Tu ainda não sabes as cores. Não sabes essacoisa tão linda que é a profunda descobertado arco a que chamam íris. As nossasviagens solitárias nos combóios do país, levavamnos teus olhos a dolorosa interrogação dascores que as coisas têm, o loiro dos teus cabelosno loiro das searas àquele tempo, a fértil esadia comunidade das paisagens. As ruassão as ruas para ti, porque tu não conhecesainda esse mistério enorme que é a cor doasfalto, a cor da casa, do grito, do gesto azuldo homem isolado no meio da cidade,à procura no cinzento do céu daquela chuva,as heróicas razões da existência. Porque tuainda não sabes as cores, ainda não sabes origoroso vermelho com que pretendemos construireste país, o vermelho das nossas bandeirasnas concentrações operárias, a vermelha bóina queo irmão ostenta à frente das crianças daescola camarária. Porque as flores que me oferecesnos fins de semana têm o perfume que sentes,a linguagem que os livros lhe atribuem e as coresque tu ainda não sabes. Porque este país que construímospara ti, não se resolve com a cor do amor que tededico, nem com o verde daqueles que fogem aotempo da fábrica, da campina e da difícil linguagemda fome do povo. Chove a branca chuva do invernoque passamos e os meninos vão à rua brincar nosgrandes rios das goteiras da cidade. Homens emulheres dão quotidianamente ao negro que suportama cara lavada e firme, a coragem e o peito abertoda resistência. Somos nós a construir as cores dopaís que vamos oferecer-te. Porque vermelho é o que sei,é vermelho que te dou. Mas porque não sabes ainda as cores,as cores te ofereço todas, mas só vermelho encontropara o encontro das tuas mãos com as mãosque sou hoje, em lágrimas, voz grande deste paique sou para ti, voz alta nas varandas, nasbancadas, nos largos onde o povo ergue os punhos,mas terno e vermelho também quando hoje te ofereceum beijo na praça branca desta página.Poema de Sérgio Bento, meu colega de trabalho e camarada, infelizmente já falecido. Escrito em 14/12/76, o poema foi dedicado à Inês - filha do Sérgio - no dia em que fez cinco anos.
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Tu ainda não sabes as cores. Não sabes essacoisa tão linda que é a profunda descobertado arco a que chamam íris. As nossasviagens solitárias nos combóios do país, levavamnos teus olhos a dolorosa interrogação dascores que as coisas têm, o loiro dos teus cabelosno loiro das searas àquele tempo, a fértil esadia comunidade das paisagens. As ruassão as ruas para ti, porque tu não conhecesainda esse mistério enorme que é a cor doasfalto, a cor da casa, do grito, do gesto azuldo homem isolado no meio da cidade,à procura no cinzento do céu daquela chuva,as heróicas razões da existência. Porque tuainda não sabes as cores, ainda não sabes origoroso vermelho com que pretendemos construireste país, o vermelho das nossas bandeirasnas concentrações operárias, a vermelha bóina queo irmão ostenta à frente das crianças daescola camarária. Porque as flores que me oferecesnos fins de semana têm o perfume que sentes,a linguagem que os livros lhe atribuem e as coresque tu ainda não sabes. Porque este país que construímospara ti, não se resolve com a cor do amor que tededico, nem com o verde daqueles que fogem aotempo da fábrica, da campina e da difícil linguagemda fome do povo. Chove a branca chuva do invernoque passamos e os meninos vão à rua brincar nosgrandes rios das goteiras da cidade. Homens emulheres dão quotidianamente ao negro que suportama cara lavada e firme, a coragem e o peito abertoda resistência. Somos nós a construir as cores dopaís que vamos oferecer-te. Porque vermelho é o que sei,é vermelho que te dou. Mas porque não sabes ainda as cores,as cores te ofereço todas, mas só vermelho encontropara o encontro das tuas mãos com as mãosque sou hoje, em lágrimas, voz grande deste paique sou para ti, voz alta nas varandas, nasbancadas, nos largos onde o povo ergue os punhos,mas terno e vermelho também quando hoje te ofereceum beijo na praça branca desta página.Poema de Sérgio Bento, meu colega de trabalho e camarada, infelizmente já falecido. Escrito em 14/12/76, o poema foi dedicado à Inês - filha do Sérgio - no dia em que fez cinco anos.