do sacrifício das virgens

10-07-2011
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Caro João Luís,

Não obstante a simpatia do suposto «brilhantismo substantivo» do que escrevi sobre o direito natural, que não subscrevo, mas agradeço e devolvo, compreendo perfeitamente a desilusão que referes ao facto dos direitos naturais serem permanentemente desrespeitados pela soberania política. Acredito que se assentarmos, o que não me parece difícil, num conjunto minimalista de direitos naturais efectivamente universais e imutáveis, imanentes, por conseguinte, à natureza humana (e a natureza humana parece-me absolutamente objectiva e constante, mau grado o tempo e o espaço), não nos será impossível detectarmos o núcleo fundamental do direito natural nos direitos fundamentais de primeira geração consagrados pelo constitucionalismo liberal.

Questão diferente é a da universalização do respeito por esses diferentes. Aí, embora estando de acordo sobre as frequentes violações de que esses direitos são objecto, duvido que o facto de haver governos que desrespeitem a propriedade, a vida e a liberdade ponha em causa a identidade, a pertinência e a natureza intrinsecamente humana desses valores. Como bem sabes, o direito é, por definição susceptível de violação, seja pelos indivíduos, seja pelos seus governos. A coercibilidade das suas normas, característica que as distingue de todas as outras normas sociais, permite-lhes a imposição coactiva, se preciso for.

De resto, o argumento que utilizas pode ser facilmente invalidado pela realidade histórica. Basta olharmos para o que aconteceu na União Soviética, que implodiu por ter criado uma sociedade artificial, onde os valores naturais da humanidade se encontravam proibidos: a propriedade, a liberdade de expressão e de associação, o culto religioso, a segurança perante o poder, etc.

Todavia, reconheço que o valor intrínseco do direito natural é fundamentalmente metajurídico. Isto é, inspirador da ordem jurídica positiva. E, obviamente, limitador desse direito e da soberania (função que é, por excelência, a do liberalismo).

Recentrando-me então no liberalismo, parecer-me-ia bastante perigoso que os liberais não reclamem o respeito desse direito pelas ordens jurídicas estaduais, o que poderá levá-los à absoluta falta de critérios e à inteira sujeição à interpretação que o poder soberano fará, momento a momento, da vontade geral. Ora, dizem os liberais, nenhuma vontade poderá sobrepor-se aos direitos fundamentais dos indivíduos. Mesmo a dos próprios, em certos casos, deverá ser limitada por atentar contra esses mesmíssimos direitos e contra, em último caso, a ordem natural das coisas, que os liberais também é suposto respeitarem.

Numa sociedade liberal, não haverá, por isso, lugar a «sacrifícios humanos» consentidos, ou a «sacrifícios» rituais das «mais belas filhas» de pais apaziguadores das divindades, mesmo que as ditas não se importem muito com o sacrifício. Em qualquer dos casos, é de homicídios, consentidos ou não, de que falamos. Para além da selvajaria em si mesma dessas práticas, imprópria de sociedades de homens livres e responsáveis. Até porque, com as ditas «mais belas filhas» (e eu atrever-me-ia a dizer, mesmo com algumas das menos belas) há coisas bem mais interessantes a fazer, que não só apaziguam os deuses, como as próprias (que eram, coitadas, esmagadoramente virgens, requisito fundamental para o sacrifício, como sabes). Já quanto aos pais delas é que não garanto nada. É que os há de todas as espécies…

Abç.,

Caro João Luís,

Não obstante a simpatia do suposto «brilhantismo substantivo» do que escrevi sobre o direito natural, que não subscrevo, mas agradeço e devolvo, compreendo perfeitamente a desilusão que referes ao facto dos direitos naturais serem permanentemente desrespeitados pela soberania política. Acredito que se assentarmos, o que não me parece difícil, num conjunto minimalista de direitos naturais efectivamente universais e imutáveis, imanentes, por conseguinte, à natureza humana (e a natureza humana parece-me absolutamente objectiva e constante, mau grado o tempo e o espaço), não nos será impossível detectarmos o núcleo fundamental do direito natural nos direitos fundamentais de primeira geração consagrados pelo constitucionalismo liberal.

Questão diferente é a da universalização do respeito por esses diferentes. Aí, embora estando de acordo sobre as frequentes violações de que esses direitos são objecto, duvido que o facto de haver governos que desrespeitem a propriedade, a vida e a liberdade ponha em causa a identidade, a pertinência e a natureza intrinsecamente humana desses valores. Como bem sabes, o direito é, por definição susceptível de violação, seja pelos indivíduos, seja pelos seus governos. A coercibilidade das suas normas, característica que as distingue de todas as outras normas sociais, permite-lhes a imposição coactiva, se preciso for.

De resto, o argumento que utilizas pode ser facilmente invalidado pela realidade histórica. Basta olharmos para o que aconteceu na União Soviética, que implodiu por ter criado uma sociedade artificial, onde os valores naturais da humanidade se encontravam proibidos: a propriedade, a liberdade de expressão e de associação, o culto religioso, a segurança perante o poder, etc.

Todavia, reconheço que o valor intrínseco do direito natural é fundamentalmente metajurídico. Isto é, inspirador da ordem jurídica positiva. E, obviamente, limitador desse direito e da soberania (função que é, por excelência, a do liberalismo).

Recentrando-me então no liberalismo, parecer-me-ia bastante perigoso que os liberais não reclamem o respeito desse direito pelas ordens jurídicas estaduais, o que poderá levá-los à absoluta falta de critérios e à inteira sujeição à interpretação que o poder soberano fará, momento a momento, da vontade geral. Ora, dizem os liberais, nenhuma vontade poderá sobrepor-se aos direitos fundamentais dos indivíduos. Mesmo a dos próprios, em certos casos, deverá ser limitada por atentar contra esses mesmíssimos direitos e contra, em último caso, a ordem natural das coisas, que os liberais também é suposto respeitarem.

Numa sociedade liberal, não haverá, por isso, lugar a «sacrifícios humanos» consentidos, ou a «sacrifícios» rituais das «mais belas filhas» de pais apaziguadores das divindades, mesmo que as ditas não se importem muito com o sacrifício. Em qualquer dos casos, é de homicídios, consentidos ou não, de que falamos. Para além da selvajaria em si mesma dessas práticas, imprópria de sociedades de homens livres e responsáveis. Até porque, com as ditas «mais belas filhas» (e eu atrever-me-ia a dizer, mesmo com algumas das menos belas) há coisas bem mais interessantes a fazer, que não só apaziguam os deuses, como as próprias (que eram, coitadas, esmagadoramente virgens, requisito fundamental para o sacrifício, como sabes). Já quanto aos pais delas é que não garanto nada. É que os há de todas as espécies…

Abç.,

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