XimPi

27-06-2009
marcar artigo


A Invenção do AmorEm todas as esquinas da cidadenas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas janelas dos autocarrosmesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e detergentesna vitrine da pequena loja onde não entra ninguémno átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da nossa esperança de fugaum cartaz denuncia o nosso amor Em letras enormes do tamanhodo medo da solidão da angústiaum cartaz denuncia que um homem e uma mulherse encontraram num bar de hotelnuma tarde de chuvaentre zunidos de conversae inventaram o amor com caracter de urgênciadeixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia quotidiana Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e fome de ternurae souberam entender-se sem palavras inúteisApenas o silêncio A descoberta A estranhezade um sorriso natural e inesperado Não saíram de mãos dadas para a humidade diurnaDespediram-se e cada um tomou um rumo diferenteembora subterraneamente unidos pela invenção conjuntade um amor subitamente imperativo Um homem e uma mulher um cartaz denunciacolado em todas as esquinas da cidadeA rádio já falou A TV anunciaiminente a captura A policia de costumes avisadaprocura os dois amantes nos becos e nas avenidasOnde houver uma flor rubra e essencialé possível que se escondam tremendo a cada batida na porta fechada para o mundoÉ preciso encontrá-los antes que seja tardeAntes que o exemplo frutifique Antesque a invenção do amor se processe em cadeia Há pesadas sanções para os que auxiliarem os fugitivosChamem as tropas aquarteladas na provínciaConvoquem os reservistas os bombeiros os elementos da defesa passivaTodos decrete-se a lei marcial com todas as consequênciasO perigo justifica-o Um homem e uma mulherconheceram-se amaram-se perderam-se no labirinto da cidade É indispensável encontrá-los dominá-los convencê-losantes que seja tardea memória da infância nos jardins escondidosacorde a tolerância no coração das pessoas Fechem as escolas Sobretudoprotejam as crianças da contaminaçãouma agência comunica que algures ao sul do rioum menino pediu uma rosa vermelhae chorou nervosamente porque lha recusaramSegundo o director da sua escola é um pequeno triste inexplicavelmente dado aos longos silêncios e aos choros sem razãoAplicado no entanto Respeitador da disciplinaUm caso típico de inadaptação congénita disseram os psicólogosAinda bem que se revelou a tempo Vai ser internadoe submetido a um tratamento especial de recuperaçãoMas é possível que haja outros É absolutamente vitalque o diagnóstico se faça no período primário da doençaE também que se evite o contágio com o homem e a mulherde que fala no cartaz colado em todas as esquinas da cidade Está em jogo o destino da civilização que construímoso destino das máquinas das bombas de hidrogénio das normas de discriminação racialo futuro da estrutura industrial de que nos orgulhamosa verdade incontroversa das declarações políticas ... É possível que cantemmas defendam-se de entender a sua voz Alguém que os escutoudeixou cair as armas e mergulhou nas mãos o rosto banhado de lágrimasE quando foi interrogado em Tribunal de Guerrarespondeu que a voz e as palavras o faziam feliz lhe lembravam a infância Campos verdes floridosÁgua simples correndo A brisa das montanhasFoi condenado à morte é evidente É preciso evitar um mal maiorMas caminhou cantando para o muro da execuçãofoi necessário amordaçá-lo e mesmo desprendia-se deleum misterioso halo de uma felicidade incorrupta ... Procurem a mulher o homem que num barde hotel se encontraram numa tarde de chuvaSe tanto for preciso estabeleçam barricadassenhas salvo-condutos horas de recolhercensura prévia à Imprensa tribunais de excepçãoPara bem da cidade do país da culturaé preciso encontrar o casal fugitivoque inventou o amor com carácter de urgência Os jornais da manhã publicam a notíciade que os viram passar de mãos dadas sorrindonuma rua serena debruada de acáciasUm velho sem família a testemunha dizter sentido de súbito uma estranha paz interioruma voz desprendendo um cheiro a primaverao doce bafo quente da adolescência longínqua Daniel Filipe (1925 - 1964)A Invenção do Amor e Outros Poemas iluminura dum Livro de Horas


A Invenção do AmorEm todas as esquinas da cidadenas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas janelas dos autocarrosmesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e detergentesna vitrine da pequena loja onde não entra ninguémno átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da nossa esperança de fugaum cartaz denuncia o nosso amor Em letras enormes do tamanhodo medo da solidão da angústiaum cartaz denuncia que um homem e uma mulherse encontraram num bar de hotelnuma tarde de chuvaentre zunidos de conversae inventaram o amor com caracter de urgênciadeixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia quotidiana Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e fome de ternurae souberam entender-se sem palavras inúteisApenas o silêncio A descoberta A estranhezade um sorriso natural e inesperado Não saíram de mãos dadas para a humidade diurnaDespediram-se e cada um tomou um rumo diferenteembora subterraneamente unidos pela invenção conjuntade um amor subitamente imperativo Um homem e uma mulher um cartaz denunciacolado em todas as esquinas da cidadeA rádio já falou A TV anunciaiminente a captura A policia de costumes avisadaprocura os dois amantes nos becos e nas avenidasOnde houver uma flor rubra e essencialé possível que se escondam tremendo a cada batida na porta fechada para o mundoÉ preciso encontrá-los antes que seja tardeAntes que o exemplo frutifique Antesque a invenção do amor se processe em cadeia Há pesadas sanções para os que auxiliarem os fugitivosChamem as tropas aquarteladas na provínciaConvoquem os reservistas os bombeiros os elementos da defesa passivaTodos decrete-se a lei marcial com todas as consequênciasO perigo justifica-o Um homem e uma mulherconheceram-se amaram-se perderam-se no labirinto da cidade É indispensável encontrá-los dominá-los convencê-losantes que seja tardea memória da infância nos jardins escondidosacorde a tolerância no coração das pessoas Fechem as escolas Sobretudoprotejam as crianças da contaminaçãouma agência comunica que algures ao sul do rioum menino pediu uma rosa vermelhae chorou nervosamente porque lha recusaramSegundo o director da sua escola é um pequeno triste inexplicavelmente dado aos longos silêncios e aos choros sem razãoAplicado no entanto Respeitador da disciplinaUm caso típico de inadaptação congénita disseram os psicólogosAinda bem que se revelou a tempo Vai ser internadoe submetido a um tratamento especial de recuperaçãoMas é possível que haja outros É absolutamente vitalque o diagnóstico se faça no período primário da doençaE também que se evite o contágio com o homem e a mulherde que fala no cartaz colado em todas as esquinas da cidade Está em jogo o destino da civilização que construímoso destino das máquinas das bombas de hidrogénio das normas de discriminação racialo futuro da estrutura industrial de que nos orgulhamosa verdade incontroversa das declarações políticas ... É possível que cantemmas defendam-se de entender a sua voz Alguém que os escutoudeixou cair as armas e mergulhou nas mãos o rosto banhado de lágrimasE quando foi interrogado em Tribunal de Guerrarespondeu que a voz e as palavras o faziam feliz lhe lembravam a infância Campos verdes floridosÁgua simples correndo A brisa das montanhasFoi condenado à morte é evidente É preciso evitar um mal maiorMas caminhou cantando para o muro da execuçãofoi necessário amordaçá-lo e mesmo desprendia-se deleum misterioso halo de uma felicidade incorrupta ... Procurem a mulher o homem que num barde hotel se encontraram numa tarde de chuvaSe tanto for preciso estabeleçam barricadassenhas salvo-condutos horas de recolhercensura prévia à Imprensa tribunais de excepçãoPara bem da cidade do país da culturaé preciso encontrar o casal fugitivoque inventou o amor com carácter de urgência Os jornais da manhã publicam a notíciade que os viram passar de mãos dadas sorrindonuma rua serena debruada de acáciasUm velho sem família a testemunha dizter sentido de súbito uma estranha paz interioruma voz desprendendo um cheiro a primaverao doce bafo quente da adolescência longínqua Daniel Filipe (1925 - 1964)A Invenção do Amor e Outros Poemas iluminura dum Livro de Horas

marcar artigo