Os ingredientes estão lá todos: o estímulo à aversão a pagar impostos, um “parecer jurídico” [sic] a demonstrar uma alegada inconstitucionalidade por se pretender tributar a não utilização de imóveis, uma prosa confusa em que, da primeira à última linha, se diz o mesmo, sem dizer grande coisa… Tudo isto porque um secretário de Estado teve a ousadia de querer travar a contínua degradação dos imóveis situados em áreas urbanas e animar o mercado de arrendamento.Eis o post do juiz de direito de círculo Joel Timóteo Ramos Pereira (incluindo a deliciosa imagem que é todo um compêndio sobre cidadania):“Imposto pelo não usoSegundo Martins Alfaro (in Impostos.net), o direito de propriedade do proprietário de um imóvel dá-lhe o direito a gozar o bem, mas concede-lhe igualmente o direito a não o gozar. A Constituição não impõe aos cidadãos o dever de usar os imóveis e muito menos de os arrendar, caso não os habitem".Este parecer jurídico surge a propósito da polémica suscitada pelo facto de os fogos devolutos passarem a ser duplamente tributados em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI). A pretensão do Governo "vem sancionar o não-arrendamento de imóveis e, por esta via, cria um 'dever de arrendar', ou mesmo um arrendamento compulsivo, que diminui gravemente o direito de cada cidadão dispor livremente do bem". Segundo Martins Alfaro, esta forma de arrendamento compulsivo é uma norma punitiva de comportamentos concretos e, por essa razão, "não conforme à Constituição". Com efeito, diz, "os cidadãos não podem ser castigados apenas por exercerem o seu direito de propriedade dentro dos limites normais desse direito". Martins Alfaro alerta para o facto de o IMI ser um imposto sobre o património e não um imposto sobre o modo como se utiliza o património.”Caro Joel Timóteo Ramos Pereira: em lugar de se socorrer de Martins Alfaro, um fiscalista momentaneamente alçado a constitucionalista, dê uma vista de olhos pelo Código do Imposto Municipal sobre Imóveis. Para não perder tempo, vá directamente ao n.º 8 do artigo 112.º, sob a epígrafe “Taxas”, que estabelece:“8 – Os municípios, mediante deliberação da assembleia municipal, podem majorar até 30% a taxa aplicável aos prédios urbanos ou às suas fracções autónomas que se encontrem devolutos.”(A presente redacção foi dada pela Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro, e entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2005)Como vê, a possibilidade de agravar a tributação dos prédios devolutos está prevista na lei. É caso para perguntar se se pode confiar nesta forma de fazer política sob o pretexto de pretender esclarecer questões jurídicas?
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Os ingredientes estão lá todos: o estímulo à aversão a pagar impostos, um “parecer jurídico” [sic] a demonstrar uma alegada inconstitucionalidade por se pretender tributar a não utilização de imóveis, uma prosa confusa em que, da primeira à última linha, se diz o mesmo, sem dizer grande coisa… Tudo isto porque um secretário de Estado teve a ousadia de querer travar a contínua degradação dos imóveis situados em áreas urbanas e animar o mercado de arrendamento.Eis o post do juiz de direito de círculo Joel Timóteo Ramos Pereira (incluindo a deliciosa imagem que é todo um compêndio sobre cidadania):“Imposto pelo não usoSegundo Martins Alfaro (in Impostos.net), o direito de propriedade do proprietário de um imóvel dá-lhe o direito a gozar o bem, mas concede-lhe igualmente o direito a não o gozar. A Constituição não impõe aos cidadãos o dever de usar os imóveis e muito menos de os arrendar, caso não os habitem".Este parecer jurídico surge a propósito da polémica suscitada pelo facto de os fogos devolutos passarem a ser duplamente tributados em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI). A pretensão do Governo "vem sancionar o não-arrendamento de imóveis e, por esta via, cria um 'dever de arrendar', ou mesmo um arrendamento compulsivo, que diminui gravemente o direito de cada cidadão dispor livremente do bem". Segundo Martins Alfaro, esta forma de arrendamento compulsivo é uma norma punitiva de comportamentos concretos e, por essa razão, "não conforme à Constituição". Com efeito, diz, "os cidadãos não podem ser castigados apenas por exercerem o seu direito de propriedade dentro dos limites normais desse direito". Martins Alfaro alerta para o facto de o IMI ser um imposto sobre o património e não um imposto sobre o modo como se utiliza o património.”Caro Joel Timóteo Ramos Pereira: em lugar de se socorrer de Martins Alfaro, um fiscalista momentaneamente alçado a constitucionalista, dê uma vista de olhos pelo Código do Imposto Municipal sobre Imóveis. Para não perder tempo, vá directamente ao n.º 8 do artigo 112.º, sob a epígrafe “Taxas”, que estabelece:“8 – Os municípios, mediante deliberação da assembleia municipal, podem majorar até 30% a taxa aplicável aos prédios urbanos ou às suas fracções autónomas que se encontrem devolutos.”(A presente redacção foi dada pela Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro, e entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2005)Como vê, a possibilidade de agravar a tributação dos prédios devolutos está prevista na lei. É caso para perguntar se se pode confiar nesta forma de fazer política sob o pretexto de pretender esclarecer questões jurídicas?