapalhar a açao policial, é recomendado que os afaste. Estar no caminho também pode atrapalhar a açao policial, mas evite ser desnecessariamente curioso quanto ao caminho previsto.5. Se participar numa manifestaçao, procure nao o fazer de face oculta e mantenha a cabeça destapada. Mas a polícia nao deverá aborrecê-lo se, em caso de chuva, cobrir a cabeça com o capuz do anoraque.Como é evidente, participar numa manifestaçao é pouco compatível com ficar em casa, pelo que já de si é pouco recomendável. Caso o faça repare no entanto que é importante que a polícia o possa identificar nos vídeos e fotografias que faz deste tipo de eventos, que evidentemente só sao passíveis de ser utilizados como ónus da prova numa das direcçoes. Por outro lado, é possível que chova, altura em que, na sua infinita generosidade, a polícia nao me "aborrecerá" se eu cobrir a cabeça com o capuz do meu anoraque, o que me deixa bastante aliviada.Infelizmente o artigo refere apenas anoraques, pelo que recomendaria perguntar a um agente caso tenha vestido antes uma parka, uma gabardine, um casaco ou tenha por hábito proteger-se da chuva com um chapéu impermeável. Tenha no entanto paciência e procure nao se mostrar desnecessariamente curioso.6. A PSP também recomenda que se evite a associaçao a "grupos extremistas/radicais" (num primeiro documento, chamou-lhes "grupos com cariz anarco-libertário").Desde que a Lusa garantiu que a polícia descobriu na fronteira panfletos anarquistas e anti-guerra, no mesmo tom que costuma usar para apreensoes de droga ou a descoberta de redes da Al Qaeda que o país ficou a saber que os anarquistas sao os maus da fita. Parece até que é fácil identificá-los, uma vez que, ainda de acordo com a Lusa, transportam consigo roupas pretas (se nao tem um anoraque de outra cor é recomendado que nao o traga para uma manifestaçao - aqui entre nós, eu também nao apostaria na capacidade da polícia de distinguir entre preto, cinza antracite e azul escuro. Jogue pelo seguro).Ser contra a guerra, como se pode ler nas notícias da nossa única agência noticiosa, é também uma forma de extremismo, pelo que é aconselhado que, caso decida participar na manifestaçao anti-guerra (ou no concerto do Bloco de Esquerda, que se distancia assim de manifestaçoes extremistas convocadas por organizaçoes como a CGTP), opte por nao distribuir panfletos radicais que defendam o fim da guerra ou a anarquia. Alternativas bem vistas e consideradas moderadas sao panfletos defendendo a retirada faseada de países que salvámos recentemente ou cartazes exigindo pouco estado, uma coisa a caminho da extinçao do Estado mas convenientemente moderada e de resto bastante popular junto das autoridades.7. Nao se associe a contextos de desordem pública e afaste-se imediatamente, se acontecerem... A carga policial nao há de tardar. Dia 18 de Novembro de 2010 (alguém tem de ir assinalando a História): o dia em que um dos bastioes do jornalismo português explicou aos cidadaos nacionais que se nao se afastarem de "contextos de desordem pública" (cuja definiçao deve estar a cargo do mesmo agente que decide o grau necessário de curiosidade e os modelos de protecçao contra a chuva aceites) vao levar porrada da polícia que se lixam. Como se pode depreender do texto, a carga policial é a única medida prevista no caso de "contextos de desordem pública" que aconteçam (os contextos acontecem muito), o que nao deixa de ser cândido, nao me lembro de alguma vez isto ser admitido de forma tao sincera.Ora no caso de uma carga policial, se nao está ali para apanhar está ali só para atrapalhar, o que como já vimos nao é de forma nenhuma indicado caso deseje "sobreviver ao acontecimento político do ano" (é de mim ou este verbo tem vindo a ganhar uma tonalidade algo mórbida à medida que as "dicas" avançam?).8. Numa situaçao de emergência, mantenha a calma e ligue para o 112. Se estiver a assistir a uma carga policial, por exemplo, o que como já vimos só é aceitável se morar num edifício com vista para a mesma (altura em que terá cumprido a 'dica' de ficar em casa mas pode ainda estar a ser desnecessariamente curioso - cuidado!), pode chamar o 112 caso existam por exemplo demasiados cidadaos a atrapalhar a açao policial. O 112 pode também ajudá-lo caso tenha apanhado uma pneumonia à chuva ou tenha torcido o pé fugindo em debandada de uma rua onde ia passar uma comitiva. Por outro lado, se o seu problema for o excesso de roupa preta no armário ou as dúvidas face a como combinar casacos de outras cores que nao preto, a mini-saia tem escrito bastante sobre as possibilidades do camel, uma cor muito em voga nesta estaçao. Infelizmente a pesquisa por anoraque nao devolve nenhum resultado.(a fotografia é mesmo do site da PSP, nao sou eu que ando a ver filmes a mais)