Em "Jogos de Poder", Mike Nichols narra a singular e excêntrica história de Charlie Wilson, um glamoroso mas problemático congressista norte-americano que orquestrou, na década de oitenta, uma das mais fulcrais e esquivas operações secretas - com sérias influências no panorama sócio-político mundial - do século XX. Financiado por uma veemente anti-comunista milionária e assistido por um verdadeiro todo-o-terreno da CIA, Wilson prova, viagem após viagem, escaramuça sobre escaramuça, que o patriotismo pode ser um simples atalho - ou desculpa - para o combate directo à injustiça - ou indirecto ao inimigo. Tudo com mulheres, whisky, paquistaneses, israelitas e jacuzzis pelo caminho.Alicerçado nesta dualidade cáustica e mordaz, "Charlie Wilson's War" acaba por pecar exactamente por ansiar ser manteiga de amendoim, quando a narrativa implorava por um só género isolado: o biográfico sensato e metódico ou a sátira negra e corrosiva. Ao dividir forças entre registos, perde impacto na sua mensagem, dissipa as suas intenções e desgraça a sua premissa. A simples postura de censura à política dos mais ricos e aos denominados "Jogos de Poder", encoberta numa apreciação inequivocamente desfavorável às atitudes recentes do governo norte-americano não é suficiente para evitar tamanha decepção. Não era pedido a Nichols a genialidade de Kubrick em "Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb", mas no mínimo a sobriedade e eficácia de Barry Levinson e do seu "Wag The Dog".No entanto, não julge o leitor que em "Charlie Wilson's War" nada se aproveita. Da exímia, quase deliciosa personagem de Philip Seymour Hoffman, Gust Avrakotos - que lhe mereceu a justa nomeação para o Óscar de Melhor Actor Secundário - à magníficamente subtil e hilariante cena onde Avrakotos se encontra pela primeira vez com Wilson no seu gabinete, poucas dúvidas restam que estes seriam motivos mais do que suficientes para justificar um visionamento. Mesmo tendo em conta que a cada vez mais insuportável Julia Roberts aniquila constantemente, durante pouco mais de uma hora, os neurónios de qualquer cinéfilo que se preze. Felizmente, Nichols compensa o espectador com uma Amy Adams em pleno florescimento artístico e com uma Emily Blunt em trajes nunca antes vistos. E, desgostosamente, parece surreal que estes sejam os pontos altos de um enredo que tinha tudo para dar um grande filme. Daqueles que sobrevivem a qualquer guerra.
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Em "Jogos de Poder", Mike Nichols narra a singular e excêntrica história de Charlie Wilson, um glamoroso mas problemático congressista norte-americano que orquestrou, na década de oitenta, uma das mais fulcrais e esquivas operações secretas - com sérias influências no panorama sócio-político mundial - do século XX. Financiado por uma veemente anti-comunista milionária e assistido por um verdadeiro todo-o-terreno da CIA, Wilson prova, viagem após viagem, escaramuça sobre escaramuça, que o patriotismo pode ser um simples atalho - ou desculpa - para o combate directo à injustiça - ou indirecto ao inimigo. Tudo com mulheres, whisky, paquistaneses, israelitas e jacuzzis pelo caminho.Alicerçado nesta dualidade cáustica e mordaz, "Charlie Wilson's War" acaba por pecar exactamente por ansiar ser manteiga de amendoim, quando a narrativa implorava por um só género isolado: o biográfico sensato e metódico ou a sátira negra e corrosiva. Ao dividir forças entre registos, perde impacto na sua mensagem, dissipa as suas intenções e desgraça a sua premissa. A simples postura de censura à política dos mais ricos e aos denominados "Jogos de Poder", encoberta numa apreciação inequivocamente desfavorável às atitudes recentes do governo norte-americano não é suficiente para evitar tamanha decepção. Não era pedido a Nichols a genialidade de Kubrick em "Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb", mas no mínimo a sobriedade e eficácia de Barry Levinson e do seu "Wag The Dog".No entanto, não julge o leitor que em "Charlie Wilson's War" nada se aproveita. Da exímia, quase deliciosa personagem de Philip Seymour Hoffman, Gust Avrakotos - que lhe mereceu a justa nomeação para o Óscar de Melhor Actor Secundário - à magníficamente subtil e hilariante cena onde Avrakotos se encontra pela primeira vez com Wilson no seu gabinete, poucas dúvidas restam que estes seriam motivos mais do que suficientes para justificar um visionamento. Mesmo tendo em conta que a cada vez mais insuportável Julia Roberts aniquila constantemente, durante pouco mais de uma hora, os neurónios de qualquer cinéfilo que se preze. Felizmente, Nichols compensa o espectador com uma Amy Adams em pleno florescimento artístico e com uma Emily Blunt em trajes nunca antes vistos. E, desgostosamente, parece surreal que estes sejam os pontos altos de um enredo que tinha tudo para dar um grande filme. Daqueles que sobrevivem a qualquer guerra.