Devaneios Desintéricos: a roleta russa sérvia

20-01-2012
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É com imenso prazer que publico um texto, especialmente escrito para o Devaneios, da autoria de Sarah Franco, analista de relações internacionais. O advento da Extrema Direita num local historicamente propenso a convulsões, associado a uma certa deriva proto totalitária que se vive em Belgrado tornam pertinente a análise que se segue e cuja leitura aconselho veementemente.Na Sérvia joga-se à roleta russa com a democracia.

A 21 de Fevereiro, a Sérvia teve eleições legislativas. O Partido mais votado foi o Partido Radical, com 28%, seguido do Partido Democrático, do Presidente Boris Tadic, com 23%. Em terceiro lugar ficou o Partido Democrático da Sérvia, do Primeiro-Ministro cessante, Vojislav Kostunica, com 16.5%.

Para que os leitores menos familiarizados com o confuso xadrez político sérvio, interessa caracterizar sucintamente os três maiores partidos Sérvios.
O Partido Radical é um partido ultranacionalista que teve altas responsabilidades nos crimes cometidos na Croácia, na Bósnia e no Kosovo durante o regime de Milosevic. O seu líder, Vojislav Seselj, está actualmente a ser julgado na Haia por crimes contra a humanidade....
O Partido Democrático da Sérvia é também um partido assumidamente nacionalista, que se auto-entitula de moderado. Defende uma perspectiva extremamente conservadora para a sociedade sérvia, embora, tacticamente, proclame estar empenhado em que a Sérvia se integre no espaço euro-atlântico. Utiliza uma linguagem dúplice, consoante se dirige aos seus apoiantes na Sérvia, ou aos líderes europeus. Vojislav Kostunica tem a seu favor o facto de sempre se ter oposto a Milosevic, o que leva os líderes europeus a catalogá-lo como democrata, apesar de ínumeros sinais de que Kostunica não tem mais respeito pela democracia do que Milosevic tinha.
O Partido Democrático é um partido tendenciamente liberal que advoga a integração na União Europeia. Não é nacionalista, embora tenha uma postura por vezes ambígua em relação ao nacionalismo, não o rejeitando frontalmente. Desde que, em 2003, foi assassinado o seu líder histórico, o então Primeiro-Ministro Zoran Djindjic, o partido deixou de ter uma liderança forte e um compromisso claro no sentido da democratização do país.

Perante os resultados das eleições, surgiram duas hipóteses teóricas: ou aquilo a que a UE chama o campo democrático se unia, formando-se uma grande coligação entre o DS e o DSS (e outros partidos com menor expressão); ou o DSS e os Radicais chegavam a um acordo que permitisse ao DSS governar sozinho com o apoio parlamentar dos Radicais. Note-se que os Radicais não estão interessados em entrar para um governo, excepto no dia em que tiverem a maioria absoluta, uma vez que, desta forma, evitam o desgaste que governar sempre traz e têm margem para continuar a apresentar-se como impolutos.

Daqui se depreende que o DSS conquistou no sistema partidário sérvio a posição de fiel da balança. Nas negociações com o DS, que se prolongaram até hoje, tal posição permitiu-lhes fazer exigências que, na prática, desvirtuam os resultados das eleições. Assim, o DSS, para além de exigir manter o posto de Primeiro-Ministro para Kostunica, exigiu também manter o controlo do Ministério do Interior e dos serviços de informações, bem como a pasta dos transportes.

Perante a recusa de Boris Tadic, o DSS avançou para uma manobra que chocou todos os obervadores internacionais e pôs a comissão Europeia à beira de um ataque de nervos. Na eleição para o Presidente do Parlamento Sérvio, cargo a que concorria uma candidata do DS contra o vice-presidente do Partido Radical, Tomislav Nikolic, o DSS optou por votar em Nikolic, que foi eleito. Assim, a Sérvia passou a ter como segunda figura do Estado um partidário da extrema direita, um apoiante dos mais graves crimes que a Europa conheceu desde a Segunda Guerra Mundial. Isto passou-se no dia 8 de Maio.

Perante tal afronta, na qual o DSS revelou a sua verdadeira face, nada mais restaria ao Presidente Tadic do que dar por terminadas as negociações para a formação do governo e convocar novas eleições... Mas a coisa não se revelou assim tão simples. Ontem, Nikolic declarou que estaria disposto a declarar o estado de emergência no país, caso o governo (cessante, liderado por Kostunica) lho solicitasse. Se tal acontecesse, o Presidente ficaria impossibilitado de convocar eleições, perdendo assim qualquer margem de manobra. Note-se que o prazo legal para a constituição de um novo governo termina dia 14 de Maio.

Hoje, novo golpe de teatro: Tadic e Kostunica chegam a acordo. Ou melhor, Tadic cede em toda a linha, entregando ao DSS os cargos de Primeiro-Ministro e de Ministro do Interior. Como bargaining chip, o DS obtém apenas a gestão conjunta com o DSS da Agência de Segurança do Estado, que na prática será controlada pelo Ministro do Interior. Pormenor hilariante: o recém eleito Presidente do Parlamento aceita pacificamente abandonar o cargo.

Naturalmente que é óbvia a importância do controlo do Ministério do Interior e dos serviços de segurança, mas no caso da Sérvia, ela é ainda mais crucial, uma vez que a Sérvia está obrigada a cooperar plenamente com o Tribunal para a ex-Jugoslávia(TPIY), entregando os criminosos de guerra que se escondem no seu território, nomeadamente Ratko Mladic. Toda a gente sabe que isso é contrário aos interesses das forças nacionalistas, e que, por isso mesmo, enquanto o DSS tiver o controlo das forças de segurança, tal jamais acontecerá.

Ora, perante isto, o que faz a União Europeia? Profundamente aliviado por se ter dado o tão desejado acordo entre o ‘bloco democrático’, o Comissário do alargamento, Ollie Rehn, propõe a reabertura imediata das negociações com a Sérvia para a assinatura de um Acordo de Estabilização e Associação, o primeiro passo para a adesão à UE. Note-se que tais negociações foram suspensas em Maio do ano passado na sequência de um relatório da Procuradora Carla del Ponte declarando que a Sérvia não estava a cooperar com o TPIY. Mladic continua a monte.

Este é o governo que assume hoje a presidência do Conselho da Europa. Está bem entregue a defesa dos Direitos Humanos na Europa.


É com imenso prazer que publico um texto, especialmente escrito para o Devaneios, da autoria de Sarah Franco, analista de relações internacionais. O advento da Extrema Direita num local historicamente propenso a convulsões, associado a uma certa deriva proto totalitária que se vive em Belgrado tornam pertinente a análise que se segue e cuja leitura aconselho veementemente.Na Sérvia joga-se à roleta russa com a democracia.

A 21 de Fevereiro, a Sérvia teve eleições legislativas. O Partido mais votado foi o Partido Radical, com 28%, seguido do Partido Democrático, do Presidente Boris Tadic, com 23%. Em terceiro lugar ficou o Partido Democrático da Sérvia, do Primeiro-Ministro cessante, Vojislav Kostunica, com 16.5%.

Para que os leitores menos familiarizados com o confuso xadrez político sérvio, interessa caracterizar sucintamente os três maiores partidos Sérvios.
O Partido Radical é um partido ultranacionalista que teve altas responsabilidades nos crimes cometidos na Croácia, na Bósnia e no Kosovo durante o regime de Milosevic. O seu líder, Vojislav Seselj, está actualmente a ser julgado na Haia por crimes contra a humanidade....
O Partido Democrático da Sérvia é também um partido assumidamente nacionalista, que se auto-entitula de moderado. Defende uma perspectiva extremamente conservadora para a sociedade sérvia, embora, tacticamente, proclame estar empenhado em que a Sérvia se integre no espaço euro-atlântico. Utiliza uma linguagem dúplice, consoante se dirige aos seus apoiantes na Sérvia, ou aos líderes europeus. Vojislav Kostunica tem a seu favor o facto de sempre se ter oposto a Milosevic, o que leva os líderes europeus a catalogá-lo como democrata, apesar de ínumeros sinais de que Kostunica não tem mais respeito pela democracia do que Milosevic tinha.
O Partido Democrático é um partido tendenciamente liberal que advoga a integração na União Europeia. Não é nacionalista, embora tenha uma postura por vezes ambígua em relação ao nacionalismo, não o rejeitando frontalmente. Desde que, em 2003, foi assassinado o seu líder histórico, o então Primeiro-Ministro Zoran Djindjic, o partido deixou de ter uma liderança forte e um compromisso claro no sentido da democratização do país.

Perante os resultados das eleições, surgiram duas hipóteses teóricas: ou aquilo a que a UE chama o campo democrático se unia, formando-se uma grande coligação entre o DS e o DSS (e outros partidos com menor expressão); ou o DSS e os Radicais chegavam a um acordo que permitisse ao DSS governar sozinho com o apoio parlamentar dos Radicais. Note-se que os Radicais não estão interessados em entrar para um governo, excepto no dia em que tiverem a maioria absoluta, uma vez que, desta forma, evitam o desgaste que governar sempre traz e têm margem para continuar a apresentar-se como impolutos.

Daqui se depreende que o DSS conquistou no sistema partidário sérvio a posição de fiel da balança. Nas negociações com o DS, que se prolongaram até hoje, tal posição permitiu-lhes fazer exigências que, na prática, desvirtuam os resultados das eleições. Assim, o DSS, para além de exigir manter o posto de Primeiro-Ministro para Kostunica, exigiu também manter o controlo do Ministério do Interior e dos serviços de informações, bem como a pasta dos transportes.

Perante a recusa de Boris Tadic, o DSS avançou para uma manobra que chocou todos os obervadores internacionais e pôs a comissão Europeia à beira de um ataque de nervos. Na eleição para o Presidente do Parlamento Sérvio, cargo a que concorria uma candidata do DS contra o vice-presidente do Partido Radical, Tomislav Nikolic, o DSS optou por votar em Nikolic, que foi eleito. Assim, a Sérvia passou a ter como segunda figura do Estado um partidário da extrema direita, um apoiante dos mais graves crimes que a Europa conheceu desde a Segunda Guerra Mundial. Isto passou-se no dia 8 de Maio.

Perante tal afronta, na qual o DSS revelou a sua verdadeira face, nada mais restaria ao Presidente Tadic do que dar por terminadas as negociações para a formação do governo e convocar novas eleições... Mas a coisa não se revelou assim tão simples. Ontem, Nikolic declarou que estaria disposto a declarar o estado de emergência no país, caso o governo (cessante, liderado por Kostunica) lho solicitasse. Se tal acontecesse, o Presidente ficaria impossibilitado de convocar eleições, perdendo assim qualquer margem de manobra. Note-se que o prazo legal para a constituição de um novo governo termina dia 14 de Maio.

Hoje, novo golpe de teatro: Tadic e Kostunica chegam a acordo. Ou melhor, Tadic cede em toda a linha, entregando ao DSS os cargos de Primeiro-Ministro e de Ministro do Interior. Como bargaining chip, o DS obtém apenas a gestão conjunta com o DSS da Agência de Segurança do Estado, que na prática será controlada pelo Ministro do Interior. Pormenor hilariante: o recém eleito Presidente do Parlamento aceita pacificamente abandonar o cargo.

Naturalmente que é óbvia a importância do controlo do Ministério do Interior e dos serviços de segurança, mas no caso da Sérvia, ela é ainda mais crucial, uma vez que a Sérvia está obrigada a cooperar plenamente com o Tribunal para a ex-Jugoslávia(TPIY), entregando os criminosos de guerra que se escondem no seu território, nomeadamente Ratko Mladic. Toda a gente sabe que isso é contrário aos interesses das forças nacionalistas, e que, por isso mesmo, enquanto o DSS tiver o controlo das forças de segurança, tal jamais acontecerá.

Ora, perante isto, o que faz a União Europeia? Profundamente aliviado por se ter dado o tão desejado acordo entre o ‘bloco democrático’, o Comissário do alargamento, Ollie Rehn, propõe a reabertura imediata das negociações com a Sérvia para a assinatura de um Acordo de Estabilização e Associação, o primeiro passo para a adesão à UE. Note-se que tais negociações foram suspensas em Maio do ano passado na sequência de um relatório da Procuradora Carla del Ponte declarando que a Sérvia não estava a cooperar com o TPIY. Mladic continua a monte.

Este é o governo que assume hoje a presidência do Conselho da Europa. Está bem entregue a defesa dos Direitos Humanos na Europa.

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