Regressar aos relatos da minha Noite, depois do enfoque inesperado tão completo do António, não é tarefa: escorre de mim como o vinho do Tiago, gotejando lento do espremedouro.Aqui, no Pub, trabalho subsistente, a Lei do Tabacoveio penalizar-me a mim, que não fumo, porque é agora à porta que feixes de gentese vêm aglomerar, intercortando a dança no interior com sessões intermitentes de fumo cá fora.Olho para estes esbanjadores de euros e de anos, exercendo a sua liberdade-com-bronquite,e penso que são os cigarros que os vão fumando a eles, como murros no cu,neste já Juízo Final que a Lei quer ser, Capela Sistina em pormenor das nossas escolhas. E não há lei contra isto que teima e teima.lkjAinda me passa pela mente que este povo,que raramente transcorre a barreira do consumo mínimo estipulado e chora sempre o dinheiro que gasta por música ao vivo toda a noite,semana após semana incapaz de me favorecer com a mais irrisória gorjeta,semana a semana desaguando aqui para se roçar em quem calha,para beijar e tagarelar com os habituais e os novos, tem, afinal, na garra enclavinhada neles tabágica,o começo e o fim de uma espiral de egoísmos perdulários e inúteis- imagem acabada da Caverna Obtusa em que persistem teimosamente.lkjHá aqui uma jovem prostituta brasileira muito doceque caça um tipo de homem que não seja propriamente um cavalão na foda entretanto negociada, mas um frágil senex qualquer, de putativas erecções dubitativase talvez já muito satisfeito por ter visto devorada a solidão-em-praga que assola a Cidadeao deitar-se com ela, ao pagar-lhe a pele, que é doce e sedosa de se ver e de se tocar em louro, pode imaginar-se.lkjNuma de estas noites, porém, foi um cinquentino matosinhense, com um metro e oitenta, voz roufenha,sotaque à Estebes, discurso entrecortado por imensos «fuoda-se!»'s,modos a roçar o grosseiro, amicíssimo de whiskys sucessivos, que se lembrou de lhe ir ao encontro e tentar acertar pormenores no consabido negócio.lkjAqui, no Pub, ele é claramente um daqueles homens de família colapsada talvez pseudocasado, filhos por aí, mas um daqueles homens dados a uma enorme liberdade bordeliana divertida e sempre em aberto assim e assado, que, quando abrem a conversação com álcool-hálito e perdigotos gratuitos,colam-se-a-nós-em-lapa, convertendo-nos nos ouvinte-sardinha e logo com uma tenacidade de prender dentaduras ao céu da boca.lkjSegue-se que este pescador lá tentou pactuar com ela uma situação na-tua-casa-ou-na-tua-casa.Foi de repente, num cantito do Pub que aquilo se proporcionou.E eu, que já o ouvira a filosofar sobre a Arte de Bem Cavalgar Toda a Fêmea,compreendi imediatamente que não seria bem sucedido nessa OPAcona.A jovem, embora saindo aquando a ele, telefona a chamar um Táxi e começa a afastar-se. Ele insiste em arrolar argumentos naquela conversa de náufrago. Acompanha-a até à saída. O Táxi chega. Ela entra pressurosa.Ele segue o seu caminho, baldadas as mais esforçadas palavras.lkjMais tarde, naquele timbre de Colibri-garanhão de falo falido, polinizando paleio grandiloquente e desastrado,vem contar-me que, afinal, ela se assustara com as exigências do acerto.Que tudo bem que era Puta, mas era, por assim dizer, Especializada e Selectiva.Não estava ali para levar qualquer um para ejaculações supersónicas e alcoólicas.Não estava ali para apanhar com potências cavalares esmagadorasgarantia de cãibras no abrir de pernas,garantia de cãibras no fechar de pernas, garantia de cansaços extra e nódoas negras nos joelhosde se ajoelhar onde calhe, na brutalidade sôfrega do acto em canina.Ser Puta podia e devia ser mais que isso e ter dourados e compensaçõesmais perduráveis de quem, por exemplo, se apaixonasse por ela ou, pelo menos, pelo Dom dos Seus Serviços Especializados.«Azar», disse ele, «um homem não perde por fazer-se à febra.»lkjSim, observo entranhadamente este Povo, parte do meu Povo Português verdadeiro, a obnubilar-se de si mesmo, a macular-se de desinteresse pelo que vai cá,a deixar para depois o pensar-se, que vem sempre tarde de mais ou não vem. Vejo que, envelhecendo, envelhecendo sempre,esta multidão de zombies passa ao lado de si mesmae sonega-se à regeneração pela generosidade solidária,pelo respeito das Pessoas como Pessoas, e pelo regresso Àquele Veio que a nutra de Paz e de uma sólida alegria duradoura.Um Povo que Olha, mas não Vê.Bebe imenso, dança imenso, mas há muito que não vislumbra o que seja Festa-a-Sério.
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Regressar aos relatos da minha Noite, depois do enfoque inesperado tão completo do António, não é tarefa: escorre de mim como o vinho do Tiago, gotejando lento do espremedouro.Aqui, no Pub, trabalho subsistente, a Lei do Tabacoveio penalizar-me a mim, que não fumo, porque é agora à porta que feixes de gentese vêm aglomerar, intercortando a dança no interior com sessões intermitentes de fumo cá fora.Olho para estes esbanjadores de euros e de anos, exercendo a sua liberdade-com-bronquite,e penso que são os cigarros que os vão fumando a eles, como murros no cu,neste já Juízo Final que a Lei quer ser, Capela Sistina em pormenor das nossas escolhas. E não há lei contra isto que teima e teima.lkjAinda me passa pela mente que este povo,que raramente transcorre a barreira do consumo mínimo estipulado e chora sempre o dinheiro que gasta por música ao vivo toda a noite,semana após semana incapaz de me favorecer com a mais irrisória gorjeta,semana a semana desaguando aqui para se roçar em quem calha,para beijar e tagarelar com os habituais e os novos, tem, afinal, na garra enclavinhada neles tabágica,o começo e o fim de uma espiral de egoísmos perdulários e inúteis- imagem acabada da Caverna Obtusa em que persistem teimosamente.lkjHá aqui uma jovem prostituta brasileira muito doceque caça um tipo de homem que não seja propriamente um cavalão na foda entretanto negociada, mas um frágil senex qualquer, de putativas erecções dubitativase talvez já muito satisfeito por ter visto devorada a solidão-em-praga que assola a Cidadeao deitar-se com ela, ao pagar-lhe a pele, que é doce e sedosa de se ver e de se tocar em louro, pode imaginar-se.lkjNuma de estas noites, porém, foi um cinquentino matosinhense, com um metro e oitenta, voz roufenha,sotaque à Estebes, discurso entrecortado por imensos «fuoda-se!»'s,modos a roçar o grosseiro, amicíssimo de whiskys sucessivos, que se lembrou de lhe ir ao encontro e tentar acertar pormenores no consabido negócio.lkjAqui, no Pub, ele é claramente um daqueles homens de família colapsada talvez pseudocasado, filhos por aí, mas um daqueles homens dados a uma enorme liberdade bordeliana divertida e sempre em aberto assim e assado, que, quando abrem a conversação com álcool-hálito e perdigotos gratuitos,colam-se-a-nós-em-lapa, convertendo-nos nos ouvinte-sardinha e logo com uma tenacidade de prender dentaduras ao céu da boca.lkjSegue-se que este pescador lá tentou pactuar com ela uma situação na-tua-casa-ou-na-tua-casa.Foi de repente, num cantito do Pub que aquilo se proporcionou.E eu, que já o ouvira a filosofar sobre a Arte de Bem Cavalgar Toda a Fêmea,compreendi imediatamente que não seria bem sucedido nessa OPAcona.A jovem, embora saindo aquando a ele, telefona a chamar um Táxi e começa a afastar-se. Ele insiste em arrolar argumentos naquela conversa de náufrago. Acompanha-a até à saída. O Táxi chega. Ela entra pressurosa.Ele segue o seu caminho, baldadas as mais esforçadas palavras.lkjMais tarde, naquele timbre de Colibri-garanhão de falo falido, polinizando paleio grandiloquente e desastrado,vem contar-me que, afinal, ela se assustara com as exigências do acerto.Que tudo bem que era Puta, mas era, por assim dizer, Especializada e Selectiva.Não estava ali para levar qualquer um para ejaculações supersónicas e alcoólicas.Não estava ali para apanhar com potências cavalares esmagadorasgarantia de cãibras no abrir de pernas,garantia de cãibras no fechar de pernas, garantia de cansaços extra e nódoas negras nos joelhosde se ajoelhar onde calhe, na brutalidade sôfrega do acto em canina.Ser Puta podia e devia ser mais que isso e ter dourados e compensaçõesmais perduráveis de quem, por exemplo, se apaixonasse por ela ou, pelo menos, pelo Dom dos Seus Serviços Especializados.«Azar», disse ele, «um homem não perde por fazer-se à febra.»lkjSim, observo entranhadamente este Povo, parte do meu Povo Português verdadeiro, a obnubilar-se de si mesmo, a macular-se de desinteresse pelo que vai cá,a deixar para depois o pensar-se, que vem sempre tarde de mais ou não vem. Vejo que, envelhecendo, envelhecendo sempre,esta multidão de zombies passa ao lado de si mesmae sonega-se à regeneração pela generosidade solidária,pelo respeito das Pessoas como Pessoas, e pelo regresso Àquele Veio que a nutra de Paz e de uma sólida alegria duradoura.Um Povo que Olha, mas não Vê.Bebe imenso, dança imenso, mas há muito que não vislumbra o que seja Festa-a-Sério.