João Paulo Guerra é um jornalista que foge à actual regra do bando dos rascas desinformadores que infestam a paisagem desinformadora nacional. Uma das raras excepções.
O seu artigo, transcrito abaixo e publicado no Económico de ontem, é a sua análise às escutas telefónicas que actualmente fazem o furor da jornaleirada e da podridão política, de que todos procuram tirar o máximo de dividendos, tudo atropelando no seu caminho como os selvagens e incivilizados que são. Todavia, é disto que o Zé Povinho gosta e aprecia, o que dá votos e que a canalha política não desperdiça para os sacar aos mentecaptos. Com grande êxito, pelo que se observa.
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O problema das escutas é que as escutas são várias ordens de problemas.
Um problema de privacidade devassada, a que se recorre por tudo e por nada e fora de controlo judicial razoável, e que raramente se contém nos seus limites judiciais, em particular em casos mediáticos. E também porque o conteúdo das escutas pode gerar situações em que o direito à informação se sobrepõe à privacidade, o que poderá ser motivo de problemas para os escutados.
Em geral os visados pela divulgação de escutas sobrepõem o segredo de justiça à própria justiça. E assim, em vez de se discutir e esclarecer se o Governo teve ou não teve um plano para o controlo dos media, ou se os árbitros de futebol foram ou não presenteados com cabazes de "fruta", por quem e com que fim, passa a discutir-se como é que as escutas aparecem transcritas nos jornais ou em exibição no Youtube. Cada discussão tem a sua razão de ser e o seu lugar. Mas nenhuma pode ou deve anular a outra. E responder sobre o conteúdo de uma questão alegando vício na forma é escamotear os problemas.
E há mais. A divulgação de certas escutas, ou de outros meios, que depois por artifícios legais não servem como elemento de prova, suscitam diversas perplexidades. Se não servem como elemento de prova, quem as fez, com que autorização e com que fim? Porque se é verdade que há escutas a mais e fora de controlo, também é certo que há muita porcaria que vem à superfície nas escutas sobre a qual o quadro legal passa uma esponja.
A tudo isto, o poder prefere discutir de onde e como é que fugiu determinada escuta em concreto, procurando que tudo acabe com a decapitação do mensageiro. Em geral não é possível saber. Mas sempre se deixa de falar na letra para trautear apenas a música do costume.
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Porém, nada disto é novo e a legislação, parida por incapazes calões parasitas, dos quais uma maioria são advogados falhados, não é estranha a esta situação. Veja-se outro artigo do mesmo autor já antigo, de 31-10-2007, mas que nos revela algo de interessante nesse sentido.
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Em Portugal, em matéria de escutas telefónicas, as coisas passam-se da seguinte maneira: há sofisticado equipamento destinado a escutas, telefónicas e outras, cuja comercialização está devidamente autorizada mas cuja utilização é considerada ilegal.
Nesta espécie de democracia e de Estado de Direito, tudo se passa como numa rábula do Gato Fedorento. Pode comprar-se equipamento para escutas? Pode. Mas as escutas depois são ilegais? São. Mas com o equipamento que é permitido comprar podem fazer-se? Podem. Mas não são legais? Não. E podendo comprar-se equipamento para escutas há quem o compre? Há. E quem depois o utilize para escutas ilegais? Sim. E depois o que é que acontece? O procurador-geral da República ouve ruídos no telemóvel. E que acontece mais? Mais nada. Mas podia acontecer? Podia. Mas não acontece? Não.
Mas porque não se interdita a venda de equipamento destinado a fazer escutas ilegais? Porque não. E porque se mantém à venda equipamento destinado à prática de uma ilegalidade? Porque sim. E é assim que o negócio e as comissões vão prosperando e as escutas ilegais proliferando. O “Público” de ontem identificava nove instituições, civis e militares, que poderão entregar-se actualmente à prática de escutas telefónicas e outras, desde as polícias ao Fisco, dos serviços secretos às alfândegas, sendo que algumas dessas instituições o fazem abusivamente.
Acresce que o poder em Portugal é uma espécie de pescadinha de rabo na boca. À alternância do “centralão” soma-se o alterne de um elenco que reparte o direito de admissão pelas câmaras e antecâmaras do poder. E é assim que todos praticam os mesmos actos e que todos ficam reféns uns dos outros. Chama-se a isto cumplicidade.
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Há muitos a que convém que se acredite que isto seja uma democracia, e até há muito carneiro que acredita. É que não é só isto...
Outros artigos também publicados nos blogs do autor (1 e 2).
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João Paulo Guerra é um jornalista que foge à actual regra do bando dos rascas desinformadores que infestam a paisagem desinformadora nacional. Uma das raras excepções.
O seu artigo, transcrito abaixo e publicado no Económico de ontem, é a sua análise às escutas telefónicas que actualmente fazem o furor da jornaleirada e da podridão política, de que todos procuram tirar o máximo de dividendos, tudo atropelando no seu caminho como os selvagens e incivilizados que são. Todavia, é disto que o Zé Povinho gosta e aprecia, o que dá votos e que a canalha política não desperdiça para os sacar aos mentecaptos. Com grande êxito, pelo que se observa.
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O problema das escutas é que as escutas são várias ordens de problemas.
Um problema de privacidade devassada, a que se recorre por tudo e por nada e fora de controlo judicial razoável, e que raramente se contém nos seus limites judiciais, em particular em casos mediáticos. E também porque o conteúdo das escutas pode gerar situações em que o direito à informação se sobrepõe à privacidade, o que poderá ser motivo de problemas para os escutados.
Em geral os visados pela divulgação de escutas sobrepõem o segredo de justiça à própria justiça. E assim, em vez de se discutir e esclarecer se o Governo teve ou não teve um plano para o controlo dos media, ou se os árbitros de futebol foram ou não presenteados com cabazes de "fruta", por quem e com que fim, passa a discutir-se como é que as escutas aparecem transcritas nos jornais ou em exibição no Youtube. Cada discussão tem a sua razão de ser e o seu lugar. Mas nenhuma pode ou deve anular a outra. E responder sobre o conteúdo de uma questão alegando vício na forma é escamotear os problemas.
E há mais. A divulgação de certas escutas, ou de outros meios, que depois por artifícios legais não servem como elemento de prova, suscitam diversas perplexidades. Se não servem como elemento de prova, quem as fez, com que autorização e com que fim? Porque se é verdade que há escutas a mais e fora de controlo, também é certo que há muita porcaria que vem à superfície nas escutas sobre a qual o quadro legal passa uma esponja.
A tudo isto, o poder prefere discutir de onde e como é que fugiu determinada escuta em concreto, procurando que tudo acabe com a decapitação do mensageiro. Em geral não é possível saber. Mas sempre se deixa de falar na letra para trautear apenas a música do costume.
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Porém, nada disto é novo e a legislação, parida por incapazes calões parasitas, dos quais uma maioria são advogados falhados, não é estranha a esta situação. Veja-se outro artigo do mesmo autor já antigo, de 31-10-2007, mas que nos revela algo de interessante nesse sentido.
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Em Portugal, em matéria de escutas telefónicas, as coisas passam-se da seguinte maneira: há sofisticado equipamento destinado a escutas, telefónicas e outras, cuja comercialização está devidamente autorizada mas cuja utilização é considerada ilegal.
Nesta espécie de democracia e de Estado de Direito, tudo se passa como numa rábula do Gato Fedorento. Pode comprar-se equipamento para escutas? Pode. Mas as escutas depois são ilegais? São. Mas com o equipamento que é permitido comprar podem fazer-se? Podem. Mas não são legais? Não. E podendo comprar-se equipamento para escutas há quem o compre? Há. E quem depois o utilize para escutas ilegais? Sim. E depois o que é que acontece? O procurador-geral da República ouve ruídos no telemóvel. E que acontece mais? Mais nada. Mas podia acontecer? Podia. Mas não acontece? Não.
Mas porque não se interdita a venda de equipamento destinado a fazer escutas ilegais? Porque não. E porque se mantém à venda equipamento destinado à prática de uma ilegalidade? Porque sim. E é assim que o negócio e as comissões vão prosperando e as escutas ilegais proliferando. O “Público” de ontem identificava nove instituições, civis e militares, que poderão entregar-se actualmente à prática de escutas telefónicas e outras, desde as polícias ao Fisco, dos serviços secretos às alfândegas, sendo que algumas dessas instituições o fazem abusivamente.
Acresce que o poder em Portugal é uma espécie de pescadinha de rabo na boca. À alternância do “centralão” soma-se o alterne de um elenco que reparte o direito de admissão pelas câmaras e antecâmaras do poder. E é assim que todos praticam os mesmos actos e que todos ficam reféns uns dos outros. Chama-se a isto cumplicidade.
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Há muitos a que convém que se acredite que isto seja uma democracia, e até há muito carneiro que acredita. É que não é só isto...
Outros artigos também publicados nos blogs do autor (1 e 2).