Funes, el memorioso: O Velho do Restelo

02-07-2011
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Não tenho qualquer posição de princípio a favor ou contra um aeroporto na OTA. É uma questão técnica que me ultrapassa completamente e que não me sinto competente para discutir. O facto de, às críticas formuladas por técnicos e gente que aparenta conhecimentos, o governo responder com demenciais dislates indicia que a OTA não é uma boa solução. Mas é só um indício e não me atrevo a julgar definitivamente a opção.A minha preocupação como cidadão e como contribuinte é de outra natureza: será mesmo necessário um novo aeroporto? Não é possível resolver o problema melhorando a Portela e a pista de Alverca?Ouço falar em dezenas de milhões de passageiros que em 2030 circularão por Lisboa e que tornarão inviável o uso da Portela.Eu aceito todos os argumentos para se construir um aeroporto novo, menos este. Até a ideia de que ele corresponde exclusivamente ao desejo de um ministro deixar o seu nome imortalizado numa placa das futuras instalações é uma justificação melhor do que a do previsível número de passageiros em 2020 ou 2030.De todas as actividades humanas – repito-o com demasiada frequência – a que mais fracassada sempre se revelou foi a da profecia.É possível tentar prever o que se irá passar no mundo (ou na vida de cada um) daqui a um ano ou dois. Falha-se muito, falha-se redondamente, mas, de algum modo, esse exercício é essencial para que a própria sobrevivência possa ser planeada.Agora, tentar prever o que se vai passar daqui a vinte ou trinta anos é o mais rematado e colossal disparate em que alguém pode incorrer.Ninguém pode prever o que se vai passar daqui a dez anos, quanto mais daqui a vinte ou trinta. Basta, no nosso país, ver o número de licenciados desempregados que, há cinco ou seis anos, se abalançaram a prever o seu sucesso profissional com um curso superior, para perceber a natureza ilusória e gratuita do exercício da profecia de longa distância.Uma guerra que deixe a Europa mais pobre, mais decadente e, por consequência, menos negociante e menos viajante; uma evolução tecnológica que torne o avião actual um meio de transporte obsoleto; uma evolução económica desfavorável que nos deixe a todos mais pobres e menos disponíveis para nomadismos; o impensável; o pensável em que ninguém pensou; tudo pode acontecer em trinta anos que faça com que a OTA não tenha nem um décimo do movimento que as previsões indicam como absolutamente fatais para esgotar a Portela.Não, todas as razões são boas para construir um aeroporto novo, menos as que assentam em previsões a trinta anos.Nesta fase da minha argumentação, costuma aparecer sempre alguém a falar em sonho, em objectivos que valem a pena quando a alma não é pequena, a citar Pessoa e Camões e a atribuir-me o pouco cobiçado prémio nacional de “Velho do Restelo”.Eu olho à volta, vejo os estádios municipais de Aveiro, Leiria e Faro, e aplaudo-me por ser um lúcido e sábio “Velho do Restelo”.


Não tenho qualquer posição de princípio a favor ou contra um aeroporto na OTA. É uma questão técnica que me ultrapassa completamente e que não me sinto competente para discutir. O facto de, às críticas formuladas por técnicos e gente que aparenta conhecimentos, o governo responder com demenciais dislates indicia que a OTA não é uma boa solução. Mas é só um indício e não me atrevo a julgar definitivamente a opção.A minha preocupação como cidadão e como contribuinte é de outra natureza: será mesmo necessário um novo aeroporto? Não é possível resolver o problema melhorando a Portela e a pista de Alverca?Ouço falar em dezenas de milhões de passageiros que em 2030 circularão por Lisboa e que tornarão inviável o uso da Portela.Eu aceito todos os argumentos para se construir um aeroporto novo, menos este. Até a ideia de que ele corresponde exclusivamente ao desejo de um ministro deixar o seu nome imortalizado numa placa das futuras instalações é uma justificação melhor do que a do previsível número de passageiros em 2020 ou 2030.De todas as actividades humanas – repito-o com demasiada frequência – a que mais fracassada sempre se revelou foi a da profecia.É possível tentar prever o que se irá passar no mundo (ou na vida de cada um) daqui a um ano ou dois. Falha-se muito, falha-se redondamente, mas, de algum modo, esse exercício é essencial para que a própria sobrevivência possa ser planeada.Agora, tentar prever o que se vai passar daqui a vinte ou trinta anos é o mais rematado e colossal disparate em que alguém pode incorrer.Ninguém pode prever o que se vai passar daqui a dez anos, quanto mais daqui a vinte ou trinta. Basta, no nosso país, ver o número de licenciados desempregados que, há cinco ou seis anos, se abalançaram a prever o seu sucesso profissional com um curso superior, para perceber a natureza ilusória e gratuita do exercício da profecia de longa distância.Uma guerra que deixe a Europa mais pobre, mais decadente e, por consequência, menos negociante e menos viajante; uma evolução tecnológica que torne o avião actual um meio de transporte obsoleto; uma evolução económica desfavorável que nos deixe a todos mais pobres e menos disponíveis para nomadismos; o impensável; o pensável em que ninguém pensou; tudo pode acontecer em trinta anos que faça com que a OTA não tenha nem um décimo do movimento que as previsões indicam como absolutamente fatais para esgotar a Portela.Não, todas as razões são boas para construir um aeroporto novo, menos as que assentam em previsões a trinta anos.Nesta fase da minha argumentação, costuma aparecer sempre alguém a falar em sonho, em objectivos que valem a pena quando a alma não é pequena, a citar Pessoa e Camões e a atribuir-me o pouco cobiçado prémio nacional de “Velho do Restelo”.Eu olho à volta, vejo os estádios municipais de Aveiro, Leiria e Faro, e aplaudo-me por ser um lúcido e sábio “Velho do Restelo”.

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