poesia: ievgueni ievtuchenko

01-07-2011
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dorme amorBrilham na vala as gotas salgadas.A porta está fechada. E o mar,fervente, erguendo-se e rompendo contra os diques,absorveu o sol salgado.Dorme amor...Não atormentes a minha alma.Adormecem já as montanhas e a estepe,e o nosso cão coxo,de pêlo emaranhado,deixa-se cair e lambe a corrente salgada.E o rumor dos ramos,e o fragor das ondas,e o cão acorrentadocom toda a sua experiência,e eu com voz muito brandae logo num murmúrioe depois em silênciodizemos-te ambos: dorme, amor...Dorme, amor...Esquece que nos zangámos.Imagina por exemplo:acordamos.Tudo está fresco.Caímos sobre o feno.Temos sono.Vem um cheiro a leite azedolá de baixo,da caveconvidando a sonhar.Oh, como poderei fazer-teimaginar tudo isto,a ti, tão desconfiada!Dorme, amor...Sorri entre sonhos.Não chores mais!Corta flores e vai pensandoonde hás-de pô-las,e compra muitos vestidos bonitos.Disseste alguma coisa?É o cansaço do teu sonho inquieto.Envolve-te no sonho, agasalha-te bem nele.Podemos ver em sonhos tudo o que queremos,tudo o que ansiamosquando estamos acordados.É absurdo não dormir,é mesmo um delito:o que trazemos ocultogrita-nos nas entranhas.Que difícil para os teus olhostrazer tanta coisa!Debaixo das pálpebrassentirão o alívio do sonho.Dorme, amor...Porque estás acordada?É o bramido do mar?A súplica das árvores?Um mau pressentimento?A sem-vergonha de alguém?Ou talvez não de alguém,mas simplesmente a sem-vergonha minha?Dorme, amor...Não é possível fazer nada,mas sabe desde já que não é culpa minha esta culpa.Perdoa-me - estás a ouvir?Ama-me - estás a ouvir? -mesmo que seja só em sonhos,só em sonhos!Dorme, amor...Estamos num mundoque voa enlouquecidoe ameaça explodir,e é preciso abraçarmo-nospara não cairmos dele,e se tivermos que cair,vamos cair abraçados.Dorme, amor...Não te deixes encher de raiva.Que o sonho penetre suavemente nos teus olhosjá que é tão difícil dormir neste mundo.Mas apesar de tudo- ouves-me, amor? -dorme...E o rumor dos ramos,e o fragor das ondas,e o cão na correntecom toda a sua experiência,e eu com voz muito brandae logo num murmúrioe depois em silênciodizemos-te ambos: dorme, amor...ievgueni ievtuchenkoievtuchenko em lisboa (1967)dom quixote1968


dorme amorBrilham na vala as gotas salgadas.A porta está fechada. E o mar,fervente, erguendo-se e rompendo contra os diques,absorveu o sol salgado.Dorme amor...Não atormentes a minha alma.Adormecem já as montanhas e a estepe,e o nosso cão coxo,de pêlo emaranhado,deixa-se cair e lambe a corrente salgada.E o rumor dos ramos,e o fragor das ondas,e o cão acorrentadocom toda a sua experiência,e eu com voz muito brandae logo num murmúrioe depois em silênciodizemos-te ambos: dorme, amor...Dorme, amor...Esquece que nos zangámos.Imagina por exemplo:acordamos.Tudo está fresco.Caímos sobre o feno.Temos sono.Vem um cheiro a leite azedolá de baixo,da caveconvidando a sonhar.Oh, como poderei fazer-teimaginar tudo isto,a ti, tão desconfiada!Dorme, amor...Sorri entre sonhos.Não chores mais!Corta flores e vai pensandoonde hás-de pô-las,e compra muitos vestidos bonitos.Disseste alguma coisa?É o cansaço do teu sonho inquieto.Envolve-te no sonho, agasalha-te bem nele.Podemos ver em sonhos tudo o que queremos,tudo o que ansiamosquando estamos acordados.É absurdo não dormir,é mesmo um delito:o que trazemos ocultogrita-nos nas entranhas.Que difícil para os teus olhostrazer tanta coisa!Debaixo das pálpebrassentirão o alívio do sonho.Dorme, amor...Porque estás acordada?É o bramido do mar?A súplica das árvores?Um mau pressentimento?A sem-vergonha de alguém?Ou talvez não de alguém,mas simplesmente a sem-vergonha minha?Dorme, amor...Não é possível fazer nada,mas sabe desde já que não é culpa minha esta culpa.Perdoa-me - estás a ouvir?Ama-me - estás a ouvir? -mesmo que seja só em sonhos,só em sonhos!Dorme, amor...Estamos num mundoque voa enlouquecidoe ameaça explodir,e é preciso abraçarmo-nospara não cairmos dele,e se tivermos que cair,vamos cair abraçados.Dorme, amor...Não te deixes encher de raiva.Que o sonho penetre suavemente nos teus olhosjá que é tão difícil dormir neste mundo.Mas apesar de tudo- ouves-me, amor? -dorme...E o rumor dos ramos,e o fragor das ondas,e o cão na correntecom toda a sua experiência,e eu com voz muito brandae logo num murmúrioe depois em silênciodizemos-te ambos: dorme, amor...ievgueni ievtuchenkoievtuchenko em lisboa (1967)dom quixote1968

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