BABEL: O Estado da União (ao quadrado)

28-05-2010
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Se vivêssemos nos EUA, ouviríamos periodicamente o discurso presidencial destinado à União. Ou, por cá, se estivéssemos mais próximos do Verão, teríamos o debate do Estado da Nação. Ainda do ponto de vista geográfico, voltando aos Estados Unidos e à cultura pop-teenager, a MTV costumava parodiar as rivalidades de Holllywood ficcionando combates de wrestling entre actores, cantores, agentes e gentes do showbizz. Sim, wrestling, aquela coisa ridícula onde se simulam combates, piruetas, vencedores e vencidos, sempre em fatos berrantes e justos, mas que quase deu um Óscar a Mickey Rourke.De regresso a Portugal: depois dos Fóruns de alguma esquerda; do Congresso de Espinho; da entrevista ao Expresso; da reacção do meu amigo José Lello; do ministro Santos Silva; de Carlos Candal, ainda hoje lembrado pelo épico prospecto de combate eleitoral a Paulo Portas; das inúmeras votações que levam à reinvenção da matemática e de 121 fazem 116; dos esforços de José Sócrates para manter o PS unido em ano de tri-combate eleitoral; da olímpica sapiência/paciência com que todos aceitam a liberdade absoluta de expressão sedimentada na referência histórica; do espanto espantado de quem olha de fora a acção poética do poeta; depois de tudo isto… não sei se o poeta ainda se encontra no quadrado onde se sentia nas presidenciais de 2006, ou se o poeta remeteu um conjunto generoso de pessoas ao quadrado, e observa de fora da dita figura geométrica:Não sei ao certo em que guerra estou. Todos os dias a esta hora, seis da tarde, começo a ser cercado por tropas que não vejo. Sinto-as perto de mim, sei que estão à minha volta, mas não vejo ninguém. Só os tiros, as rajadas, os «rockets». Por vezes pegam no megafone e dão-me ordem de rendição:- Estás sozinho, dizem. És um soldado sozinho numa guerra que há muito está perdida.O problema é que não sei sequer que guerra é. Não sei quem me vestiu esta farda, nem quem me mandou para aqui e me pôs uma arma nas mãos. Munições não me faltam, nem rações de combate, nem água. Todos os dias sou reabastecido. Mas também não sei por quem. Não sei tão pouco quem são os meus, nem por que país ou causa estou a combater, se é que combato pelo que quer que seja. Defendo este reduto. É o meu quadrado. Talvez não tenha sentido estar aqui a defendê-lo, mas se o perdesse eu próprio me perderia. O único sentido, que talvez não tenha grande sentido, é defender este quadrado. Até à última gota de sangue, como há muito, na recruta, me ensinaram. Por isso não me rendo. Por mais que me intimem e me intimidem continuarei a resistir. Não propriamente por razões militares ou morais. Digamos que por razões estéticas. Um homem não se rende. Talvez seja por isso que estou aqui, não sei ao certo onde nem desde quando, talvez desde sempre, no meio de um quadrado, cercado e sozinho, mas não vencido.Algures alguém me reabastece. Algures sabe que não me rendo.Todos os dias, pelas seis da tarde, aperta-se o cerco. Todos os dias, à mesma hora, me coloco em posição. É estranho que não me acertem, verdade seja que também não sei se alguma vez atingi o inimigo, se assim lhe posso chamar. Chego a perguntar-me se não é sonho, se tudo não é apenas um pesadelo e se de repente não vou acordar.Seja como for, a guerra continua. Em sonhos ou não, continua. São quase seis da tarde e sinto que eles se aproximam. Todos os dias é assim, todos os dias defendo o meu quadrado.


Se vivêssemos nos EUA, ouviríamos periodicamente o discurso presidencial destinado à União. Ou, por cá, se estivéssemos mais próximos do Verão, teríamos o debate do Estado da Nação. Ainda do ponto de vista geográfico, voltando aos Estados Unidos e à cultura pop-teenager, a MTV costumava parodiar as rivalidades de Holllywood ficcionando combates de wrestling entre actores, cantores, agentes e gentes do showbizz. Sim, wrestling, aquela coisa ridícula onde se simulam combates, piruetas, vencedores e vencidos, sempre em fatos berrantes e justos, mas que quase deu um Óscar a Mickey Rourke.De regresso a Portugal: depois dos Fóruns de alguma esquerda; do Congresso de Espinho; da entrevista ao Expresso; da reacção do meu amigo José Lello; do ministro Santos Silva; de Carlos Candal, ainda hoje lembrado pelo épico prospecto de combate eleitoral a Paulo Portas; das inúmeras votações que levam à reinvenção da matemática e de 121 fazem 116; dos esforços de José Sócrates para manter o PS unido em ano de tri-combate eleitoral; da olímpica sapiência/paciência com que todos aceitam a liberdade absoluta de expressão sedimentada na referência histórica; do espanto espantado de quem olha de fora a acção poética do poeta; depois de tudo isto… não sei se o poeta ainda se encontra no quadrado onde se sentia nas presidenciais de 2006, ou se o poeta remeteu um conjunto generoso de pessoas ao quadrado, e observa de fora da dita figura geométrica:Não sei ao certo em que guerra estou. Todos os dias a esta hora, seis da tarde, começo a ser cercado por tropas que não vejo. Sinto-as perto de mim, sei que estão à minha volta, mas não vejo ninguém. Só os tiros, as rajadas, os «rockets». Por vezes pegam no megafone e dão-me ordem de rendição:- Estás sozinho, dizem. És um soldado sozinho numa guerra que há muito está perdida.O problema é que não sei sequer que guerra é. Não sei quem me vestiu esta farda, nem quem me mandou para aqui e me pôs uma arma nas mãos. Munições não me faltam, nem rações de combate, nem água. Todos os dias sou reabastecido. Mas também não sei por quem. Não sei tão pouco quem são os meus, nem por que país ou causa estou a combater, se é que combato pelo que quer que seja. Defendo este reduto. É o meu quadrado. Talvez não tenha sentido estar aqui a defendê-lo, mas se o perdesse eu próprio me perderia. O único sentido, que talvez não tenha grande sentido, é defender este quadrado. Até à última gota de sangue, como há muito, na recruta, me ensinaram. Por isso não me rendo. Por mais que me intimem e me intimidem continuarei a resistir. Não propriamente por razões militares ou morais. Digamos que por razões estéticas. Um homem não se rende. Talvez seja por isso que estou aqui, não sei ao certo onde nem desde quando, talvez desde sempre, no meio de um quadrado, cercado e sozinho, mas não vencido.Algures alguém me reabastece. Algures sabe que não me rendo.Todos os dias, pelas seis da tarde, aperta-se o cerco. Todos os dias, à mesma hora, me coloco em posição. É estranho que não me acertem, verdade seja que também não sei se alguma vez atingi o inimigo, se assim lhe posso chamar. Chego a perguntar-me se não é sonho, se tudo não é apenas um pesadelo e se de repente não vou acordar.Seja como for, a guerra continua. Em sonhos ou não, continua. São quase seis da tarde e sinto que eles se aproximam. Todos os dias é assim, todos os dias defendo o meu quadrado.

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