O Renato nos dois posts anteriores, e no debate com o Zé Neves, desviou o debate sobre se o regime Chavista, na Venezuela, é uma democracia ou não, para outro, eventualmente mais interessante, sobre qual o rumo que a esquerda deve tomar. Aproveitando a ressaca de duas semanas de greve aqui em França, vou aproveitar a "deriva" do debate para dar outro exemplo de via que a esquerda NÃO deve seguir, o da esquerda francesa. Não se trata de idealizar a democracia (desculpa Renato), mas de fazer uma crítica muito concreta à prática de uma certa esquerda.Começando pelo fim, depois de quase duas semanas de greves nos transportes, Sarkozy vem afirmar que não recua, e que as suas reformas são para levar até ao fim. É nesse momento que os sindicatos terminam com as greves e se sentam à mesa das negociações. Aqui há algo errado (digo eu...), normalmente quando o governo se mostra intransigente é altura de começar as greves, não de acabar. Ora acontece que nessa altura os sindicatos já tinham desbaratado qualquer capital de contestação que poderiam ter. A adesão à greve baixava de dia para dia e as reivindicações dos grevistas eram impopulares para a maioria da opinião pública. Naturalmente que neste braço de ferro, como se temia, é o governo quem leva a melhor. Isto insere-se num clima em que uma parte da esquerda parece querer ganhar na rua o que perdeu nas urnas. A contestação estudantil de que fala o André é um bom exemplo disso mesmo.A contestação actual, tal como está a ser feita, é antes de mais um erro de estratégia. Tão pouco tempo depois de a direita ter ganho claramente as eleições presidenciais e legislativas, e quando uma parte destas reformas foram promessas eleitorais, Sarkozy e o seu governo têm uma forte legitimidade. E, mais importante ainda, qualquer contestação tem que ser em defesa de uma causa justa, e vista como justa pela opinião pública. A manutenção de regimes especiais de reformas para os maquinistas, que são objectivamente um privilégio de uma classe em particular, não são, obviamente, bem vistos (nem me parecem sutentável hoje em dia reformas aos 50/55 anos). Fazer a oposição da Sarkozy na rua, neste momento, e desta maneira, só descredibiliza a esquerda. Para além da questão de estratégia, também por uma questão de princípio tenho reservas. As formas extremas de protesto que não tenham um apoio da opinião pública, e que não tenham uma causa justa (e acredito que numa democracia as duas coisas tendem a andar juntas), pecam por falta de legitimidade. Estes protestos - Greves nos transportes, a que se juntam a função pública, com os estudantes a tentar ir à boleia - aparecem como uma amálgama de sentimentos difusos anti-Sarkozy que procuram apenas um qualquer pretexto para atacar o geverno, seja o pretexto qual for. Claro que o governo Fillon/Sarkozy agradece, e vai já tentar levar a reboque a reforma do contrato de trabalho, essa sim bem mais preocupante para a generalidade dos trabalhadores. Mas quando chegar a altura de protestar contra o que realmente interessa os cartuxos vão estar já todos queimados.E nisto onde andam os partidos? Do PSF não se houve falar. Os pequenos partidos à esquerda do PS estão na rua, a tentar agitar as massas. Cada um por si a tentar ser o polo aglutinador da contestação, o que quer dizer na prática cada um a puxar para seu lado. Numa altura em que a direita vai estar no poder por cinco anos, com a presidência e a maioria absoluta, é uma boa altura para a esquerda francesa respirar e pensar. É uma boa altura para se lançar num debate ideológico entre esquerdas, para procurar convergências e estratégias de oposição comuns. Frentista se necessário. Nunca como agora foi uma boa altura para fazer uma união da esquerda, com causas e lutas comuns. O que é exactamente aquilo que a esquerda francesa não está a fazer.
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O Renato nos dois posts anteriores, e no debate com o Zé Neves, desviou o debate sobre se o regime Chavista, na Venezuela, é uma democracia ou não, para outro, eventualmente mais interessante, sobre qual o rumo que a esquerda deve tomar. Aproveitando a ressaca de duas semanas de greve aqui em França, vou aproveitar a "deriva" do debate para dar outro exemplo de via que a esquerda NÃO deve seguir, o da esquerda francesa. Não se trata de idealizar a democracia (desculpa Renato), mas de fazer uma crítica muito concreta à prática de uma certa esquerda.Começando pelo fim, depois de quase duas semanas de greves nos transportes, Sarkozy vem afirmar que não recua, e que as suas reformas são para levar até ao fim. É nesse momento que os sindicatos terminam com as greves e se sentam à mesa das negociações. Aqui há algo errado (digo eu...), normalmente quando o governo se mostra intransigente é altura de começar as greves, não de acabar. Ora acontece que nessa altura os sindicatos já tinham desbaratado qualquer capital de contestação que poderiam ter. A adesão à greve baixava de dia para dia e as reivindicações dos grevistas eram impopulares para a maioria da opinião pública. Naturalmente que neste braço de ferro, como se temia, é o governo quem leva a melhor. Isto insere-se num clima em que uma parte da esquerda parece querer ganhar na rua o que perdeu nas urnas. A contestação estudantil de que fala o André é um bom exemplo disso mesmo.A contestação actual, tal como está a ser feita, é antes de mais um erro de estratégia. Tão pouco tempo depois de a direita ter ganho claramente as eleições presidenciais e legislativas, e quando uma parte destas reformas foram promessas eleitorais, Sarkozy e o seu governo têm uma forte legitimidade. E, mais importante ainda, qualquer contestação tem que ser em defesa de uma causa justa, e vista como justa pela opinião pública. A manutenção de regimes especiais de reformas para os maquinistas, que são objectivamente um privilégio de uma classe em particular, não são, obviamente, bem vistos (nem me parecem sutentável hoje em dia reformas aos 50/55 anos). Fazer a oposição da Sarkozy na rua, neste momento, e desta maneira, só descredibiliza a esquerda. Para além da questão de estratégia, também por uma questão de princípio tenho reservas. As formas extremas de protesto que não tenham um apoio da opinião pública, e que não tenham uma causa justa (e acredito que numa democracia as duas coisas tendem a andar juntas), pecam por falta de legitimidade. Estes protestos - Greves nos transportes, a que se juntam a função pública, com os estudantes a tentar ir à boleia - aparecem como uma amálgama de sentimentos difusos anti-Sarkozy que procuram apenas um qualquer pretexto para atacar o geverno, seja o pretexto qual for. Claro que o governo Fillon/Sarkozy agradece, e vai já tentar levar a reboque a reforma do contrato de trabalho, essa sim bem mais preocupante para a generalidade dos trabalhadores. Mas quando chegar a altura de protestar contra o que realmente interessa os cartuxos vão estar já todos queimados.E nisto onde andam os partidos? Do PSF não se houve falar. Os pequenos partidos à esquerda do PS estão na rua, a tentar agitar as massas. Cada um por si a tentar ser o polo aglutinador da contestação, o que quer dizer na prática cada um a puxar para seu lado. Numa altura em que a direita vai estar no poder por cinco anos, com a presidência e a maioria absoluta, é uma boa altura para a esquerda francesa respirar e pensar. É uma boa altura para se lançar num debate ideológico entre esquerdas, para procurar convergências e estratégias de oposição comuns. Frentista se necessário. Nunca como agora foi uma boa altura para fazer uma união da esquerda, com causas e lutas comuns. O que é exactamente aquilo que a esquerda francesa não está a fazer.