Split Screen: Star Trek, por Carlos Antunes

15-07-2009
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Título original: Star TrekRealização: J.J. AbramsArgumento: Roberto Orci e Alex KurtzmanElenco: Chris Pine, Zachary Quinto, Leonard Nimoy, Eric Bana, Simon Pegg e Winona RyderNão sou um Trekker, embora durante anos a fio tenha acompanhado com um gosto mais do que vulgar as aventuras de Kirk, Picard, Sisko e Janeway.Depois perdi o contacto com a série de Space Opera que sempre equilibrou bem a sua busca - científica e filosófica - no seio da última fronteira com o romance fechado no espaço daquela nave.Agora, ao retomar contacto com o filme de Abrams, aquilo que primeiro senti foi um gosto honesto pela inteligência com que ele traiu a série sendo fiel ao seu espírito de inventividade.Como foi piscando o olho a quem já conhecia as personagens mas criando espaço para relançar quase do zero um franchise que poderá agora render nos cinemas as quantias que sempre se esperaram.Mas esse gosto não foi suficiente senão para trazer de volta um saudosismo pelas tardes passadas em casa da minha avó a ver a série original.Afinal de contas, a série sempre se pautou por arrojos de imaginação e uma história envolvendo perturbações temporais geradas por buracos negros (um termo que quase foi cunhado pela série) levando a uma nova realidade e cruzando o novo com o velho Spock não cai longe disso mesmo.Não é nunca fácil manter uma história sobre tal tema dentro de uma razoabilidade lógica e se tal parece acontecer aqui é porque lhe incutem uma refinada ironia cool que leva Spock, na sua aparição envelhecida que rouba o ecrã com o talento de Leonard Nimoy, a aldrabar Kirk enquanto ao mesmo tempo oferece a Scott a fórmula que lhe faz falta, desde que isso sirva para acelerar os efeitos necessários àquela linha temporal e aos seus objectivos.Para lá disso, o que sobra verdadeiramente são breves apontamentos sobre os primeiros encontros de algumas figuras que, se não lhe forem já familiares, parecerão pouco mais que piadas.Isto porque os personagens atravessam o filme em modo funcional, anonimamente lançando one-liners quando lhes é pedido.As excepções são Uhura e Kirk, que mais substancialmente podem representar os seus papeís formatados de femininista maternal e rebelde sem causa a esconder a genialidade.E, claro, Spock, interpretado por um Zachary Quinto que parece talhado para o papel, de uma inexpressividade carregada de magnetismo e com emoções palpáveis logo abaixo dessa superfícia fria (o que, no fundo, é a evolução da sua inexpressiva mas desinteressante personagem em Heroes).Olhando o resto do filme, vemos que Abrams não faz mais do que voltar aos seus lugares de conforto (embora não necessariamente de talento), a acção a ritmo imparável, reduzida a uma escala humana que não faz sentido num filme que tem como trama a perseguição entre duas naves.Passa-se para lutas corpo a corpo e banaliza-se um cenário de ficção científica que pedia detalhes e imaginação para lá do habitual espectáculo pirotécnico.O Espaço como espaço de ficção vê-se reduzido e nem as naves ou os buracos negros são convenientemente aproveitados em película.Acredita-se que a genérica - como se constata no final - trama de viagens no tempo chega como símbolo da ficção científica que é a matriz de Star Trek.Há um desgosto nisso mesmo, de que aquilo que fazia Star Trek elevar-se para lá da mera novela televisiva fique assim esquecida, embalada numa FC que se quer apenas espectacular e não especulativa.Esse desgosto faz depois sobressair outro problema, que um "filme de origem" tenha uma trama que tão ricamente sugestiva desaproveitada sem que, no final, nos sirva uma verdadeira dose de personagens plenas é, afinal de contas, um falhanço.Mesmo com boas cenas de acção, mesmo com inventividade.Não um falhanço total, mas um falhanço ainda assim.Star Trek andou perto de ser uma grande obra, apesar de alguns defeitos que lhe seriam inerentes, mas não logrou lá chegar.Mas não há desapontamento que apague o bom entretenimento que aqui temos e que, queiramos ou não, marca o ano cinematográfico.Um falhanço que ainda assim dá gosto, portanto.


Título original: Star TrekRealização: J.J. AbramsArgumento: Roberto Orci e Alex KurtzmanElenco: Chris Pine, Zachary Quinto, Leonard Nimoy, Eric Bana, Simon Pegg e Winona RyderNão sou um Trekker, embora durante anos a fio tenha acompanhado com um gosto mais do que vulgar as aventuras de Kirk, Picard, Sisko e Janeway.Depois perdi o contacto com a série de Space Opera que sempre equilibrou bem a sua busca - científica e filosófica - no seio da última fronteira com o romance fechado no espaço daquela nave.Agora, ao retomar contacto com o filme de Abrams, aquilo que primeiro senti foi um gosto honesto pela inteligência com que ele traiu a série sendo fiel ao seu espírito de inventividade.Como foi piscando o olho a quem já conhecia as personagens mas criando espaço para relançar quase do zero um franchise que poderá agora render nos cinemas as quantias que sempre se esperaram.Mas esse gosto não foi suficiente senão para trazer de volta um saudosismo pelas tardes passadas em casa da minha avó a ver a série original.Afinal de contas, a série sempre se pautou por arrojos de imaginação e uma história envolvendo perturbações temporais geradas por buracos negros (um termo que quase foi cunhado pela série) levando a uma nova realidade e cruzando o novo com o velho Spock não cai longe disso mesmo.Não é nunca fácil manter uma história sobre tal tema dentro de uma razoabilidade lógica e se tal parece acontecer aqui é porque lhe incutem uma refinada ironia cool que leva Spock, na sua aparição envelhecida que rouba o ecrã com o talento de Leonard Nimoy, a aldrabar Kirk enquanto ao mesmo tempo oferece a Scott a fórmula que lhe faz falta, desde que isso sirva para acelerar os efeitos necessários àquela linha temporal e aos seus objectivos.Para lá disso, o que sobra verdadeiramente são breves apontamentos sobre os primeiros encontros de algumas figuras que, se não lhe forem já familiares, parecerão pouco mais que piadas.Isto porque os personagens atravessam o filme em modo funcional, anonimamente lançando one-liners quando lhes é pedido.As excepções são Uhura e Kirk, que mais substancialmente podem representar os seus papeís formatados de femininista maternal e rebelde sem causa a esconder a genialidade.E, claro, Spock, interpretado por um Zachary Quinto que parece talhado para o papel, de uma inexpressividade carregada de magnetismo e com emoções palpáveis logo abaixo dessa superfícia fria (o que, no fundo, é a evolução da sua inexpressiva mas desinteressante personagem em Heroes).Olhando o resto do filme, vemos que Abrams não faz mais do que voltar aos seus lugares de conforto (embora não necessariamente de talento), a acção a ritmo imparável, reduzida a uma escala humana que não faz sentido num filme que tem como trama a perseguição entre duas naves.Passa-se para lutas corpo a corpo e banaliza-se um cenário de ficção científica que pedia detalhes e imaginação para lá do habitual espectáculo pirotécnico.O Espaço como espaço de ficção vê-se reduzido e nem as naves ou os buracos negros são convenientemente aproveitados em película.Acredita-se que a genérica - como se constata no final - trama de viagens no tempo chega como símbolo da ficção científica que é a matriz de Star Trek.Há um desgosto nisso mesmo, de que aquilo que fazia Star Trek elevar-se para lá da mera novela televisiva fique assim esquecida, embalada numa FC que se quer apenas espectacular e não especulativa.Esse desgosto faz depois sobressair outro problema, que um "filme de origem" tenha uma trama que tão ricamente sugestiva desaproveitada sem que, no final, nos sirva uma verdadeira dose de personagens plenas é, afinal de contas, um falhanço.Mesmo com boas cenas de acção, mesmo com inventividade.Não um falhanço total, mas um falhanço ainda assim.Star Trek andou perto de ser uma grande obra, apesar de alguns defeitos que lhe seriam inerentes, mas não logrou lá chegar.Mas não há desapontamento que apague o bom entretenimento que aqui temos e que, queiramos ou não, marca o ano cinematográfico.Um falhanço que ainda assim dá gosto, portanto.

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