«O efeito global da indústria cultural é o de uma antidesmistificação, a de um anti-esclarecimento (anti-Aufklärung); nela, como Horkheimer e eu escrevemos, o esclarecimento (Aufklärung), isto é, o progressivo domínio técnico da Natureza, converte-se num logro colectivo, num instrumento de coacção da consciência. Ela impede a formação de indivíduos autónomos e independentes, capazes de avaliar com consciência e de tomar decisões.» (Adorno) John R. Searle é, de todos os filósofos da mente, o mais lúcido, o mais criativo (teoria dos actos de fala) e, por isso, merece um pouco mais de atenção. Porém, a sua teoria da mente é deveras redutora e, no fundamental, dogmática. Eis um resumo da sua teoria: «Consciência, em resumo, é uma característica biológica de cérebros de seres humanos e determinados animais. É causada por processos neurobiológicos, e é tanto uma parte da ordem biológica natural quanto quaisquer outras características biológicas, como a fotossíntese, a digestão ou a mitose» (Searle). Esta é uma formulação dogmática da teoria da mente. Embora não conheçamos «o detalhe de como cérebros causam consciência», Searle pensa que é neste sentido que devemos orientar a nossa pesquisa das relações entre cérebro e mente, porque está em sintonia com a "nossa visão científica do mundo", que resume nestes termos: «A nossa imagem do mundo, embora extremamente complicada em detalhe, fornece uma explicação bastante simples do modo de existência da consciência. De acordo com a teoria atómica, o universo é constituído de partículas. Estas partículas estão organizadas em sistemas. Alguns desses sistemas são vivos, e esses tipos de sistemas vivos evoluíram por longos períodos de tempo. Entre eles alguns desenvolveram cérebros que são capazes de causar e sustentar consciência. Consciência é, assim, uma característica biológica de determinados organismos, exactamente no mesmo sentido "biológico" em que a fotossíntese, a mitose, a digestão e a reprodução são características biológicas de organismos» (Searle). Apesar da sua profundidade de pensamento e da sua defesa da "ontologia da subjectividade", Searle limita-se, no fundamental, a proferir uma "profissão de fé" numa determinada "visão científica do mundo", fortemente materialista, redutora e simplista, porque no âmbito desta concepção os animais dotados de consciência exibem outras características não mencionadas mas intimamente relacionadas com a consciência, tais como aquilo a que Searle chama no final do seu livro "A Redescoberta da Mente" «o carácter social da mente». Afirmar que "o cérebro causa a mente" é assumir uma tese do materialismo mecanicista, a que chama "naturalismo biológico", superada pela versão histórica e dialéctica do materialismo proposta por Marx. Este "descuido" está bem patente na sua afirmação peremptória: «a ontologia do mental é uma ontologia irredutivelmente de primeira pessoa», como se a "sociedade" fosse estranha ou mesmo "externa" a essa ontologia da subjectividade! Não admira que Searle confesse que ainda não sabe «como analisar a estrutura do elemento social na consciência individual»! Se tivesse lido Mikhail Bakhtin, um discípulo de Marx, teria sido confrontado com este enunciado: «A consciência individual é um facto sócio-ideológico», porque a «consciência (só) adquire forma e existência nos signos criados por um grupo organizado no curso das suas relações sociais». Ou, no caso de desconfiar do marxismo, poderia ter levado mais a sério a teoria da génese social do "self" de George Mead ou mesmo a de Cooley! Mas Searle prefere fingir que re-descobre tudo o que já tinha sido descoberto, mediante o exercício individualista, portanto, descontaminado social e ideologicamente, do seu entendimento! Em última análise, podemos dizer que Searle se limita literalmente a "re-descobrir" (termo que se inspira em Bruno Snell, cuja teoria Searle parece não compreender) aquilo que já tinha sido descoberto por outros filósofos, mas que, em virtude da sua ortodoxia dogmática, é incapaz de captar no seu carácter genuíno, aquele que aponta para além do biologismo. Neste sentido, é possível colocar "Searle contra Searle", tarefa que levaremos a cabo noutros posts, levando a sério a sua perspectiva de que «a filosofia da linguagem é uma ramo da filosofia da mente». J Francisco Saraiva de Sousa
Categorias
Entidades
«O efeito global da indústria cultural é o de uma antidesmistificação, a de um anti-esclarecimento (anti-Aufklärung); nela, como Horkheimer e eu escrevemos, o esclarecimento (Aufklärung), isto é, o progressivo domínio técnico da Natureza, converte-se num logro colectivo, num instrumento de coacção da consciência. Ela impede a formação de indivíduos autónomos e independentes, capazes de avaliar com consciência e de tomar decisões.» (Adorno) John R. Searle é, de todos os filósofos da mente, o mais lúcido, o mais criativo (teoria dos actos de fala) e, por isso, merece um pouco mais de atenção. Porém, a sua teoria da mente é deveras redutora e, no fundamental, dogmática. Eis um resumo da sua teoria: «Consciência, em resumo, é uma característica biológica de cérebros de seres humanos e determinados animais. É causada por processos neurobiológicos, e é tanto uma parte da ordem biológica natural quanto quaisquer outras características biológicas, como a fotossíntese, a digestão ou a mitose» (Searle). Esta é uma formulação dogmática da teoria da mente. Embora não conheçamos «o detalhe de como cérebros causam consciência», Searle pensa que é neste sentido que devemos orientar a nossa pesquisa das relações entre cérebro e mente, porque está em sintonia com a "nossa visão científica do mundo", que resume nestes termos: «A nossa imagem do mundo, embora extremamente complicada em detalhe, fornece uma explicação bastante simples do modo de existência da consciência. De acordo com a teoria atómica, o universo é constituído de partículas. Estas partículas estão organizadas em sistemas. Alguns desses sistemas são vivos, e esses tipos de sistemas vivos evoluíram por longos períodos de tempo. Entre eles alguns desenvolveram cérebros que são capazes de causar e sustentar consciência. Consciência é, assim, uma característica biológica de determinados organismos, exactamente no mesmo sentido "biológico" em que a fotossíntese, a mitose, a digestão e a reprodução são características biológicas de organismos» (Searle). Apesar da sua profundidade de pensamento e da sua defesa da "ontologia da subjectividade", Searle limita-se, no fundamental, a proferir uma "profissão de fé" numa determinada "visão científica do mundo", fortemente materialista, redutora e simplista, porque no âmbito desta concepção os animais dotados de consciência exibem outras características não mencionadas mas intimamente relacionadas com a consciência, tais como aquilo a que Searle chama no final do seu livro "A Redescoberta da Mente" «o carácter social da mente». Afirmar que "o cérebro causa a mente" é assumir uma tese do materialismo mecanicista, a que chama "naturalismo biológico", superada pela versão histórica e dialéctica do materialismo proposta por Marx. Este "descuido" está bem patente na sua afirmação peremptória: «a ontologia do mental é uma ontologia irredutivelmente de primeira pessoa», como se a "sociedade" fosse estranha ou mesmo "externa" a essa ontologia da subjectividade! Não admira que Searle confesse que ainda não sabe «como analisar a estrutura do elemento social na consciência individual»! Se tivesse lido Mikhail Bakhtin, um discípulo de Marx, teria sido confrontado com este enunciado: «A consciência individual é um facto sócio-ideológico», porque a «consciência (só) adquire forma e existência nos signos criados por um grupo organizado no curso das suas relações sociais». Ou, no caso de desconfiar do marxismo, poderia ter levado mais a sério a teoria da génese social do "self" de George Mead ou mesmo a de Cooley! Mas Searle prefere fingir que re-descobre tudo o que já tinha sido descoberto, mediante o exercício individualista, portanto, descontaminado social e ideologicamente, do seu entendimento! Em última análise, podemos dizer que Searle se limita literalmente a "re-descobrir" (termo que se inspira em Bruno Snell, cuja teoria Searle parece não compreender) aquilo que já tinha sido descoberto por outros filósofos, mas que, em virtude da sua ortodoxia dogmática, é incapaz de captar no seu carácter genuíno, aquele que aponta para além do biologismo. Neste sentido, é possível colocar "Searle contra Searle", tarefa que levaremos a cabo noutros posts, levando a sério a sua perspectiva de que «a filosofia da linguagem é uma ramo da filosofia da mente». J Francisco Saraiva de Sousa