Luís Mira: "Portugal deve dirigir os seus apoios para produtos que podem reduzir importações"

13-07-2011
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322Portugal vive uma situação difícil em que reduzir a dependência do estrangeiro é fundamental. A agricultura portuguesa está preparada para este desafio?

A agricultura não está, os agricultores estão. Desde que sejam criadas as condições. Exemplo concreto: açúcar. Portugal produzia 70 mil toneladas de açúcar de beterraba. Poderia produzir 100 mil. Eram 20 por cento da nossa necessidade de açúcar. Tivemos um ministro, Jaime Silva, que acabou com a produção de açúcar de beterraba em Portugal ao aceitar a perda de quota que a Europa nos concedia. Agora importamos. Na beterraba éramos competitivos ao nível das produtividades, melhores do que em França e nos países mais eficientes. Os agricultores não conheciam a cultura, implantou-se uma fábrica, começou-se com campos experimentais, desenvolveu-se a cultura, conseguiu-se chegar aos 7000 hectares. Depois, deixou-se perder a quota. Se Portugal tivesse um plano, se houvesse condições... Não depende do agricultor produzir beterraba, depende de serem criadas condições para isso. Agora, a fábrica está a importar ramas do estrangeiro e a refiná-las, quando podia fazê-lo através de uma produção nacional.

Falta um modelo de orientação do Estado?

O Estado não tem modelo de orientação. O Estado até tem andado desorientado. O que o Estado tem de fazer é não criar entraves...

Com as alterações na PAC, a agricultura orientou-se melhor para as necessidades dos mercados e é agora mais rentável?

O problema é que ainda não se sabe o que quer a PAC. Na última década, a União Europeia (UE) fez várias reformas ao sabor das circunstâncias, o que originou um problema de falta de estabilidade nas políticas e fez com que os agricultores não percebessem qual é o rumo.

Em que sentido deve ir a reforma da PAC?

O que dizemos em primeiro lugar é que a política agrícola comum está ao contrário. Um agricultor tem um hectare em França, produz sete toneladas ou oito, recebe seis vezes mais do que eu, que produzo menos. Então ele que produz mais ainda vai receber mais do que eu? Então seria correcto que ele não recebesse mais do que se recebe aqui. A divisão das ajudas deveria ser mais equilibrada, embora reconheça que isto não pode ser feito com uma ruptura, mas antes de uma forma gradual. Mas temos que reconhecer que a PAC não nos é favorável nos seus alicerces, mas nós também a temos utilizado, nestes últimos tempos, muito mal.

Porquê?

Portugal tem sido o campeão das devoluções, mesmo nas ajudas directas (em que não há comparticipação nacional) e agora está a ser o campeão das correcções financeiras por incumprimento das regras europeias

No quadro em que vivemos e com um corpo social agrícola diferente, em que é que o sector deve apostar?

Há um ano respondia de uma maneira, hoje respondo de outra. O nosso esforço, o esforço do Estado, deve ir para aquelas produções em que, com menos dinheiro, nós conseguimos mais facilmente chegar ao auto-abastecimento. É o quê? É a cebola, o alho, a batata, a carne de vaca? É fazer contas e apostar nisso.

Quais são os sectores?

Os sectores são aqueles em que somos bons e naqueles onde houve incorporações tecnológicas que potenciaram as culturas, como é o caso do olival, onde nós já éramos bons. Depois, é continuar a apostar nas culturas mediterrânicas que são fundamentais para nós e onde somos capazes de incorporar valor. Mais dirigismo do que isto é complicado, porque a tecnologia e os hábitos das pessoas vão mudando muito e a agricultura tem que se adaptar a esta realidade. No limite, são os consumidores que mandam. Isso não isenta os Governos de terem uma linha que auxilie o país e essa linha é criar condições para deixarmos de importar aquilo que importamos. Se calhar esta conversa deveria meter também a grande distribuição para que houvesse aqui uma confluência de interesses. A grande distribuição tem agora um peso que não tinha há 30 anos. Se os políticos permitiram que isso acontecesse, tem que haver aqui algum controlo para que não se verifique uma situação de distorção, dado o peso que esse sector representa.

A CAP criticou muito o Dr. Jaime Silva, anterior ministro. Em relação a este não vejo essa barreira de fogo. Porquê?

Em relação ao anterior ministro, a CAP até criticou e berrou pouco, dada a dimensão da sua incompetência e o prejuízo que causou aos agricultores e aos contribuintes portugueses. A destruição da estrutura do ministério, as centenas de milhões de euros que não aproveitámos nas ajudas directas, mais de 200 milhões, e as correcções financeiras. Foi um período terrível. O primeiro-ministro nunca ouviu o que dizíamos. Ninguém quis ouvir.

António Serrano, o actual ministro, é uma pessoa com um perfil diferente. António Serrano não resolveu todas as questões, estava limitado num Governo em que era Sócrates quem mandava (talvez o ministro das Finanças mandasse alguma coisa) e na fase final foi obrigado a entrar também numa política de forte contracção financeira.

O Proder (Programa de Desenvolvimento Rural) começou tarde, mal, aos solavancos. Será uma oportunidade perdida para modernizar a agricultura?

Haverá mais oportunidades, talvez menos ambiciosas em termos financeiros. Aquilo que a CAP deseja é que o próximo quadro de modernização do sector não tenha, como o que está em vigor, 52 medidas. Que seja bem mais reduzido e objectivo naquilo que se quer atingir - ajudar o país a importar menos. O Proder é importante. Os 4500 milhões de euros, se fossem bem utilizados, fariam com que muitas produções aumentassem. Agora, isto espalhado por 52 medidas, em coisas muitas vezes díspares ou então a privilegiar as obras do Estado, não dá os melhores resultados. O Proder foi concebido por Jaime Silva para poupar dinheiro ao Orçamento do Estado, não para modernizar a agricultura portuguesa.

Neste quadro de dificuldades financeiras, acha que vai haver dinheiro para financiar a componente nacional?

É uma inquietação. Mas espero que haja lucidez e que apesar das dificuldades, que são muitas, se perceba que neste programa, em cada 100 euros, 70 são colocados pelo agricultor, 24 pela Comissão Europeia e apenas 6 euros saem do Orçamento do Estado. Este é um rácio altamente favorável ao Estado, pensando que tudo isto gera emprego, diminui as importações e gera receita fiscal.

A União Europeia parece determinada a acabar com o regime de quotas leiteiras. Que consequência terá isso para o sector em Portugal?

É uma preocupação da CAP. Mais uma dádiva de Jaime Silva. As quotas são um mecanismo de gestão do mercado, que não custa um euro à UE e até dava receitas através das multas para quem as ultrapassasse. Só interessa aos países do Norte, que são extremamente fortes na produção. Para um país periférico, com um terço da produção nos Açores, é catastrófico. Só vejo os preços caírem. Portugal deveria reequacionar esta questão e a levantá-la no contexto da EU.

322Portugal vive uma situação difícil em que reduzir a dependência do estrangeiro é fundamental. A agricultura portuguesa está preparada para este desafio?

A agricultura não está, os agricultores estão. Desde que sejam criadas as condições. Exemplo concreto: açúcar. Portugal produzia 70 mil toneladas de açúcar de beterraba. Poderia produzir 100 mil. Eram 20 por cento da nossa necessidade de açúcar. Tivemos um ministro, Jaime Silva, que acabou com a produção de açúcar de beterraba em Portugal ao aceitar a perda de quota que a Europa nos concedia. Agora importamos. Na beterraba éramos competitivos ao nível das produtividades, melhores do que em França e nos países mais eficientes. Os agricultores não conheciam a cultura, implantou-se uma fábrica, começou-se com campos experimentais, desenvolveu-se a cultura, conseguiu-se chegar aos 7000 hectares. Depois, deixou-se perder a quota. Se Portugal tivesse um plano, se houvesse condições... Não depende do agricultor produzir beterraba, depende de serem criadas condições para isso. Agora, a fábrica está a importar ramas do estrangeiro e a refiná-las, quando podia fazê-lo através de uma produção nacional.

Falta um modelo de orientação do Estado?

O Estado não tem modelo de orientação. O Estado até tem andado desorientado. O que o Estado tem de fazer é não criar entraves...

Com as alterações na PAC, a agricultura orientou-se melhor para as necessidades dos mercados e é agora mais rentável?

O problema é que ainda não se sabe o que quer a PAC. Na última década, a União Europeia (UE) fez várias reformas ao sabor das circunstâncias, o que originou um problema de falta de estabilidade nas políticas e fez com que os agricultores não percebessem qual é o rumo.

Em que sentido deve ir a reforma da PAC?

O que dizemos em primeiro lugar é que a política agrícola comum está ao contrário. Um agricultor tem um hectare em França, produz sete toneladas ou oito, recebe seis vezes mais do que eu, que produzo menos. Então ele que produz mais ainda vai receber mais do que eu? Então seria correcto que ele não recebesse mais do que se recebe aqui. A divisão das ajudas deveria ser mais equilibrada, embora reconheça que isto não pode ser feito com uma ruptura, mas antes de uma forma gradual. Mas temos que reconhecer que a PAC não nos é favorável nos seus alicerces, mas nós também a temos utilizado, nestes últimos tempos, muito mal.

Porquê?

Portugal tem sido o campeão das devoluções, mesmo nas ajudas directas (em que não há comparticipação nacional) e agora está a ser o campeão das correcções financeiras por incumprimento das regras europeias

No quadro em que vivemos e com um corpo social agrícola diferente, em que é que o sector deve apostar?

Há um ano respondia de uma maneira, hoje respondo de outra. O nosso esforço, o esforço do Estado, deve ir para aquelas produções em que, com menos dinheiro, nós conseguimos mais facilmente chegar ao auto-abastecimento. É o quê? É a cebola, o alho, a batata, a carne de vaca? É fazer contas e apostar nisso.

Quais são os sectores?

Os sectores são aqueles em que somos bons e naqueles onde houve incorporações tecnológicas que potenciaram as culturas, como é o caso do olival, onde nós já éramos bons. Depois, é continuar a apostar nas culturas mediterrânicas que são fundamentais para nós e onde somos capazes de incorporar valor. Mais dirigismo do que isto é complicado, porque a tecnologia e os hábitos das pessoas vão mudando muito e a agricultura tem que se adaptar a esta realidade. No limite, são os consumidores que mandam. Isso não isenta os Governos de terem uma linha que auxilie o país e essa linha é criar condições para deixarmos de importar aquilo que importamos. Se calhar esta conversa deveria meter também a grande distribuição para que houvesse aqui uma confluência de interesses. A grande distribuição tem agora um peso que não tinha há 30 anos. Se os políticos permitiram que isso acontecesse, tem que haver aqui algum controlo para que não se verifique uma situação de distorção, dado o peso que esse sector representa.

A CAP criticou muito o Dr. Jaime Silva, anterior ministro. Em relação a este não vejo essa barreira de fogo. Porquê?

Em relação ao anterior ministro, a CAP até criticou e berrou pouco, dada a dimensão da sua incompetência e o prejuízo que causou aos agricultores e aos contribuintes portugueses. A destruição da estrutura do ministério, as centenas de milhões de euros que não aproveitámos nas ajudas directas, mais de 200 milhões, e as correcções financeiras. Foi um período terrível. O primeiro-ministro nunca ouviu o que dizíamos. Ninguém quis ouvir.

António Serrano, o actual ministro, é uma pessoa com um perfil diferente. António Serrano não resolveu todas as questões, estava limitado num Governo em que era Sócrates quem mandava (talvez o ministro das Finanças mandasse alguma coisa) e na fase final foi obrigado a entrar também numa política de forte contracção financeira.

O Proder (Programa de Desenvolvimento Rural) começou tarde, mal, aos solavancos. Será uma oportunidade perdida para modernizar a agricultura?

Haverá mais oportunidades, talvez menos ambiciosas em termos financeiros. Aquilo que a CAP deseja é que o próximo quadro de modernização do sector não tenha, como o que está em vigor, 52 medidas. Que seja bem mais reduzido e objectivo naquilo que se quer atingir - ajudar o país a importar menos. O Proder é importante. Os 4500 milhões de euros, se fossem bem utilizados, fariam com que muitas produções aumentassem. Agora, isto espalhado por 52 medidas, em coisas muitas vezes díspares ou então a privilegiar as obras do Estado, não dá os melhores resultados. O Proder foi concebido por Jaime Silva para poupar dinheiro ao Orçamento do Estado, não para modernizar a agricultura portuguesa.

Neste quadro de dificuldades financeiras, acha que vai haver dinheiro para financiar a componente nacional?

É uma inquietação. Mas espero que haja lucidez e que apesar das dificuldades, que são muitas, se perceba que neste programa, em cada 100 euros, 70 são colocados pelo agricultor, 24 pela Comissão Europeia e apenas 6 euros saem do Orçamento do Estado. Este é um rácio altamente favorável ao Estado, pensando que tudo isto gera emprego, diminui as importações e gera receita fiscal.

A União Europeia parece determinada a acabar com o regime de quotas leiteiras. Que consequência terá isso para o sector em Portugal?

É uma preocupação da CAP. Mais uma dádiva de Jaime Silva. As quotas são um mecanismo de gestão do mercado, que não custa um euro à UE e até dava receitas através das multas para quem as ultrapassasse. Só interessa aos países do Norte, que são extremamente fortes na produção. Para um país periférico, com um terço da produção nos Açores, é catastrófico. Só vejo os preços caírem. Portugal deveria reequacionar esta questão e a levantá-la no contexto da EU.

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