Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339> 1968 > "Mariema ou Nalhu... A minha bajuda"... (TM)Texto e foto: © Torcato Mendonça (2006) . Direitos reservados.Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.Continuação da publicação do álbum de fotografias do Torcato Mendonça, ou melhor, de uma primeira selecção de trinta e tal fotos. Chamou-lhe fotos falantes: vd último post, de 8 de Novembro de 2006 (1)1. Caro Luís Graça:Certamente não enviei a legenda das fotos e slides. Anexo agora, com chamada de atenção para a 6 e 24 [Mariema ou Nalhu]. Porquê, mudas, caladas? Pu-la (s) então a falar e vai noutro anexo. É o relato possível.A Pedra tem significado para aquelas gentes.Ontem era uma simples mensagem (2). Por vezes uso frases de que gosto. Geralmente faço breve referência – frase copiada, plagiada, etc. Não digo de quem são. Parece-me que posso ser entendido como snobe ou coisa pior. Tantas Vidas é de um blogue[, do nosso camarada Virgínio Briote]. Prazeres da memória é uma frase da Margarite Yourcenar.Um abraço,2. Fotos Falantes (7): Mariema ou Nalhu...A 24 ficou muda! Eu, catchurri di dus pés – cachorro de dois pés - me confesso. Não é necessário dizer tudo, mas a foto 24 merece falar.Tabanca de Mansambo, num fim de tarde. Em primeiro plano, a Pedra. Estávamos na zona do chefe de tabanca, Leonardo Baldé. Homem Grande e antigo empregado, ele e a mulher, no Palácio do Governador.Meditando, encostada a um suporte do telheiro a Mariema ou Nalhu. Era uma fula de menos de vinte anos. Olhar meigo, sorriso pronto, mama firme. Era a minha bajuda. Minha é termo forte demais. Não temos dono e ela também não. Lavava-me a roupa e tínhamos uma boa amizade.Creio que veio do Xitole. Seguiu a tropa e, em Bambadinca, a conselho do Lali, veio até Mansambo. Tinha a sua história. Metia um encontro, na sua tabanca, com combatentes do PAIGC. Daí a sua fuga. Verdade? Talvez.Em Mansambo tornou-se lavadeira dos militares. Tratava-me da roupa, de outras coisas, era pessoa de minha confiança. Nalguns fins de tarde, ou à noite, conversávamos. Ia-me contando muito do que eu queria saber. Jogaria com um pau de dois bicos? Creio que não.Nas minhas ausências tratava da roupa de outros. Quando eu ia para operações ficava a olhar. Na chegada aí estava ela ao longe. Acenava e sorria. Um dia disse-me:- Quando tu vai no mato não como.Conversas e daí… talvez não. Nunca procurei saber. Estava interessado no que ela me contava e não só.Ofereceu-me um ronco com mesinho para colocar na cintura. Eu já tinha um para a cintura e um outro para usar ao pescoço. Ainda os tenho. O fio com caixa é mandinga. Veio da zona de Fá no inicio da comissão. Foi e é o meu amuleto. Anda sempre no meu saco, metido num pequeno saco plástico. O desgaste provocado pela idade não perdoa. Os outros e o velho cinturão, estão guardados algures.Quando ia a Bafatá comprava roupa e bujigangas para a Mariema. Nada de especial. Antes de sair de Mansambo no fim da comissão, ela tinha-se ido embora.Voltei a ter notícias dela, talvez entre 70 e 72. Um furriel meu amigo falou com ela. Depois esfumou-se…Que sejas ou tenhas sido feliz, Mariema!3. Comentário de L.G.:Há um toque de delicadeza, humanidade e até poesia nas tuas palavras... Mesmo lá no cu do mundo, em Mansambo, um clareira no mato, era possível estalecer uma relação humana positiva, afável e até cúmplice, entre pessoas que estavam nos antípodas, desempenhando papéis (sociais) muito diferentes, não raro antagónicos: alferes / lavadeiro, tuga / nharro, homem / mulher... Também eu, às vezes, me interrogo sobre a dura, difícil, senão mesmo trágica, condição da mulher africana, de ontem e de hoje... A evocação da Mariema trouxe-me à lembranças as doces, alegres, esquivas submissas fulas (e mandingas) com que convivi/convivemos em Contuboel e em Bambadinca... Não vejo mal em que uses o adjectivo possessivo... Afinal, todo o mundo tinha a sua bajuda...__________Nota de L.G.:(1) Vd. post de 8 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1257: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (6): Julho de 1969, já velhinho, destacado em Galomaro(2) Vd. post de 18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1289: Estórias de Bissau (6): os prazeres... da memória (Torcato Mendonça)
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Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339> 1968 > "Mariema ou Nalhu... A minha bajuda"... (TM)Texto e foto: © Torcato Mendonça (2006) . Direitos reservados.Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.Continuação da publicação do álbum de fotografias do Torcato Mendonça, ou melhor, de uma primeira selecção de trinta e tal fotos. Chamou-lhe fotos falantes: vd último post, de 8 de Novembro de 2006 (1)1. Caro Luís Graça:Certamente não enviei a legenda das fotos e slides. Anexo agora, com chamada de atenção para a 6 e 24 [Mariema ou Nalhu]. Porquê, mudas, caladas? Pu-la (s) então a falar e vai noutro anexo. É o relato possível.A Pedra tem significado para aquelas gentes.Ontem era uma simples mensagem (2). Por vezes uso frases de que gosto. Geralmente faço breve referência – frase copiada, plagiada, etc. Não digo de quem são. Parece-me que posso ser entendido como snobe ou coisa pior. Tantas Vidas é de um blogue[, do nosso camarada Virgínio Briote]. Prazeres da memória é uma frase da Margarite Yourcenar.Um abraço,2. Fotos Falantes (7): Mariema ou Nalhu...A 24 ficou muda! Eu, catchurri di dus pés – cachorro de dois pés - me confesso. Não é necessário dizer tudo, mas a foto 24 merece falar.Tabanca de Mansambo, num fim de tarde. Em primeiro plano, a Pedra. Estávamos na zona do chefe de tabanca, Leonardo Baldé. Homem Grande e antigo empregado, ele e a mulher, no Palácio do Governador.Meditando, encostada a um suporte do telheiro a Mariema ou Nalhu. Era uma fula de menos de vinte anos. Olhar meigo, sorriso pronto, mama firme. Era a minha bajuda. Minha é termo forte demais. Não temos dono e ela também não. Lavava-me a roupa e tínhamos uma boa amizade.Creio que veio do Xitole. Seguiu a tropa e, em Bambadinca, a conselho do Lali, veio até Mansambo. Tinha a sua história. Metia um encontro, na sua tabanca, com combatentes do PAIGC. Daí a sua fuga. Verdade? Talvez.Em Mansambo tornou-se lavadeira dos militares. Tratava-me da roupa, de outras coisas, era pessoa de minha confiança. Nalguns fins de tarde, ou à noite, conversávamos. Ia-me contando muito do que eu queria saber. Jogaria com um pau de dois bicos? Creio que não.Nas minhas ausências tratava da roupa de outros. Quando eu ia para operações ficava a olhar. Na chegada aí estava ela ao longe. Acenava e sorria. Um dia disse-me:- Quando tu vai no mato não como.Conversas e daí… talvez não. Nunca procurei saber. Estava interessado no que ela me contava e não só.Ofereceu-me um ronco com mesinho para colocar na cintura. Eu já tinha um para a cintura e um outro para usar ao pescoço. Ainda os tenho. O fio com caixa é mandinga. Veio da zona de Fá no inicio da comissão. Foi e é o meu amuleto. Anda sempre no meu saco, metido num pequeno saco plástico. O desgaste provocado pela idade não perdoa. Os outros e o velho cinturão, estão guardados algures.Quando ia a Bafatá comprava roupa e bujigangas para a Mariema. Nada de especial. Antes de sair de Mansambo no fim da comissão, ela tinha-se ido embora.Voltei a ter notícias dela, talvez entre 70 e 72. Um furriel meu amigo falou com ela. Depois esfumou-se…Que sejas ou tenhas sido feliz, Mariema!3. Comentário de L.G.:Há um toque de delicadeza, humanidade e até poesia nas tuas palavras... Mesmo lá no cu do mundo, em Mansambo, um clareira no mato, era possível estalecer uma relação humana positiva, afável e até cúmplice, entre pessoas que estavam nos antípodas, desempenhando papéis (sociais) muito diferentes, não raro antagónicos: alferes / lavadeiro, tuga / nharro, homem / mulher... Também eu, às vezes, me interrogo sobre a dura, difícil, senão mesmo trágica, condição da mulher africana, de ontem e de hoje... A evocação da Mariema trouxe-me à lembranças as doces, alegres, esquivas submissas fulas (e mandingas) com que convivi/convivemos em Contuboel e em Bambadinca... Não vejo mal em que uses o adjectivo possessivo... Afinal, todo o mundo tinha a sua bajuda...__________Nota de L.G.:(1) Vd. post de 8 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1257: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (6): Julho de 1969, já velhinho, destacado em Galomaro(2) Vd. post de 18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1289: Estórias de Bissau (6): os prazeres... da memória (Torcato Mendonça)