ambio: Morreu Jean Pignero, militante ecologista exemplar

19-07-2005
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Por José Carlos Marques, 16 de Junho de 2005Morreu ontem, quarta 15 de Junho, nos arredores de Paris, em Seine-Port, Jean Pignero, que gostava de se considerar descendente de portugueses (pelo apelido Pignero) e que chamou a um dos seus escritos, simplesmente, João (em português). Morreu com 91 anos, numa clínica de reformados, cinco anos depois da morte da mulher (por Alzheimer). Ele próprio, lúcido e interessado pelo mundo até há pouco mais de um ano atrás, e depois já muito apagado devido a um problema motor que já não lhe permitia fazer a vida normal que o mantinha vivo e ainda activo pela escrita e pela correspondência. Tinha-o visitado (sabia que pela última vez pois regresso em breve definitivamente a Portugal, mas não esperava que partisse antes do meu regresso) no sábado 11 de Junho. Encontrei-o já com dificuldades de falar e confuso nas respostas, mas ainda com um olhar muito vivo, e feliz pela minha visita e a de Gérard Pierrot, actual presidente da associação que JP havia fundado, a APRI (associação de protecção contra as radiações ionisantes). Simples professor primário, modestíssimo, de uma bondade que impresiona (foi talvez a pessoa mais bondosa que conheci, sem nenhum alarde porém), voltou-se para a luta contra as radiações ionisantes e contra o nuclear pelo cuidado com a saúde dos seus alunos, pelo espírito cívico, pelo gosto da verdade e pelo desassombro perante os poderosos. No início dos anos 1970 esteve associado ao então grande movimento antinuclear francês, que em 1977, com a morte numa manifestação pacífica do militante antinuclear Vital Michalon, junto à central nuclear de Creys-Malville, entrou em recessão. Hoje, a França é o país mais "toxicodependente" da energia nuclear. Também a revista La Gueule Ouverte, fundada por Pierre Fournier (falecido aos 35 anos em 15 de Fevereiro de 1973 com uma doença de coração crónica que se manifestou nesse dia súbita e fatalmente), se iniciou com destaque à crítica da microrradiografia obrigatória, inclusive com colaboração de JP. Mais tarde entraria em relativa obscuridade (nunca foi famoso, aliás, nem sequer no meio ecologista), sem parar de intervir e de publicar no âmbito da APRI uma massa impressionante de documentação. A partir dos anos 1980, a sua reflexão virou-se para as questões da deontologia médica, jornalística e política, já que era aí que encontrava as raízes das poluições que denunciava e dos ataques às liberdades individuais que a indústria nuclear representava. Esse trabalho foi coroado com uma proposta de constituição realmente democrática. Essa obra foi traduzida em português com o título AS CONSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS DO TERCEIRO MILÉNIO (colecção Viver é Preciso, Afrontamento, Porto, 2000). O título é expressivo, pois essa proposta permanecerá actual por muito tempo ainda. Ela recolhe os mais necesarios ideais e ideários da ecologia, da paz e da liberdade. Saiu também em português, nos anos 1980, a sua obra sobre a microrradiografia, na nossa língua com o título UM ATENTADO À SAÚDE PÚBLICA: A MICRORRADIOGRAFIA SISTEMÁTICA E OBRIGATÓRIA. Nos anos 1970, mais precisamente em 1975, tinha saído em português, na mesma colecção e na mesma editora, uma obra editada por Jean Pingero e pela APRI, da autoria do médico Pierre Pizon, intitulada O ÁTOMO E A HISTÓRIA, uma obra de grande envergadura e uma excelente panorâmica da problemática das radiações, do nuclear dito civil e das suas conexões com o nuclear bélico. Jean Pignero esteve em Portugal em Abril de 1983 (salvo erro; ou seria 1984), num seminário sobre a problemática nuclear, organizado pelo jornal Terra Mágica, por iniciativa de Jorge Fidalgo, então professor em Portimão e fundador e director do jornal, e de António Quaresma e outros ecologistas de Vila Nova de Mil Fontes, onde o seminário decorreu (grupo cujo nome não recordo agora). Fez ainda pequenos colóquios sobre o mesmo assunto em Setúbal por convite do Projecto Setúbal Verde (que viria a fundir-se e a tornar-se um dos esteios da primeira época da Quercus) e em Lisboa. Alguns pequenos textos de Jean Pignero foram escritos de propósito para a revista Ar Livre e nela publicados. Leiam As Constituições, de Jean Pignero. Encontrarão lá decerto muitomaterial de reflexão.

Por José Carlos Marques, 16 de Junho de 2005Morreu ontem, quarta 15 de Junho, nos arredores de Paris, em Seine-Port, Jean Pignero, que gostava de se considerar descendente de portugueses (pelo apelido Pignero) e que chamou a um dos seus escritos, simplesmente, João (em português). Morreu com 91 anos, numa clínica de reformados, cinco anos depois da morte da mulher (por Alzheimer). Ele próprio, lúcido e interessado pelo mundo até há pouco mais de um ano atrás, e depois já muito apagado devido a um problema motor que já não lhe permitia fazer a vida normal que o mantinha vivo e ainda activo pela escrita e pela correspondência. Tinha-o visitado (sabia que pela última vez pois regresso em breve definitivamente a Portugal, mas não esperava que partisse antes do meu regresso) no sábado 11 de Junho. Encontrei-o já com dificuldades de falar e confuso nas respostas, mas ainda com um olhar muito vivo, e feliz pela minha visita e a de Gérard Pierrot, actual presidente da associação que JP havia fundado, a APRI (associação de protecção contra as radiações ionisantes). Simples professor primário, modestíssimo, de uma bondade que impresiona (foi talvez a pessoa mais bondosa que conheci, sem nenhum alarde porém), voltou-se para a luta contra as radiações ionisantes e contra o nuclear pelo cuidado com a saúde dos seus alunos, pelo espírito cívico, pelo gosto da verdade e pelo desassombro perante os poderosos. No início dos anos 1970 esteve associado ao então grande movimento antinuclear francês, que em 1977, com a morte numa manifestação pacífica do militante antinuclear Vital Michalon, junto à central nuclear de Creys-Malville, entrou em recessão. Hoje, a França é o país mais "toxicodependente" da energia nuclear. Também a revista La Gueule Ouverte, fundada por Pierre Fournier (falecido aos 35 anos em 15 de Fevereiro de 1973 com uma doença de coração crónica que se manifestou nesse dia súbita e fatalmente), se iniciou com destaque à crítica da microrradiografia obrigatória, inclusive com colaboração de JP. Mais tarde entraria em relativa obscuridade (nunca foi famoso, aliás, nem sequer no meio ecologista), sem parar de intervir e de publicar no âmbito da APRI uma massa impressionante de documentação. A partir dos anos 1980, a sua reflexão virou-se para as questões da deontologia médica, jornalística e política, já que era aí que encontrava as raízes das poluições que denunciava e dos ataques às liberdades individuais que a indústria nuclear representava. Esse trabalho foi coroado com uma proposta de constituição realmente democrática. Essa obra foi traduzida em português com o título AS CONSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS DO TERCEIRO MILÉNIO (colecção Viver é Preciso, Afrontamento, Porto, 2000). O título é expressivo, pois essa proposta permanecerá actual por muito tempo ainda. Ela recolhe os mais necesarios ideais e ideários da ecologia, da paz e da liberdade. Saiu também em português, nos anos 1980, a sua obra sobre a microrradiografia, na nossa língua com o título UM ATENTADO À SAÚDE PÚBLICA: A MICRORRADIOGRAFIA SISTEMÁTICA E OBRIGATÓRIA. Nos anos 1970, mais precisamente em 1975, tinha saído em português, na mesma colecção e na mesma editora, uma obra editada por Jean Pingero e pela APRI, da autoria do médico Pierre Pizon, intitulada O ÁTOMO E A HISTÓRIA, uma obra de grande envergadura e uma excelente panorâmica da problemática das radiações, do nuclear dito civil e das suas conexões com o nuclear bélico. Jean Pignero esteve em Portugal em Abril de 1983 (salvo erro; ou seria 1984), num seminário sobre a problemática nuclear, organizado pelo jornal Terra Mágica, por iniciativa de Jorge Fidalgo, então professor em Portimão e fundador e director do jornal, e de António Quaresma e outros ecologistas de Vila Nova de Mil Fontes, onde o seminário decorreu (grupo cujo nome não recordo agora). Fez ainda pequenos colóquios sobre o mesmo assunto em Setúbal por convite do Projecto Setúbal Verde (que viria a fundir-se e a tornar-se um dos esteios da primeira época da Quercus) e em Lisboa. Alguns pequenos textos de Jean Pignero foram escritos de propósito para a revista Ar Livre e nela publicados. Leiam As Constituições, de Jean Pignero. Encontrarão lá decerto muitomaterial de reflexão.

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