PALAVROSSAVRVS REX: DOIS TÁRTAROS: O INFERNAL E O DENTÁRIO

23-05-2009
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O meu patrão lingrinhas anda numas de me praxar de serviços extranão previstos no inicialmente apalavrado.Tudo bem, eu faço, eu cumpro, mas como a intencionalidade de me reduzir o vencimentoacordado parece inflexível, também me parece improvável que eu continue por cá.Veremos.A seguir a um part-time vem outro.Absorvi todos os caracteres, o humano invadiu-me de grotesco e sublime,pintei o que fui vendo e sentindo - os invasores ingleses, sempre bêbados, sempre ousados,o homem-barril, só contente com duas putas e logo tamanho XL-eslavas, pobres mulheres no lado súcubo-escravo de se ser mulher e tantos outros flagrantes de um Porto imprevisto -, eu os verti na minha expressão lavrada.Larvar é a minha super-nova escrevente: testei e multipliquei o meu sentido do descritivo,mergulhei fascinado nisto, nisto de haver gente.Fora do eu e do haver gente, não há literatura que valha a pena!Steiner tem razão. Os clássicos agrestes, densos, completos, se postos de parte,se já não revisitados e obrigatórios, convertem-se nos lugares vaziosda nossa própria identidade profunda.O homem ocidental simplificado, sem o desdobramento ético das suas tragédias recorrentes,é o extraterrestre acabado de si mesmo.lkjÀs vezes, a pobre gente-escória vem até aqui, às bordas do Pub: sobem, pedem.Pedem os cêntimos de uma sopa, as moedas do sabe-Deus. Vêm do fundo do seu Tártaro de exclusão e à parte.Chegam magros, seropositivos de ser e sobretudo de parecer.É a jovem magra e esquálida que fica sempre à distância como os antigos leprosos,com a sua história silenciosa por detrás dos ossos recortados dos malares ou daqueles onde se escondem e afundam uns olhos darfurianos.É o moço célere que chega precisamente quando as luzes se apagam por completo no exterior - tem uma moeda de cinquenta cêntimos para trocara fim de, contou-me uma vez, aceder à retrete pública, essa peça metálica de arquitectura urbanaque lembra uma pequena nave espacial que se pilota cagando, mijando e xutando.Face escalavrada, unhas gigantescas e um mau-cheiro de usar moto-serra, que de cortar à faca não é hipérbole que chegue.Para que trocasse lá os cinquenta cêntimos, deixei-o adentrar-se,atravessar o Pub apinhado e acercar-se do bar.O barman atendeu-o. Enquanto esperava, vi que o moço dançava, gingava.Se fosse só por ele e pelo seu modo de dançar, aquele Pub seria um Pub Gay.Seja como for, o moço dançava, gingava. E foi a dançar-gingar que recebeu os trocos,dirigiu-se até à porta, donde eu o observava, e lá saíu sempre a gingar-dançarcom um gesto grato para comigo. «Não mais deixes entrar este.Deixou um pivete de morrer.» - veio o barman exercer pedagogia para comigo.Ouvi. Nada disse.lkjTutelo a máquina do tabaco e tenho uma espécie de comando para activá-lasempre que alguém se acerque. Quem se acerque, por bebido que esteja,faça lá o favorzinho de introduzir as suas moedas e seleccionar a marca.Uma cinquentona, porém, já bebida veio à bruta tentar exercer a fórmula do Ambrósio-apetecia-me-algo-mais-que-só-a-erecção-antena-do-comando, cuja consumação lhe cortei à sílaba intencional 'Amb' - apodou-me imediatamente de antipático e de isto e aquilo.Odeio que me peçam para meter moedinhas na ranhura. E habitualmente nem o faço nem mo pedem.Tive de ouvir, pela minha implícita recusa,uma mulher fora de si em gaguezes trôpegas a dizer-me que eu terei-servilmuito que aprender-servil para deixar de ser antipático,que a minha função ali era ser simpático-prestável-servil.Foda-se! Uma bebedeira traz quanta mal-fodência há. Haja paciência!Estou sem ela! Que seca do caralho!Na verdade, fui-lhe explicando, cheio de uma calma mortífera, ser a primeira vezque me vinham definir o feitio como 'antipático',ainda para mais alguém alcoolicamente duvidoso e que nem dois minutos tevede experiência global de mim. E reiterei-lhe ser simpático dentro do bom gosto que ser simpático também pressupõe. Nada.A mulher era uma espécie de locomotiva a vapordirectamente da Rua Escura, da Afurada ou da Ribeira,meteu na cabeça que eu tinha de me dobrar, que eu estava ali para me dobrar e ser simpático, como os moços de hotel,e foi insistindo-ferrovia as suas razões por cima de mim,com a sua voz estragada e grosseira,o tártaro infinito dos seus maxilo-inferiores alcoólicos dentes,o infinito dedo indicador em agressivo riste alcoólico,o cabelo de bruxa-má montada na alcoólica vassoura,aquele corpo desproporcional de boneco fêmea (menos o estar nu, Deo Gratias!) à Guillermo Mordillo.ljPor fim, perante o meu lado impassível, lá largou vela,regressou para o miolo do Pub. Muito mais tarde, sendo das retardatárias,já batiam as cinco horas, foi dizendo entre dentes e meio a medo,enquanto saía, «Olha o antipático!». Dentro de mim, só houve a resposta tácita de um encolher de ombros como que em câmara de espelhos multiplicadores,entre o côncavo e convexo, entre o deformador para gordo e o deformador para magro. Só sei que a imaginei, lá fora, volitando na sua vassourae a cacarejar o riso tabágico e atacado de bronquite das bruxas de todos os tempos.


O meu patrão lingrinhas anda numas de me praxar de serviços extranão previstos no inicialmente apalavrado.Tudo bem, eu faço, eu cumpro, mas como a intencionalidade de me reduzir o vencimentoacordado parece inflexível, também me parece improvável que eu continue por cá.Veremos.A seguir a um part-time vem outro.Absorvi todos os caracteres, o humano invadiu-me de grotesco e sublime,pintei o que fui vendo e sentindo - os invasores ingleses, sempre bêbados, sempre ousados,o homem-barril, só contente com duas putas e logo tamanho XL-eslavas, pobres mulheres no lado súcubo-escravo de se ser mulher e tantos outros flagrantes de um Porto imprevisto -, eu os verti na minha expressão lavrada.Larvar é a minha super-nova escrevente: testei e multipliquei o meu sentido do descritivo,mergulhei fascinado nisto, nisto de haver gente.Fora do eu e do haver gente, não há literatura que valha a pena!Steiner tem razão. Os clássicos agrestes, densos, completos, se postos de parte,se já não revisitados e obrigatórios, convertem-se nos lugares vaziosda nossa própria identidade profunda.O homem ocidental simplificado, sem o desdobramento ético das suas tragédias recorrentes,é o extraterrestre acabado de si mesmo.lkjÀs vezes, a pobre gente-escória vem até aqui, às bordas do Pub: sobem, pedem.Pedem os cêntimos de uma sopa, as moedas do sabe-Deus. Vêm do fundo do seu Tártaro de exclusão e à parte.Chegam magros, seropositivos de ser e sobretudo de parecer.É a jovem magra e esquálida que fica sempre à distância como os antigos leprosos,com a sua história silenciosa por detrás dos ossos recortados dos malares ou daqueles onde se escondem e afundam uns olhos darfurianos.É o moço célere que chega precisamente quando as luzes se apagam por completo no exterior - tem uma moeda de cinquenta cêntimos para trocara fim de, contou-me uma vez, aceder à retrete pública, essa peça metálica de arquitectura urbanaque lembra uma pequena nave espacial que se pilota cagando, mijando e xutando.Face escalavrada, unhas gigantescas e um mau-cheiro de usar moto-serra, que de cortar à faca não é hipérbole que chegue.Para que trocasse lá os cinquenta cêntimos, deixei-o adentrar-se,atravessar o Pub apinhado e acercar-se do bar.O barman atendeu-o. Enquanto esperava, vi que o moço dançava, gingava.Se fosse só por ele e pelo seu modo de dançar, aquele Pub seria um Pub Gay.Seja como for, o moço dançava, gingava. E foi a dançar-gingar que recebeu os trocos,dirigiu-se até à porta, donde eu o observava, e lá saíu sempre a gingar-dançarcom um gesto grato para comigo. «Não mais deixes entrar este.Deixou um pivete de morrer.» - veio o barman exercer pedagogia para comigo.Ouvi. Nada disse.lkjTutelo a máquina do tabaco e tenho uma espécie de comando para activá-lasempre que alguém se acerque. Quem se acerque, por bebido que esteja,faça lá o favorzinho de introduzir as suas moedas e seleccionar a marca.Uma cinquentona, porém, já bebida veio à bruta tentar exercer a fórmula do Ambrósio-apetecia-me-algo-mais-que-só-a-erecção-antena-do-comando, cuja consumação lhe cortei à sílaba intencional 'Amb' - apodou-me imediatamente de antipático e de isto e aquilo.Odeio que me peçam para meter moedinhas na ranhura. E habitualmente nem o faço nem mo pedem.Tive de ouvir, pela minha implícita recusa,uma mulher fora de si em gaguezes trôpegas a dizer-me que eu terei-servilmuito que aprender-servil para deixar de ser antipático,que a minha função ali era ser simpático-prestável-servil.Foda-se! Uma bebedeira traz quanta mal-fodência há. Haja paciência!Estou sem ela! Que seca do caralho!Na verdade, fui-lhe explicando, cheio de uma calma mortífera, ser a primeira vezque me vinham definir o feitio como 'antipático',ainda para mais alguém alcoolicamente duvidoso e que nem dois minutos tevede experiência global de mim. E reiterei-lhe ser simpático dentro do bom gosto que ser simpático também pressupõe. Nada.A mulher era uma espécie de locomotiva a vapordirectamente da Rua Escura, da Afurada ou da Ribeira,meteu na cabeça que eu tinha de me dobrar, que eu estava ali para me dobrar e ser simpático, como os moços de hotel,e foi insistindo-ferrovia as suas razões por cima de mim,com a sua voz estragada e grosseira,o tártaro infinito dos seus maxilo-inferiores alcoólicos dentes,o infinito dedo indicador em agressivo riste alcoólico,o cabelo de bruxa-má montada na alcoólica vassoura,aquele corpo desproporcional de boneco fêmea (menos o estar nu, Deo Gratias!) à Guillermo Mordillo.ljPor fim, perante o meu lado impassível, lá largou vela,regressou para o miolo do Pub. Muito mais tarde, sendo das retardatárias,já batiam as cinco horas, foi dizendo entre dentes e meio a medo,enquanto saía, «Olha o antipático!». Dentro de mim, só houve a resposta tácita de um encolher de ombros como que em câmara de espelhos multiplicadores,entre o côncavo e convexo, entre o deformador para gordo e o deformador para magro. Só sei que a imaginei, lá fora, volitando na sua vassourae a cacarejar o riso tabágico e atacado de bronquite das bruxas de todos os tempos.

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