Ecléctico e geralmente seguro, François Ozon tem vindo a consolidar-se como um dos estimáveis cineastas franceses a emergir em meados dos anos 90, cuja obra tanto incide em domínios do musical (“8 Mulheres”), do suspense (“Swimming Pool”) ou do drama intimista (“5x2”), e onde o rigor e a eficácia costumam estar presentes.“Le Temps qui Reste”, o novo filme do realizador, é o segundo de uma trilogia dedicada à morte, iniciada com “Sob a Areia”, no entanto desta vez o foco não incide sobre uma mulher de meia idade em busca do marido desaparecido, mas antes num jovem que é confrontado com a revelação de que lhe restam poucos meses de vida, devido a um tumor raro.Romain, fotógrafo de 31 anos, vê a sua percepção do mundo alterar-se com a perturbante notícia, reavaliando as relações com os seus familiares, colegas e namorado e mergulhando numa espiral de inquietação, dor, dúvida e medo.Películas baseadas em doenças terminais não são propriamente algo inovador por si só, e muitas vezes geram melodramas de escassa subtileza e gritantes doses de manipulação emocional, recorrendo aos rodriguinhos mais básicos e rasteiros (como o atestam muitos telefilmes). Ozon não envereda por esta via – nem tal se esperaria - e aborda o tema e o protagonista com o respeito e dignidade que merecem, nunca os utilizando como ferramentas para a comoção fácil.Tendo já provado ser um perspicaz observador das relações humanas, o cineasta não defrauda as expectativas e apresenta um filme sólido, depurado e contido, sustentado em atmosferas realistas geradas pela fluída realização, que novamente concilia gravidade e leveza.Se Ozon é decisivo para que “Le Temps qui Reste” seja um filme bem-sucedido, Melvil Poupaud mostra-se igualmente determinante, surpreendendo com uma interpretação magnética e carismática.Compondo uma personagem ambígua e que dificilmente gera empatia imediata com o espectador, o actor principal oferece um desempenho exemplar, com uma entrega comparável à de Romain Duris em “De Tanto Bater o Meu Coração Parou”, de Jacques Audiard, outro filme francês recente com um belo título e um fortíssimo protagonista.Em vez de incentivar a pena e as lágrimas do espectador, Poupaud constrói uma personagem de temperamento difícil, arrogante e individualista, mas que aos poucos vai revelando as suas fragilidades e virtudes, expondo assim o pior e o melhor da sua humanidade.Com uma interpretação de alto calibre e uma temática marcante – e bem trabalhada -, “Le Temps qui Reste” sugere, a espaços, ser um filme capaz de se catapultar para um patamar próximo da excelência, mas infelizmente tal não chega a ocorrer.Por um lado, há personagens secundárias cujo relacionamento com o protagonista é demasiado fortuito e inverosímil (o casal que deseja ter um filho), por outro, o filme, apesar de envolvente e por vezes tocante, sabe a pouco, parecendo bastante curto e deixando algumas arestas por limar (a relação de Romain com os pais e a irmã merecia maior aprofundamento, assim como a sua fase de adaptação à doença).Embora se imponha como um dos bons filmes de 2006, “Le Temps qui Reste” acaba por desiludir um pouco porque tem elementos que lhe permitiriam juntar-se ao grupo dos melhores. De qualquer forma, Ozon continua a ser um cineasta a acompanhar, e este até é o seu melhor filme a estrear em salas nacionais, assim como o mais caloroso, só é grande pena que fique a um passo do brilhantismo. E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM
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Ecléctico e geralmente seguro, François Ozon tem vindo a consolidar-se como um dos estimáveis cineastas franceses a emergir em meados dos anos 90, cuja obra tanto incide em domínios do musical (“8 Mulheres”), do suspense (“Swimming Pool”) ou do drama intimista (“5x2”), e onde o rigor e a eficácia costumam estar presentes.“Le Temps qui Reste”, o novo filme do realizador, é o segundo de uma trilogia dedicada à morte, iniciada com “Sob a Areia”, no entanto desta vez o foco não incide sobre uma mulher de meia idade em busca do marido desaparecido, mas antes num jovem que é confrontado com a revelação de que lhe restam poucos meses de vida, devido a um tumor raro.Romain, fotógrafo de 31 anos, vê a sua percepção do mundo alterar-se com a perturbante notícia, reavaliando as relações com os seus familiares, colegas e namorado e mergulhando numa espiral de inquietação, dor, dúvida e medo.Películas baseadas em doenças terminais não são propriamente algo inovador por si só, e muitas vezes geram melodramas de escassa subtileza e gritantes doses de manipulação emocional, recorrendo aos rodriguinhos mais básicos e rasteiros (como o atestam muitos telefilmes). Ozon não envereda por esta via – nem tal se esperaria - e aborda o tema e o protagonista com o respeito e dignidade que merecem, nunca os utilizando como ferramentas para a comoção fácil.Tendo já provado ser um perspicaz observador das relações humanas, o cineasta não defrauda as expectativas e apresenta um filme sólido, depurado e contido, sustentado em atmosferas realistas geradas pela fluída realização, que novamente concilia gravidade e leveza.Se Ozon é decisivo para que “Le Temps qui Reste” seja um filme bem-sucedido, Melvil Poupaud mostra-se igualmente determinante, surpreendendo com uma interpretação magnética e carismática.Compondo uma personagem ambígua e que dificilmente gera empatia imediata com o espectador, o actor principal oferece um desempenho exemplar, com uma entrega comparável à de Romain Duris em “De Tanto Bater o Meu Coração Parou”, de Jacques Audiard, outro filme francês recente com um belo título e um fortíssimo protagonista.Em vez de incentivar a pena e as lágrimas do espectador, Poupaud constrói uma personagem de temperamento difícil, arrogante e individualista, mas que aos poucos vai revelando as suas fragilidades e virtudes, expondo assim o pior e o melhor da sua humanidade.Com uma interpretação de alto calibre e uma temática marcante – e bem trabalhada -, “Le Temps qui Reste” sugere, a espaços, ser um filme capaz de se catapultar para um patamar próximo da excelência, mas infelizmente tal não chega a ocorrer.Por um lado, há personagens secundárias cujo relacionamento com o protagonista é demasiado fortuito e inverosímil (o casal que deseja ter um filho), por outro, o filme, apesar de envolvente e por vezes tocante, sabe a pouco, parecendo bastante curto e deixando algumas arestas por limar (a relação de Romain com os pais e a irmã merecia maior aprofundamento, assim como a sua fase de adaptação à doença).Embora se imponha como um dos bons filmes de 2006, “Le Temps qui Reste” acaba por desiludir um pouco porque tem elementos que lhe permitiriam juntar-se ao grupo dos melhores. De qualquer forma, Ozon continua a ser um cineasta a acompanhar, e este até é o seu melhor filme a estrear em salas nacionais, assim como o mais caloroso, só é grande pena que fique a um passo do brilhantismo. E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM