BCE reage à Moody"s e aceita dívida portuguesa apesar do rating de "lixo"

09-07-2011
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Europa acorda para necessidade de controlar as agências de notação. "Resposta imediata" de Trichet é aceitar a dívida nacional, independentemente do rating

Depois de terem sido dadas como um dos culpados da crise financeira internacional, as agências de rating estão agora na mira da Europa e o pretexto é Portugal. Numa reacção inesperada à decisão da agência financeira Moody"s de reduzir o rating nacional a "lixo", o Banco Central Europeu (BCE) deu ontem sinais de que é necessário pensar numa solução para diminuir o peso das agências de notação. Para já, a "resposta imediata" foi garantir que o BCE continuará a aceitar dívida portuguesa, independentemente do seu rating, eliminando assim a ameaça de uma crise de liquidez no sistema bancário nacional.

Ontem, na conferência que se seguiu à habitual reunião mensal de política monetária, o BCE anunciou o que já todos esperavam: uma subida das taxas de juro (ver texto nas próximas páginas). Mas também avançou com uma novidade, ao suspender a aplicação do limite mínimo da notação de crédito atribuída aos activos usados pelos bancos como garantia (colateral), quando pedem financiamento ao BCE.

Ou seja, mesmo que todas as agências de rating que o BCE segue (a Moody"s, a Fitch, a Standard & Poor"s e a DBRS) decidam descer o rating de Portugal para um nível considerado junk (lixo), o BCE continuará a aceitar que os bancos portugueses entreguem essa dívida como colateral nos empréstimos feitos junto da autoridade monetária. O mesmo tinha acontecido já na Grécia.

Pelas regras do BCE, a partir do momento em que o rating é considerado lixo em todas as agências, a dívida deixaria de ser aceite como colateral, o que obrigaria os bancos a substituir todos os activos entregues. Esta "excepção" não significa, contudo, que os bancos escapem a um haircut (desconto) nas garantias que entregam, o que os obrigaria a entregar mais títulos ou activos para o mesmo volume de empréstimo.

O presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, deixou ontem claro que esta decisão de suspender os limites mínimos é, "em certa medida, uma resposta, uma resposta imediata", ao corte do rating pela Moody"s. O líder do BCE elogiou mesmo o Governo português por ter adoptado medidas extraordinárias, como o alargamento das privatizações ou o imposto extraordinário, equivalente a um corte no subsídio de Natal.

Mas será que a esta "resposta imediata" se seguirá outra? O BCE abriu ontem a porta a isso, ao considerar que a actual "pequena estrutura oligopolista" das agências de rating "não é desejável ao sistema financeiro". "Temos de reflectir a nível global", apelou, garantindo mesmo que "é um trabalho que está a ser feito". Contudo, admite que "seria ingénuo pensar que temos uma solução".

O mal-estar da zona euro em relação às agências de notação tem vindo a avolumar-se nos últimos meses, devido aos sucessivos cortes de rating aos países periféricos, que contribuem para agravar os seus custos de financiamento e, consequentemente, a sua situação económica e financeira. Mas a redução do rating de Portugal a lixo, na terça-feira, parece ter sido a gota de água.

As justificações dadas pela Moody"s - o risco de Portugal recorrer a um segundo resgate, tal como a Grécia, e de este envolver uma participação dos investidores privados (uma espécie de reestruturação da dívida) - não convenceram as autoridades europeias. O presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, acusou as agências de "acrescentarem especulação", em vez de clarificarem as situações. E a chanceler Angela Merkel apelou a que "os países da zona euro e as instituições internacionais não percam a sua capacidade de avaliar".

O consenso sobre a necessidade de controlar as agências de rating parece existir, mas será suficiente para ir mais além? Propostas não faltam e uma delas vem do próprio Parlamento Europeu (PE).

Na quarta-feira à noite, o PE aprovou um relatório com várias recomendações para ajudar a União Europeia (UE) a sair da actual crise e evitar novas tempestades. Uma delas passa por reduzir a dependência das agências de rating, que não só "desempenharam um papel significativo no avolumar da crise financeira", como estão agora, com os cortes de notação na Grécia, Irlanda e Portugal, a provocar "um efeito de arrastamento em todos os países da zona euro".

O contraponto desta ideia é a criação de obrigações europeias. O PE pediu à Comissão Europeia para estudar um futuro sistema deste tipo e as condições que o tornariam benéfico a todos os Estados-membros. A emissão destas eurobonds e a possibilidade de a própria UE investir na dívida pública de vários países deixariam de fora do radar do mercado - e, portanto, das avaliações das agências de rating - uma parte significativa da dívida pública da zona euro.

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Outra proposta para reduzir a importância das agências, e que tem gerado vários elogios e críticas, é a criação de uma agência de rating europeia. Uma instituição deste tipo permitiria contrabalançar o domínio das agências norte-americanas, que muitos acusam de estarem a conduzir uma guerra do dólar contra o euro.

Durão Barroso já disse que "há alguns possíveis desenvolvimentos" em relação a esta proposta, mas há também vários entraves que têm sido colocados, sobretudo devido ao facto de esta agência ter de ser criada (e detida) por um Estado ou conjunto de Estados. O presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), Carlos Tavares, alertou ontem para este risco, dizendo que uma agência de rating europeia criaria um "conflito de interesses, pois seriam os Estados a dominar".

Para Carlos Tavares, o BCE deveria ter a sua própria avaliação de risco e usar os pareceres das agências de rating como opiniões suplementares. Além disso, o presidente da CMVM defende que a Europa tem de mudar "as regras de funcionamento" para limitar o peso destas instituições, tal como os EUA fizeram. Os últimos avanços nesse sentido - a obrigatoriedade de registo das agências junto dos supervisores nacionais e sua fiscalização - não têm sido, contudo, suficientes para evitar que vários países sejam atirados ao "lixo". com Cristina Ferreira e Paulo Miguel Madeira

Europa acorda para necessidade de controlar as agências de notação. "Resposta imediata" de Trichet é aceitar a dívida nacional, independentemente do rating

Depois de terem sido dadas como um dos culpados da crise financeira internacional, as agências de rating estão agora na mira da Europa e o pretexto é Portugal. Numa reacção inesperada à decisão da agência financeira Moody"s de reduzir o rating nacional a "lixo", o Banco Central Europeu (BCE) deu ontem sinais de que é necessário pensar numa solução para diminuir o peso das agências de notação. Para já, a "resposta imediata" foi garantir que o BCE continuará a aceitar dívida portuguesa, independentemente do seu rating, eliminando assim a ameaça de uma crise de liquidez no sistema bancário nacional.

Ontem, na conferência que se seguiu à habitual reunião mensal de política monetária, o BCE anunciou o que já todos esperavam: uma subida das taxas de juro (ver texto nas próximas páginas). Mas também avançou com uma novidade, ao suspender a aplicação do limite mínimo da notação de crédito atribuída aos activos usados pelos bancos como garantia (colateral), quando pedem financiamento ao BCE.

Ou seja, mesmo que todas as agências de rating que o BCE segue (a Moody"s, a Fitch, a Standard & Poor"s e a DBRS) decidam descer o rating de Portugal para um nível considerado junk (lixo), o BCE continuará a aceitar que os bancos portugueses entreguem essa dívida como colateral nos empréstimos feitos junto da autoridade monetária. O mesmo tinha acontecido já na Grécia.

Pelas regras do BCE, a partir do momento em que o rating é considerado lixo em todas as agências, a dívida deixaria de ser aceite como colateral, o que obrigaria os bancos a substituir todos os activos entregues. Esta "excepção" não significa, contudo, que os bancos escapem a um haircut (desconto) nas garantias que entregam, o que os obrigaria a entregar mais títulos ou activos para o mesmo volume de empréstimo.

O presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, deixou ontem claro que esta decisão de suspender os limites mínimos é, "em certa medida, uma resposta, uma resposta imediata", ao corte do rating pela Moody"s. O líder do BCE elogiou mesmo o Governo português por ter adoptado medidas extraordinárias, como o alargamento das privatizações ou o imposto extraordinário, equivalente a um corte no subsídio de Natal.

Mas será que a esta "resposta imediata" se seguirá outra? O BCE abriu ontem a porta a isso, ao considerar que a actual "pequena estrutura oligopolista" das agências de rating "não é desejável ao sistema financeiro". "Temos de reflectir a nível global", apelou, garantindo mesmo que "é um trabalho que está a ser feito". Contudo, admite que "seria ingénuo pensar que temos uma solução".

O mal-estar da zona euro em relação às agências de notação tem vindo a avolumar-se nos últimos meses, devido aos sucessivos cortes de rating aos países periféricos, que contribuem para agravar os seus custos de financiamento e, consequentemente, a sua situação económica e financeira. Mas a redução do rating de Portugal a lixo, na terça-feira, parece ter sido a gota de água.

As justificações dadas pela Moody"s - o risco de Portugal recorrer a um segundo resgate, tal como a Grécia, e de este envolver uma participação dos investidores privados (uma espécie de reestruturação da dívida) - não convenceram as autoridades europeias. O presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, acusou as agências de "acrescentarem especulação", em vez de clarificarem as situações. E a chanceler Angela Merkel apelou a que "os países da zona euro e as instituições internacionais não percam a sua capacidade de avaliar".

O consenso sobre a necessidade de controlar as agências de rating parece existir, mas será suficiente para ir mais além? Propostas não faltam e uma delas vem do próprio Parlamento Europeu (PE).

Na quarta-feira à noite, o PE aprovou um relatório com várias recomendações para ajudar a União Europeia (UE) a sair da actual crise e evitar novas tempestades. Uma delas passa por reduzir a dependência das agências de rating, que não só "desempenharam um papel significativo no avolumar da crise financeira", como estão agora, com os cortes de notação na Grécia, Irlanda e Portugal, a provocar "um efeito de arrastamento em todos os países da zona euro".

O contraponto desta ideia é a criação de obrigações europeias. O PE pediu à Comissão Europeia para estudar um futuro sistema deste tipo e as condições que o tornariam benéfico a todos os Estados-membros. A emissão destas eurobonds e a possibilidade de a própria UE investir na dívida pública de vários países deixariam de fora do radar do mercado - e, portanto, das avaliações das agências de rating - uma parte significativa da dívida pública da zona euro.

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Outra proposta para reduzir a importância das agências, e que tem gerado vários elogios e críticas, é a criação de uma agência de rating europeia. Uma instituição deste tipo permitiria contrabalançar o domínio das agências norte-americanas, que muitos acusam de estarem a conduzir uma guerra do dólar contra o euro.

Durão Barroso já disse que "há alguns possíveis desenvolvimentos" em relação a esta proposta, mas há também vários entraves que têm sido colocados, sobretudo devido ao facto de esta agência ter de ser criada (e detida) por um Estado ou conjunto de Estados. O presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), Carlos Tavares, alertou ontem para este risco, dizendo que uma agência de rating europeia criaria um "conflito de interesses, pois seriam os Estados a dominar".

Para Carlos Tavares, o BCE deveria ter a sua própria avaliação de risco e usar os pareceres das agências de rating como opiniões suplementares. Além disso, o presidente da CMVM defende que a Europa tem de mudar "as regras de funcionamento" para limitar o peso destas instituições, tal como os EUA fizeram. Os últimos avanços nesse sentido - a obrigatoriedade de registo das agências junto dos supervisores nacionais e sua fiscalização - não têm sido, contudo, suficientes para evitar que vários países sejam atirados ao "lixo". com Cristina Ferreira e Paulo Miguel Madeira

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