CyberCultura e Democracia Online: Filosofia Clínica e Reconstrução da Identidade

03-10-2009
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No post anterior apresentei uma obra de K.J. Gergen e, neste post, quero desafiar os filósofos a profissionalizar a sua actividade, pelo menos em alguns sectores. Uma área de profissionalização é ou deveria ser em Portugal a Filosofia Clínica. Por isso, recomendo a leitura de outra obra de Sheila McNamee e Kenneth J. Gergen, «Therapy as Social Construction» (1995). Esta obra revela a riqueza de uma abordagem construtivista social do processo terapêutico, sobretudo no domínio da saúde mental, destacando a noção de vidas construídas socialmente, com fortes implicações nas nossas noções de eu, identidade e projecto de vida. Estas noções não são determinadas por um único "roteiro cultural", mas sobredeterminadas pelo contexto social e cultural do qual não podem ser dissociadas. Isto significa que a terapia construtivista social assenta num diálogo entre o terapeuta e o "cliente": estes trabalham juntos na co-criação de novas histórias de vida mais satisfatórias. Mas esta é apenas uma perspectiva da terapêutica, aliás muito circunscrita ao domínio das chamadas "doenças mentais", como se nas outras doenças não fosse igualmente necessário "cuidar da alma" dos pacientes. A Filosofia apresenta outras abordagens, nomeadamente a fenomenológica, e não precisa que outros (psiquiatras, psicólogos clínicos, assistentes sociais, etc.) as apliquem em seu lugar: A filosofia académica deve zelar pelo futuro dos seus membros (alunos). Para que os meus leitores não fiquem perplexos, darei alguns exemplos: A filosofia de Marx exerceu uma influência decisiva sobre o pensamento de Erich Fromm e de Wilhelm Reich, a filosofia dialéctica de G. LuKács permitiu a Joseph Gabel compreender melhor o mundo da loucura (a esquizofrenia), a filosofia existencialista de Jean-Paul Sartre foi assimilada pelo movimento da antipsiquiatria, liderado por R.D. Laing e D.G. Cooper, as terapias cognitivas (Aaron T. Beck) estão muito marcadas por determinadas tendências da filosofia da mente e pelo cognitivismo, a etnopsiquiatria (Devereux) ou a antropologia psicanalítica de Géza Róheim são profundamente marcadas pela filosofia, a psicologia de Karl Jaspers é já um clássico da psiquiatria, bem como a de William James, e até mesmo a filosofia existencial de Heidegger deu origem à analise existencial aplicada à psiquiatria por L. Binswanger ou às brilhantes análises de E. Minkowski, para referir apenas os casos mais evidentes dentre centenas deles que percorrem toda a história conjunta da medicina e da filosofia. O problema é que a filosofia ensinada nas Universidades portuguesas desconhece realmente a sua própria história e riqueza conceptual. J Francisco Saraiva de Sousa


No post anterior apresentei uma obra de K.J. Gergen e, neste post, quero desafiar os filósofos a profissionalizar a sua actividade, pelo menos em alguns sectores. Uma área de profissionalização é ou deveria ser em Portugal a Filosofia Clínica. Por isso, recomendo a leitura de outra obra de Sheila McNamee e Kenneth J. Gergen, «Therapy as Social Construction» (1995). Esta obra revela a riqueza de uma abordagem construtivista social do processo terapêutico, sobretudo no domínio da saúde mental, destacando a noção de vidas construídas socialmente, com fortes implicações nas nossas noções de eu, identidade e projecto de vida. Estas noções não são determinadas por um único "roteiro cultural", mas sobredeterminadas pelo contexto social e cultural do qual não podem ser dissociadas. Isto significa que a terapia construtivista social assenta num diálogo entre o terapeuta e o "cliente": estes trabalham juntos na co-criação de novas histórias de vida mais satisfatórias. Mas esta é apenas uma perspectiva da terapêutica, aliás muito circunscrita ao domínio das chamadas "doenças mentais", como se nas outras doenças não fosse igualmente necessário "cuidar da alma" dos pacientes. A Filosofia apresenta outras abordagens, nomeadamente a fenomenológica, e não precisa que outros (psiquiatras, psicólogos clínicos, assistentes sociais, etc.) as apliquem em seu lugar: A filosofia académica deve zelar pelo futuro dos seus membros (alunos). Para que os meus leitores não fiquem perplexos, darei alguns exemplos: A filosofia de Marx exerceu uma influência decisiva sobre o pensamento de Erich Fromm e de Wilhelm Reich, a filosofia dialéctica de G. LuKács permitiu a Joseph Gabel compreender melhor o mundo da loucura (a esquizofrenia), a filosofia existencialista de Jean-Paul Sartre foi assimilada pelo movimento da antipsiquiatria, liderado por R.D. Laing e D.G. Cooper, as terapias cognitivas (Aaron T. Beck) estão muito marcadas por determinadas tendências da filosofia da mente e pelo cognitivismo, a etnopsiquiatria (Devereux) ou a antropologia psicanalítica de Géza Róheim são profundamente marcadas pela filosofia, a psicologia de Karl Jaspers é já um clássico da psiquiatria, bem como a de William James, e até mesmo a filosofia existencial de Heidegger deu origem à analise existencial aplicada à psiquiatria por L. Binswanger ou às brilhantes análises de E. Minkowski, para referir apenas os casos mais evidentes dentre centenas deles que percorrem toda a história conjunta da medicina e da filosofia. O problema é que a filosofia ensinada nas Universidades portuguesas desconhece realmente a sua própria história e riqueza conceptual. J Francisco Saraiva de Sousa

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