Funes, el memorioso: Uma imensa velhice

04-07-2011
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Recordo que na minha infância em Barrô os pobres, cheios de inveja dos ricos, costumavam proclamar, urbi et orbi, não sentir qualquer inveja dos ricos. «A sua riqueza eram os filhos» - juravam, repetindo a lição conformista que, a bem da nação, lhes ensinara, prudente, o Doutor Salazar.Tinham razão. Num mundo sem pensões de reforma nem sistemas de segurança social, uma relativa segurança na velhice dependia exclusivamente das parcas poupanças que se pudessem acumular ao longo de uma vida de trabalho que nunca chegava a ser próspera e, sobretudo, do apoio prestados pelos filhos. Os filhos constituíam, a prazo, o único seguro contra a miséria. Por isso, faziam filhos e tinham filhosEm duas gerações, tudo mudou, tudo se inverteu.Cavaco Silva criou a ilusão do português novo, europeu, rico, despreocupado do futuro, porque o futuro seria eternamente feliz, subsidiado e a fundo perdido.O português novo gostou da ilusão e despreocupou-se do futuro. Tornou-se hedonista e esqueceu os filhos. Renunciou à procriação.A crédito, comprou férias, comprou carro, comprou casa e, com o crédito da casa, generosamente avaliada para o efeito, comprou outro carro, o computador, o plasma, sistema sensurround e a passadeira de ginásio, para os exercícios ao fim do dia que nunca fez.Quando a crise chegou, voltou-se para os pais. Com um emprego de mil euros e despesas de dois mil, ficou em casa deles até aos 40 anos. E a casa deles voltou, com a mulher, aos 50, quando a empresa onde os dois trabalhavam faliu.Há uma imensa velhice nos portugueses. Há uma imensa velhice na juventude portuguesa.Educado no facilistismo, na ignorância, na falta de exigência (que a exigência podia traumatizá-lo e toda a aprendizagem tinha que ser puro divertimento), o jovem adulto português (à semelhança, de resto, do seu congénere europeu) descobriu, entre os vinte e os trinta anos - com espanto e amargura - que a sua vida não iria ser o festival eterno de lazer e abundância que foram a sua infância e adolescência e que lhe prometeram seriam os anos todos da sua maturidade.Afinal, a felicidade custava dinheiro e dinheiro, esgotado o sonho cavaquista do homem novo, europeu e rico, era o que ninguém tinha.A realidade caiu-nos em cima.Mas a realidade, quando é dura, não é fácil de aceitar.Não foram os nossos avós mais ricos que os nossos bisavós? Não foram os nossos pais mais ricos que os nossos avós? Por que haveria agora a História de mudar o seu curso normal?Como sempre, na adversidade, a razão cedeu o lugar à fé e à superstição.Não, a pobreza não veio para ficar. A crise é conjuntural e o que é preciso é «acreditar». É esse «o segredo». Com fé, o mundo volta a entrar nos eixos e as ilusões serão cumpridas. «A força de acreditar" - promete por aí a publicidade de um banco à procura de tolos.Por isso, hoje, com fé, sem fundamento, sem razão, sem tino, sem talento, sem arte, sem vergonha, mas acreditando, acredidando simplesmente, e «com muita fé», vemos milhares e milhares de jovens em filas infindáveis à porta de estúdios de televisão, a oferecerem o corpo, a alma e a dignidade ao rídiculo, em busca de uma carreira de facilidades e ilusões que os exima do pesadelo e lhes devolva os sonhos.Azedos e desesperados, os pais acompanham e apoiam os filhos nesses desvarios. Tentam no desvario redimir a culpa.«Se não puder ser cantora, com aquele corpinho, há-de safar-se como puta» - acredita, sem o confessar, o subconsciente esperançoso da mãe aflita com o futuro triste que espera a filha. «O que é preciso é ter fé e acreditar».Vai ainda levar algum tempo até que esta geração redescubra que a sua única riqueza são os filhos. E volte a procriar.


Recordo que na minha infância em Barrô os pobres, cheios de inveja dos ricos, costumavam proclamar, urbi et orbi, não sentir qualquer inveja dos ricos. «A sua riqueza eram os filhos» - juravam, repetindo a lição conformista que, a bem da nação, lhes ensinara, prudente, o Doutor Salazar.Tinham razão. Num mundo sem pensões de reforma nem sistemas de segurança social, uma relativa segurança na velhice dependia exclusivamente das parcas poupanças que se pudessem acumular ao longo de uma vida de trabalho que nunca chegava a ser próspera e, sobretudo, do apoio prestados pelos filhos. Os filhos constituíam, a prazo, o único seguro contra a miséria. Por isso, faziam filhos e tinham filhosEm duas gerações, tudo mudou, tudo se inverteu.Cavaco Silva criou a ilusão do português novo, europeu, rico, despreocupado do futuro, porque o futuro seria eternamente feliz, subsidiado e a fundo perdido.O português novo gostou da ilusão e despreocupou-se do futuro. Tornou-se hedonista e esqueceu os filhos. Renunciou à procriação.A crédito, comprou férias, comprou carro, comprou casa e, com o crédito da casa, generosamente avaliada para o efeito, comprou outro carro, o computador, o plasma, sistema sensurround e a passadeira de ginásio, para os exercícios ao fim do dia que nunca fez.Quando a crise chegou, voltou-se para os pais. Com um emprego de mil euros e despesas de dois mil, ficou em casa deles até aos 40 anos. E a casa deles voltou, com a mulher, aos 50, quando a empresa onde os dois trabalhavam faliu.Há uma imensa velhice nos portugueses. Há uma imensa velhice na juventude portuguesa.Educado no facilistismo, na ignorância, na falta de exigência (que a exigência podia traumatizá-lo e toda a aprendizagem tinha que ser puro divertimento), o jovem adulto português (à semelhança, de resto, do seu congénere europeu) descobriu, entre os vinte e os trinta anos - com espanto e amargura - que a sua vida não iria ser o festival eterno de lazer e abundância que foram a sua infância e adolescência e que lhe prometeram seriam os anos todos da sua maturidade.Afinal, a felicidade custava dinheiro e dinheiro, esgotado o sonho cavaquista do homem novo, europeu e rico, era o que ninguém tinha.A realidade caiu-nos em cima.Mas a realidade, quando é dura, não é fácil de aceitar.Não foram os nossos avós mais ricos que os nossos bisavós? Não foram os nossos pais mais ricos que os nossos avós? Por que haveria agora a História de mudar o seu curso normal?Como sempre, na adversidade, a razão cedeu o lugar à fé e à superstição.Não, a pobreza não veio para ficar. A crise é conjuntural e o que é preciso é «acreditar». É esse «o segredo». Com fé, o mundo volta a entrar nos eixos e as ilusões serão cumpridas. «A força de acreditar" - promete por aí a publicidade de um banco à procura de tolos.Por isso, hoje, com fé, sem fundamento, sem razão, sem tino, sem talento, sem arte, sem vergonha, mas acreditando, acredidando simplesmente, e «com muita fé», vemos milhares e milhares de jovens em filas infindáveis à porta de estúdios de televisão, a oferecerem o corpo, a alma e a dignidade ao rídiculo, em busca de uma carreira de facilidades e ilusões que os exima do pesadelo e lhes devolva os sonhos.Azedos e desesperados, os pais acompanham e apoiam os filhos nesses desvarios. Tentam no desvario redimir a culpa.«Se não puder ser cantora, com aquele corpinho, há-de safar-se como puta» - acredita, sem o confessar, o subconsciente esperançoso da mãe aflita com o futuro triste que espera a filha. «O que é preciso é ter fé e acreditar».Vai ainda levar algum tempo até que esta geração redescubra que a sua única riqueza são os filhos. E volte a procriar.

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