Siga Freitas, gritava o bilheteiro que era giba.E o Freitas lá arracava obedientemente, camioneta aos solavancos pelo Pico de São João.Pára Freitas que vem gente, gritava o bilheteiro que era giba.E o Freitas lá parava, obedientemete, para deixar entrar a menina Gregória, mulher de sessenta anos, passageira habitual da camioneta das oito e meia.Bom dia menina Gregória, dizia o motorista, baixando a cabeça numa vénia ritual.A camioneta rodava até à Avenida do Mar, com o Freitas ao volante, mas comandada pelo bilheteiro que tinha uma mala cheia de moedas e os bilhetes entalados entre os dedos da mão direita.Siga Freitas!- E o que tenho eu a ver com isso?diz-me você, caro leitor - Guarde lá as suas memórias de infância que a gente quer é actualidade,continua você, assoberbado leitorPois bem, eu explico. A cena veio-me à memória esta manhã, quando ouvi dizer que Freitas do Amaral apelou ao voto no PS.É que entre o Freitas da camioneta da minha infância, e o da Faculdade de Direito desta minha idade adulta existem semelhanças claras.Então repare, atento leitor:- O Freitas da camioneta queria chegar à Avenida do Mar (só que às vezes, o Pico de São João, ladeira íngreme e empedrada, pregava-lhe partidas). O da Faculdade quer chegar a Belém (só que o Mário, político de pedra, e escorregadio, já lhe pregou uma partida). O que significa que ambos são guiados por um objectivo claro.- O Freitas da camioneta era um respeitável ancião que às vezes, com o direito inerente a todos os anciães, e a todas a criacinhas, dizia disparates. O da Faculdade é também um vetusto "senador". E também diz disparates.- Embora guiasse, o Freitas da camioneta não comandava efectivamente o veículo e tudo o que nele se passava. Tinha um acordo tácito com o bilheteiro giba. E dava-lhe o comando das operações, porque acreditava ser essa a melhor maneira de chegar à Avenida do Mar, permitindo-lhe concentrar-se exclusivamente nas curvas apertadas do Pico de São João. O Freitas da Faculdade também não controla. Tem um acordo tácito com o "bilheteiro" Sócrates. Dá-lhe o comando porque crê ser essa a melhor maneira de chegar a Belém, permitindo-lhe concentrar-se exclusivamente na forma de tornear a "curva Guterres", apertada e mal desenhada. - O Freitas da camioneta recebia ordens de um tipo que tinha uma mala cheia de dinheiro e uma mão cheia de bilhetes. Será que o Freitas da Faculdade também?Siga Freitas que este país não muda!E lá vai a camioneta aos solavancos pelo Pico de São João. E lá vão o bilheteiro giba, a menina Gregória e eu, pela mão da minha mãe.Ah, e um professor da Faculdade de Direito!Siga Freitas!Gonçalo Nuno Santos
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Siga Freitas, gritava o bilheteiro que era giba.E o Freitas lá arracava obedientemente, camioneta aos solavancos pelo Pico de São João.Pára Freitas que vem gente, gritava o bilheteiro que era giba.E o Freitas lá parava, obedientemete, para deixar entrar a menina Gregória, mulher de sessenta anos, passageira habitual da camioneta das oito e meia.Bom dia menina Gregória, dizia o motorista, baixando a cabeça numa vénia ritual.A camioneta rodava até à Avenida do Mar, com o Freitas ao volante, mas comandada pelo bilheteiro que tinha uma mala cheia de moedas e os bilhetes entalados entre os dedos da mão direita.Siga Freitas!- E o que tenho eu a ver com isso?diz-me você, caro leitor - Guarde lá as suas memórias de infância que a gente quer é actualidade,continua você, assoberbado leitorPois bem, eu explico. A cena veio-me à memória esta manhã, quando ouvi dizer que Freitas do Amaral apelou ao voto no PS.É que entre o Freitas da camioneta da minha infância, e o da Faculdade de Direito desta minha idade adulta existem semelhanças claras.Então repare, atento leitor:- O Freitas da camioneta queria chegar à Avenida do Mar (só que às vezes, o Pico de São João, ladeira íngreme e empedrada, pregava-lhe partidas). O da Faculdade quer chegar a Belém (só que o Mário, político de pedra, e escorregadio, já lhe pregou uma partida). O que significa que ambos são guiados por um objectivo claro.- O Freitas da camioneta era um respeitável ancião que às vezes, com o direito inerente a todos os anciães, e a todas a criacinhas, dizia disparates. O da Faculdade é também um vetusto "senador". E também diz disparates.- Embora guiasse, o Freitas da camioneta não comandava efectivamente o veículo e tudo o que nele se passava. Tinha um acordo tácito com o bilheteiro giba. E dava-lhe o comando das operações, porque acreditava ser essa a melhor maneira de chegar à Avenida do Mar, permitindo-lhe concentrar-se exclusivamente nas curvas apertadas do Pico de São João. O Freitas da Faculdade também não controla. Tem um acordo tácito com o "bilheteiro" Sócrates. Dá-lhe o comando porque crê ser essa a melhor maneira de chegar a Belém, permitindo-lhe concentrar-se exclusivamente na forma de tornear a "curva Guterres", apertada e mal desenhada. - O Freitas da camioneta recebia ordens de um tipo que tinha uma mala cheia de dinheiro e uma mão cheia de bilhetes. Será que o Freitas da Faculdade também?Siga Freitas que este país não muda!E lá vai a camioneta aos solavancos pelo Pico de São João. E lá vão o bilheteiro giba, a menina Gregória e eu, pela mão da minha mãe.Ah, e um professor da Faculdade de Direito!Siga Freitas!Gonçalo Nuno Santos