O MAR E O DESERTOas tábuasO dominador Namibe, soba das areias e dos mares,revolta-se enciumado.procura uma arma uma defesa uma palavra.Lembra a garua, cacimbo de seu primo Atacama e, da palavraao acto, inventa a garroa.Mas sendo a água essencial pecado desperdiçar, o forte ventotraz outra chuva areada só. e quando sopraatira-lhes com toda ela cara adentro.e os caputos varrem duna o dia todo.e as areias se movem todo o dia, teimosentas.amarinham paredes e chateiam olhos, hora a hora.mas os caputos homens e mulheres que não são de se amedrontar,que já venceram sebastiões como quem agarra a vida pelos cornos,arquitectam mil trumunos e manobras.Desencantam milagrosa amante da aragem marinheira:casuarina o pinheiro australiano das arábias com sua jubaigualinha ao casuar, animal de ave que não avoa.arquitectando: espetam tal paliçada, quilómetros no deserto.e o vento areando pariu uma duna rainha.ela subindo sobe tão altoque lhe dão um nome,a serra das tábuas.No sopé da base toda das tábuas plantam casuarinas e ajardinamum tapete verde-clorofila-lindamente-belíssimo.Muitas vezes a gente se desafia“vamos embora nas tábuas?”e descalços, subimos com a força toda de mãos e pernase de mataco embalado deslizamos duna abaixo,escorrega escorregão.e repetindorepetimos a liberdade alegre na chipala,outra-outra e outra vez.estirados os corpos em cruz no areal, recebemoso bronze do sol em fogo.Outros dias saltamos no outro lado,montes de dunas até ao fim da vista e disputamosas marmorentas pedrinhas reluzindo cores miríades,a beleza toda num só godo.e os restos de búzios e conchas muitas,“como vieram do mar inté aqui?”sem sabermos ainda dos jurássicos leitos oceânicos.Também lhe chamamos as dunas a tudo isto:a serra d’areia, as tábuas, as casuarinas.e dizer “vamos nas dunas” é o mesmo que quem canta“vamos à serra enquanto o lobo não vem”.lobos não há mas tem um burro tão espertoque sabe de cor o tempo de zurrar horas da palhae professor indispensável na pedagogia infantil:“ou papas tudo ou vem aí o burro das dunas!”.Finalmente, quando Namibe descobre o porquê de tanto salode plantar casuarinas,tarde que se fez tarde,“Caputos fidasmães me bassularam revienga grande que me passaram!”Sem poder atirar com mais areia, derrota-se e resolve cooperar.Agora as casinhas rasteiras, sempre limpas, estão tão brancas de caiadas que o sol batendo logo foge, longe-longe. e as estradas terra-batendo-se, a mãe delas se espreguiça na praia toda, de ponta-a-ponta.admário costa lindo
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O MAR E O DESERTOas tábuasO dominador Namibe, soba das areias e dos mares,revolta-se enciumado.procura uma arma uma defesa uma palavra.Lembra a garua, cacimbo de seu primo Atacama e, da palavraao acto, inventa a garroa.Mas sendo a água essencial pecado desperdiçar, o forte ventotraz outra chuva areada só. e quando sopraatira-lhes com toda ela cara adentro.e os caputos varrem duna o dia todo.e as areias se movem todo o dia, teimosentas.amarinham paredes e chateiam olhos, hora a hora.mas os caputos homens e mulheres que não são de se amedrontar,que já venceram sebastiões como quem agarra a vida pelos cornos,arquitectam mil trumunos e manobras.Desencantam milagrosa amante da aragem marinheira:casuarina o pinheiro australiano das arábias com sua jubaigualinha ao casuar, animal de ave que não avoa.arquitectando: espetam tal paliçada, quilómetros no deserto.e o vento areando pariu uma duna rainha.ela subindo sobe tão altoque lhe dão um nome,a serra das tábuas.No sopé da base toda das tábuas plantam casuarinas e ajardinamum tapete verde-clorofila-lindamente-belíssimo.Muitas vezes a gente se desafia“vamos embora nas tábuas?”e descalços, subimos com a força toda de mãos e pernase de mataco embalado deslizamos duna abaixo,escorrega escorregão.e repetindorepetimos a liberdade alegre na chipala,outra-outra e outra vez.estirados os corpos em cruz no areal, recebemoso bronze do sol em fogo.Outros dias saltamos no outro lado,montes de dunas até ao fim da vista e disputamosas marmorentas pedrinhas reluzindo cores miríades,a beleza toda num só godo.e os restos de búzios e conchas muitas,“como vieram do mar inté aqui?”sem sabermos ainda dos jurássicos leitos oceânicos.Também lhe chamamos as dunas a tudo isto:a serra d’areia, as tábuas, as casuarinas.e dizer “vamos nas dunas” é o mesmo que quem canta“vamos à serra enquanto o lobo não vem”.lobos não há mas tem um burro tão espertoque sabe de cor o tempo de zurrar horas da palhae professor indispensável na pedagogia infantil:“ou papas tudo ou vem aí o burro das dunas!”.Finalmente, quando Namibe descobre o porquê de tanto salode plantar casuarinas,tarde que se fez tarde,“Caputos fidasmães me bassularam revienga grande que me passaram!”Sem poder atirar com mais areia, derrota-se e resolve cooperar.Agora as casinhas rasteiras, sempre limpas, estão tão brancas de caiadas que o sol batendo logo foge, longe-longe. e as estradas terra-batendo-se, a mãe delas se espreguiça na praia toda, de ponta-a-ponta.admário costa lindo