Novo pacote fiscal mantém desigualdade na repartição de esforços

04-10-2012
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Feitas as contas, o agravamento do IRS gerará uma receita superior às mexidas na TSU. E o capital contribui com uma pequena fatia para o ajustamento

Vai ser "um enorme aumento de impostos". Disse-o ontem o ministro das Finanças na apresentação das medidas que, supostamente, devem responder à exigência do Tribunal Constitucional (TC) de uma maior equidade na repartição de esforços orçamentais e que obrigou o Governo a devolver um subsídio aos funcionários públicos e aos pensionistas. Mas olhando para as linhas grossas do novo pacote, a grande fatia do esforço continuará a incidir sobre os assalariados e os pensionistas, agora do sector público e do privado.

A longa intervenção lida por Vítor Gaspar no salão nobre do Ministério das Finanças - com apenas 35 minutos para questões dos jornalistas - esteve repleta de declarações de defesa da equidade e de uma melhor distribuição de esforços orçamentais. O ministro chegou a fazer uma declaração lembrando que "Portugal é dos países mais desiguais" da União Europeia. "Que não restem dúvidas", disse. "Vamos mudar este estado de coisas. Vamos acabar com as divisões do passado. Uma sociedade com menores desigualdades é uma sociedade mais justa e também uma sociedade economicamente mais forte."

Um esforço político evidente de ir ao encontro das preocupações do TC. Como é público, o Governo respondeu com as mexidas na taxa social única (TSU). Era uma medida com vários objectivos: tributava os assalariados privados em 7% e promovia a desvalorização salarial em linha com a ideia do Governo de promover a competitividade.

Mas, como afirmou Gaspar, "não mereceu o consenso alargado". Aliás, a contestação reuniu o "consenso alargado" de estruturas sindicais, patronais, parte do PSD, mesmo do CDS, parceiro de coligação, e da maioria do Conselho de Estado. A medida foi estudada num grupo restrito de pessoas, que excluiu mesmo o Banco de Portugal e os técnicos autores do estudo que há um ano criticaram a eficácia da medida.

Apesar dos epítetos de "ignorantes" aos empresários pelo conselheiro do Governo António Borges, a medida tornava clara a intenção do Governo de cortar os salários, entregá-los às empresas e desvalorizando até as futuras pensões de velhice (ao pagar-se mais 64% pela mesma pensão).

O protesto foi generalizado. Mas as medidas anunciadas - apesar de, segundo Gaspar, corresponderem a "uma distribuição mais equitativa do esforço de consolidação orçamental" entre sector público e privado e rendimentos do trabalho e capital - não prenunciam um efeito muito diferente. Sem qualquer medida do lado da despesa, a factura global - a julgar pelos números dados - será mais elevada, ainda que o Governo sublinhe que a esmagadora maioria dos assalariados, privados e públicos, ficarão melhor do que com as mexidas na TSU.

Primeiro, o número de escalões de IRS vai ser reduzido de oito para cinco escalões. Por definição, qualquer redução diminui a progressividade do imposto, ou seja, que quem mais tem mais paga. E isso explica que a taxa média efectiva do imposto (ou seja, o peso dos imposto pago sobre os rendimentos) se agrave em 20% - de 9,8 para 11,8%.

Em segundo, haverá uma sobretaxa de 4% sobre os rendimentos de 2013 sujeitos a IRS. O escalão mais elevado agravar-se-á em 2,5 pontos percentuais.

Esse agravamento fiscal fará com que a taxa efectiva volte a subir de 11,8 para 13,2% - ou seja, no cômputo das duas medidas, o IRS sentido pelos contribuintes agravar-se-á em 35% (de 9,8% para 13,2%) e dará uma receita próxima dos 3 mil milhões de euros, superior aos 2,8 mil milhões que a TSU pesava só para trabalhadores (agravamento da TSU de 11% para 18% dos salários brutos). Sublinhe-se, porém, que a receita fiscal de IRS é paga em 90% por assalariados e pensionistas.

Fraca participação do capital

De que forma vai o Governo equilibrar este enorme esforço fiscal dos assalariados e pensionistas? Não se sabe. O ministro das Finanças não respondeu ao PÚBLICO sobre qual será o esforço orçamental esperado dos rendimentos do trabalho e do capital. Mas as medidas antevêem uma fraca receita fiscal. Primeiro, um limite - ainda não quantificado - da "dedutibilidade dos encargos financeiros", de forma a diminuir "o favorecimento fiscal ao financiamento por dívida". Ou seja, tornando os lucros mais elevados e, supostamente, aumentando o IRC cobrado. Mas no IRC, as deduções que mais pesam são as por dupla tributação e por prejuízos fiscais.

Em segundo lugar, o Governo quer mexer na derrama estadual, incidente sobre os lucros. Actualmente, o primeiro escalão vai de 1,5 a 10 milhões de euros com uma taxa de 3% e o segundo de 5% para lucros superiores a 10 milhões. A intenção é alargar a taxa de 5% para lucros acima de 7,5 milhões. Quantas empresas têm lucros entre 7,5 e 10 milhões? Se, em 2010, duas mil empresas pagaram 187 milhões de euros de derrama estadual, a medida arrecadará uma pequena percentagem disso e abrangerá poucas empresas.

Em terceiro, o OE 2013 incluirá a autorização fiscal para criar uma taxa sobre as transacções financeiras (taxa Tobin) e que já vigora em França. As contas do Governo estimam que a taxa francesa resultaria em Portugal em 25 milhões de euros.

Em resumo, o esforço do capital estará, na melhor das hipóteses, em algumas centenas de milhões de euros. Muito distante do esforço dos assalariados e pensionistas. Muito longe da equidade.

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Acresce que o Governo agravará em muito o IMI que abrange muitos dos assalariados (ver pág. 5).

Como disse Vítor Gaspar, este anúncio não corresponde ao da proposta de OE de 2013. Essa realizar-se-á a 15 de Outubro e lá constarão todos os pormenores. Mas o que se conhece deixa já fortes dúvidas.

Quando questionado se não esperava uma nova contestação, Gaspar fez um silêncio e preferiu lembrar aquilo que disse aos parceiros sociais antes de o Governo anunciar o recuo das mexidas na TSU. "A prioridade do Governo é evitar o ciclo vicioso" que vai da deterioração da confiança ao agravamento das condições financeiras do país. E daí a um aumento das incertezas acrescidas, à quebra do investimento e da actividade económica, ao aumento do desemprego. Um desemprego que, mesmo na previsão do Governo, agora revista em alta, já será de 16,5% em 2013.

Feitas as contas, o agravamento do IRS gerará uma receita superior às mexidas na TSU. E o capital contribui com uma pequena fatia para o ajustamento

Vai ser "um enorme aumento de impostos". Disse-o ontem o ministro das Finanças na apresentação das medidas que, supostamente, devem responder à exigência do Tribunal Constitucional (TC) de uma maior equidade na repartição de esforços orçamentais e que obrigou o Governo a devolver um subsídio aos funcionários públicos e aos pensionistas. Mas olhando para as linhas grossas do novo pacote, a grande fatia do esforço continuará a incidir sobre os assalariados e os pensionistas, agora do sector público e do privado.

A longa intervenção lida por Vítor Gaspar no salão nobre do Ministério das Finanças - com apenas 35 minutos para questões dos jornalistas - esteve repleta de declarações de defesa da equidade e de uma melhor distribuição de esforços orçamentais. O ministro chegou a fazer uma declaração lembrando que "Portugal é dos países mais desiguais" da União Europeia. "Que não restem dúvidas", disse. "Vamos mudar este estado de coisas. Vamos acabar com as divisões do passado. Uma sociedade com menores desigualdades é uma sociedade mais justa e também uma sociedade economicamente mais forte."

Um esforço político evidente de ir ao encontro das preocupações do TC. Como é público, o Governo respondeu com as mexidas na taxa social única (TSU). Era uma medida com vários objectivos: tributava os assalariados privados em 7% e promovia a desvalorização salarial em linha com a ideia do Governo de promover a competitividade.

Mas, como afirmou Gaspar, "não mereceu o consenso alargado". Aliás, a contestação reuniu o "consenso alargado" de estruturas sindicais, patronais, parte do PSD, mesmo do CDS, parceiro de coligação, e da maioria do Conselho de Estado. A medida foi estudada num grupo restrito de pessoas, que excluiu mesmo o Banco de Portugal e os técnicos autores do estudo que há um ano criticaram a eficácia da medida.

Apesar dos epítetos de "ignorantes" aos empresários pelo conselheiro do Governo António Borges, a medida tornava clara a intenção do Governo de cortar os salários, entregá-los às empresas e desvalorizando até as futuras pensões de velhice (ao pagar-se mais 64% pela mesma pensão).

O protesto foi generalizado. Mas as medidas anunciadas - apesar de, segundo Gaspar, corresponderem a "uma distribuição mais equitativa do esforço de consolidação orçamental" entre sector público e privado e rendimentos do trabalho e capital - não prenunciam um efeito muito diferente. Sem qualquer medida do lado da despesa, a factura global - a julgar pelos números dados - será mais elevada, ainda que o Governo sublinhe que a esmagadora maioria dos assalariados, privados e públicos, ficarão melhor do que com as mexidas na TSU.

Primeiro, o número de escalões de IRS vai ser reduzido de oito para cinco escalões. Por definição, qualquer redução diminui a progressividade do imposto, ou seja, que quem mais tem mais paga. E isso explica que a taxa média efectiva do imposto (ou seja, o peso dos imposto pago sobre os rendimentos) se agrave em 20% - de 9,8 para 11,8%.

Em segundo, haverá uma sobretaxa de 4% sobre os rendimentos de 2013 sujeitos a IRS. O escalão mais elevado agravar-se-á em 2,5 pontos percentuais.

Esse agravamento fiscal fará com que a taxa efectiva volte a subir de 11,8 para 13,2% - ou seja, no cômputo das duas medidas, o IRS sentido pelos contribuintes agravar-se-á em 35% (de 9,8% para 13,2%) e dará uma receita próxima dos 3 mil milhões de euros, superior aos 2,8 mil milhões que a TSU pesava só para trabalhadores (agravamento da TSU de 11% para 18% dos salários brutos). Sublinhe-se, porém, que a receita fiscal de IRS é paga em 90% por assalariados e pensionistas.

Fraca participação do capital

De que forma vai o Governo equilibrar este enorme esforço fiscal dos assalariados e pensionistas? Não se sabe. O ministro das Finanças não respondeu ao PÚBLICO sobre qual será o esforço orçamental esperado dos rendimentos do trabalho e do capital. Mas as medidas antevêem uma fraca receita fiscal. Primeiro, um limite - ainda não quantificado - da "dedutibilidade dos encargos financeiros", de forma a diminuir "o favorecimento fiscal ao financiamento por dívida". Ou seja, tornando os lucros mais elevados e, supostamente, aumentando o IRC cobrado. Mas no IRC, as deduções que mais pesam são as por dupla tributação e por prejuízos fiscais.

Em segundo lugar, o Governo quer mexer na derrama estadual, incidente sobre os lucros. Actualmente, o primeiro escalão vai de 1,5 a 10 milhões de euros com uma taxa de 3% e o segundo de 5% para lucros superiores a 10 milhões. A intenção é alargar a taxa de 5% para lucros acima de 7,5 milhões. Quantas empresas têm lucros entre 7,5 e 10 milhões? Se, em 2010, duas mil empresas pagaram 187 milhões de euros de derrama estadual, a medida arrecadará uma pequena percentagem disso e abrangerá poucas empresas.

Em terceiro, o OE 2013 incluirá a autorização fiscal para criar uma taxa sobre as transacções financeiras (taxa Tobin) e que já vigora em França. As contas do Governo estimam que a taxa francesa resultaria em Portugal em 25 milhões de euros.

Em resumo, o esforço do capital estará, na melhor das hipóteses, em algumas centenas de milhões de euros. Muito distante do esforço dos assalariados e pensionistas. Muito longe da equidade.

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Acresce que o Governo agravará em muito o IMI que abrange muitos dos assalariados (ver pág. 5).

Como disse Vítor Gaspar, este anúncio não corresponde ao da proposta de OE de 2013. Essa realizar-se-á a 15 de Outubro e lá constarão todos os pormenores. Mas o que se conhece deixa já fortes dúvidas.

Quando questionado se não esperava uma nova contestação, Gaspar fez um silêncio e preferiu lembrar aquilo que disse aos parceiros sociais antes de o Governo anunciar o recuo das mexidas na TSU. "A prioridade do Governo é evitar o ciclo vicioso" que vai da deterioração da confiança ao agravamento das condições financeiras do país. E daí a um aumento das incertezas acrescidas, à quebra do investimento e da actividade económica, ao aumento do desemprego. Um desemprego que, mesmo na previsão do Governo, agora revista em alta, já será de 16,5% em 2013.

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