Entretanto, é já no domingo o voto francês sobre a famigerada constituição europeia, esse fantástico disparate esparramado em quase 500 páginas de prosa fulgurante.Não sei se alguém seguiu a campanha, mas a miséria do debate merece ser notada. Os argumentos estão assim ao nível do PREC, com a diferença de que o PREC foi nos anos 70 e agora estamos no século XXI. Os defensores do Sim (Chirac e a direita institucional incluídos, mais os socialistas) asseguram que a dita constituição é a melhor defesa contra o liberalismo anglo-saxónico, os EUA, o capitalismo selvagem e a globalização. Os defensores do Não (a extrema-esquerda e a extrema-direita, mais um bocado do PS) asseguram que a recusa da dita constituição é a melhor defesa contra o liberalismo anglo-saxónico, os EUA, o capitalismo selvagem e a globalização. É notável o pluralismo de opinião no espectro político francês. E é ainda mais notável a plena apreensão do que está em causa a propósito da constituição (ou tratado constitucional, ou lá o que é que é aquilo). Compreende-se: é um povo sofisticado, que digo eu?, é a sofisticação tornada povo, e um povo tão sofisticado tem de partilhar a opinião sofisticada que por aí circula por todo o lado: isto é tudo culpa dos EUA e do liberalismo anglo-saxónico.O que espanta é como aquelas criaturas vão decidir sobre o assunto sem perceberem um boi do que está em causa. Deve ser a mesma sofisticação cultural que faz de Brice de Nice o maior êxito cinematográfico em França este ano, uma comédia tão tonta que transforma até Academia de Polícia II numa imortal obra-prima.[Luciano Amaral]
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Entretanto, é já no domingo o voto francês sobre a famigerada constituição europeia, esse fantástico disparate esparramado em quase 500 páginas de prosa fulgurante.Não sei se alguém seguiu a campanha, mas a miséria do debate merece ser notada. Os argumentos estão assim ao nível do PREC, com a diferença de que o PREC foi nos anos 70 e agora estamos no século XXI. Os defensores do Sim (Chirac e a direita institucional incluídos, mais os socialistas) asseguram que a dita constituição é a melhor defesa contra o liberalismo anglo-saxónico, os EUA, o capitalismo selvagem e a globalização. Os defensores do Não (a extrema-esquerda e a extrema-direita, mais um bocado do PS) asseguram que a recusa da dita constituição é a melhor defesa contra o liberalismo anglo-saxónico, os EUA, o capitalismo selvagem e a globalização. É notável o pluralismo de opinião no espectro político francês. E é ainda mais notável a plena apreensão do que está em causa a propósito da constituição (ou tratado constitucional, ou lá o que é que é aquilo). Compreende-se: é um povo sofisticado, que digo eu?, é a sofisticação tornada povo, e um povo tão sofisticado tem de partilhar a opinião sofisticada que por aí circula por todo o lado: isto é tudo culpa dos EUA e do liberalismo anglo-saxónico.O que espanta é como aquelas criaturas vão decidir sobre o assunto sem perceberem um boi do que está em causa. Deve ser a mesma sofisticação cultural que faz de Brice de Nice o maior êxito cinematográfico em França este ano, uma comédia tão tonta que transforma até Academia de Polícia II numa imortal obra-prima.[Luciano Amaral]