Confesso: foi por puro voyeurismo que comprei o seu livro. Não que não gostasse de si ou da sua obra. Lera, apaixonado, a magnífica biografia do Eça, por exemplo. Mas, desta vez, perguntava-me o que poderia ter de assim tão interessante a biografia de uma socióloga da nossa praça. Pelo seu próprio punho. Exercício onanístico ou pouco mais? Não sei, mas não pensava ler essas linhas. Sobretudo depois de ter lido e ouvido relatos do "Bilhete de Identidade", perante os quais me senti incomodado. Dizia-se, diz-se, que o livro era sobretudo (peço desculpa pela linguagem crua) uma espécie de relatório dos seus lençois. Uma monografia da sexualidade da Mena.Ainda assim, não resisti e a meio da semana passada, numa incursão cirúrgica à FNAC, para de lá trazer o Cunhal, o último do Lodge, o Roth, entre outros, o seu "Bilhete de Identidade" lá foi, envergonhadamente, parar ao saco. Mal cheguei a casa folheei-o (antes mesmo de tirar os outros do saco), indo em busca dos pormenores de alcova. Tão só. Do VPV ao António Pedro Vasconcelos, do A. ao Z.C., etc, etc. Voyeurismo em estado puro... devia ser do espírito natalício, pensava eu para me autodesculpar.Passadas, lidas e relidas, vasculhadas mesmo, essas páginas, pu-la de lado. A nossa relação não ia mesmo mais além, decidira.Mas eis que, nestes quatro dias de pousio, dei por mim a voltar a pegar-lhe, a acariciar-lhe, primeiro ao de leve, depois sofregamente. Em boa verdade, peguei-lhe e não mais a larguei. E para isso serve esta posta. Para, publicamente (publicamente no sentido do universo mínimo que vai ler isto) lhe pedir desculpas.A senhora (que eu não conheco, nunca vi mais gorda - e sobretudo não conheci quando era um borracho) escreveu um grande livro. Sobretudo, um livro que é um extraordinário retrato da sociedade lisboeta dos anos 50 a 70. Um retrato que nos mostra como viviam as pessoas que calcorreavam as mesmas ruas que eu hoje piso. Que olhavam as mesmas fachadas que hoje me protegem da chuva invernosa. O que pensavam, o que faziam, como viviam.Um retrato de uma mulher educada num meio muito católico e que está no auge da vida (fisica e intelectualmente) quando a sociedade portuguesa era uma panela de pressão prestes a explodir. Uma fotografia nítida para ajudar a completar o álbum do Portugal daquela época.O meu incómodo (que não desapareceu) fora largamente superado pelo fantástico retrato de um País através do olhar de uma mulher cultivada.Uma leitura imprescindível... Para quem gosta desta cidade! Uma leitura dispensável para quem quer saber pormenores escabrosos da vida de outrém e que se for nessa é melhor não ir nisso. O seu livro não é isso. É outra coisa e uma outra coisa muito mais que isso.Obrigado por esta excelente prenda de Natal! Bem haja (a nossa relação fica por aqui).
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Confesso: foi por puro voyeurismo que comprei o seu livro. Não que não gostasse de si ou da sua obra. Lera, apaixonado, a magnífica biografia do Eça, por exemplo. Mas, desta vez, perguntava-me o que poderia ter de assim tão interessante a biografia de uma socióloga da nossa praça. Pelo seu próprio punho. Exercício onanístico ou pouco mais? Não sei, mas não pensava ler essas linhas. Sobretudo depois de ter lido e ouvido relatos do "Bilhete de Identidade", perante os quais me senti incomodado. Dizia-se, diz-se, que o livro era sobretudo (peço desculpa pela linguagem crua) uma espécie de relatório dos seus lençois. Uma monografia da sexualidade da Mena.Ainda assim, não resisti e a meio da semana passada, numa incursão cirúrgica à FNAC, para de lá trazer o Cunhal, o último do Lodge, o Roth, entre outros, o seu "Bilhete de Identidade" lá foi, envergonhadamente, parar ao saco. Mal cheguei a casa folheei-o (antes mesmo de tirar os outros do saco), indo em busca dos pormenores de alcova. Tão só. Do VPV ao António Pedro Vasconcelos, do A. ao Z.C., etc, etc. Voyeurismo em estado puro... devia ser do espírito natalício, pensava eu para me autodesculpar.Passadas, lidas e relidas, vasculhadas mesmo, essas páginas, pu-la de lado. A nossa relação não ia mesmo mais além, decidira.Mas eis que, nestes quatro dias de pousio, dei por mim a voltar a pegar-lhe, a acariciar-lhe, primeiro ao de leve, depois sofregamente. Em boa verdade, peguei-lhe e não mais a larguei. E para isso serve esta posta. Para, publicamente (publicamente no sentido do universo mínimo que vai ler isto) lhe pedir desculpas.A senhora (que eu não conheco, nunca vi mais gorda - e sobretudo não conheci quando era um borracho) escreveu um grande livro. Sobretudo, um livro que é um extraordinário retrato da sociedade lisboeta dos anos 50 a 70. Um retrato que nos mostra como viviam as pessoas que calcorreavam as mesmas ruas que eu hoje piso. Que olhavam as mesmas fachadas que hoje me protegem da chuva invernosa. O que pensavam, o que faziam, como viviam.Um retrato de uma mulher educada num meio muito católico e que está no auge da vida (fisica e intelectualmente) quando a sociedade portuguesa era uma panela de pressão prestes a explodir. Uma fotografia nítida para ajudar a completar o álbum do Portugal daquela época.O meu incómodo (que não desapareceu) fora largamente superado pelo fantástico retrato de um País através do olhar de uma mulher cultivada.Uma leitura imprescindível... Para quem gosta desta cidade! Uma leitura dispensável para quem quer saber pormenores escabrosos da vida de outrém e que se for nessa é melhor não ir nisso. O seu livro não é isso. É outra coisa e uma outra coisa muito mais que isso.Obrigado por esta excelente prenda de Natal! Bem haja (a nossa relação fica por aqui).