O Cachimbo de Magritte: Mavi Marmara, um mês depois

26-01-2011
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Uma das coisas mais intratáveis - pela sua intrínseca ininteligibilidade -, que ganhou uma evidência especial no episódio da flotilha Mavi Marmara, é a impermeabilidade dos preconceitos à evidência dos factos.Circularam pelo mundo em abundância, quase ao mesmo tempo que as notícias do confronto entre o comando israelita e o núcleo tripulante islamita, vídeos com a identificação inequívoca deste; com a parte islâmica dos activistas entoando canções de apelo ao massacre dos judeus: Khybar Khybar Ya Yahud!; com declarações entusiásticas dos seus militantes mais activos perante a possibilidade que se lhes abria de morrerem em martírio; copiosa documentação estabelecendo as ligações da organização turca da iniciativa (IHH) com o Hamas e outras organizações terroristas islâmicas, nomeadamente a Al-Qaeda.Depois, a evidência de que nenhum propósito humanitário movia o programa, quando se via a recusa da tripulação em entregar os bens às autoridades israelitas, que os fariam entrar em Gaza; depois ainda, as autoridades de Gaza recusando-se a receber os bens recolhidos pelas autoridades israelitas; um ou dois dias mais tarde, mais vídeos mostrando o núcleo islamita em nítida preparação para um confronto com as Forças de Defesa de Israel, ao mesmo tempo que a identidade individual dos activistas ia sendo divulgada. Tudo, desde os primeiros minutos da cobertura do episódio, e nos dias imediatamente a seguir, apontava para a evidência clamorosa de que se tratava de um acto de guerra: furar o bloqueio, imposto por Israel, numa iniciativa do Hamas e organizações afins, com o estímulo, mais do que a simples cobertura, da Turquia.A parte mais complicada de tudo isto não está na reacção dos grupos extremistas e minoritários da esquerda europeia (e não só), cuja aliança com o que de mais reaccionário existe no mundo islâmico passou a ser um dado: é-lhes indiferente que os gays sejam mortos por serem gays, que as mulheres estejam condenadas à submissão, e a religião, como motivo de guerra ao Ocidente «infiel» e «decadente», seja o alfa e o ómega - proclamado alto e bom som - da sua ideologia.O mais complicado é a compreensão média dos órgãos de comunicação e do político médio: nenhuma sucessão elementar de evidências os convenceu de que se tratava de um acto beligerante: furar um bloqueio, imposto como meio - bem sucedido - de impedir o Hamas de se estabelecer, armando-se, definitivamente em Gaza, estabelecimento que é, aparentemente, condenado por todo o Ocidente (com excepção, claro, das ditas franjas).O envolvimento determinante da Turquia, desde muito cedo tornado evidente, tão-pouco foi percebido como um momentoso passo em frente na direcção de um novo protagonismo e de uma ruptura de alianças que altera radicalmente o jogo de forças na região.Nada, a não ser a farsa humanitária, que não se dá sequer já ao trabalho de parecer convincentemente que o é, tocou a corda sensível desse sistema de compreensão média. A razão política deixou de ser possível sob o domínio esmagador desse sistema, que só é capaz de juízos morais sumários, sendo que o uso da força - ostensivamente provocado, et pour cause -, único meio de que Israel dispõe na circunstância da guerra assimétrica que trava pela sua sobrevivência, está por definição condenado (sempre com a obscura declaração de que é «desproporcionado» - sem que se consiga perceber que seria em cada caso a proporção: neste, por exemplo, facas e paus?).Não sei se é mais de lamentar a sorte de Israel perante semelhante cegueira dos que seriam, em princípio, os seus aliados na opinião pública internacional, pela natural partilha de valores básicos de civilização, se a desta Europa desarmada espiritualmente, indefesa e docilmente manipulável por aqueles que não escondem que sonham com o seu fim.


Uma das coisas mais intratáveis - pela sua intrínseca ininteligibilidade -, que ganhou uma evidência especial no episódio da flotilha Mavi Marmara, é a impermeabilidade dos preconceitos à evidência dos factos.Circularam pelo mundo em abundância, quase ao mesmo tempo que as notícias do confronto entre o comando israelita e o núcleo tripulante islamita, vídeos com a identificação inequívoca deste; com a parte islâmica dos activistas entoando canções de apelo ao massacre dos judeus: Khybar Khybar Ya Yahud!; com declarações entusiásticas dos seus militantes mais activos perante a possibilidade que se lhes abria de morrerem em martírio; copiosa documentação estabelecendo as ligações da organização turca da iniciativa (IHH) com o Hamas e outras organizações terroristas islâmicas, nomeadamente a Al-Qaeda.Depois, a evidência de que nenhum propósito humanitário movia o programa, quando se via a recusa da tripulação em entregar os bens às autoridades israelitas, que os fariam entrar em Gaza; depois ainda, as autoridades de Gaza recusando-se a receber os bens recolhidos pelas autoridades israelitas; um ou dois dias mais tarde, mais vídeos mostrando o núcleo islamita em nítida preparação para um confronto com as Forças de Defesa de Israel, ao mesmo tempo que a identidade individual dos activistas ia sendo divulgada. Tudo, desde os primeiros minutos da cobertura do episódio, e nos dias imediatamente a seguir, apontava para a evidência clamorosa de que se tratava de um acto de guerra: furar o bloqueio, imposto por Israel, numa iniciativa do Hamas e organizações afins, com o estímulo, mais do que a simples cobertura, da Turquia.A parte mais complicada de tudo isto não está na reacção dos grupos extremistas e minoritários da esquerda europeia (e não só), cuja aliança com o que de mais reaccionário existe no mundo islâmico passou a ser um dado: é-lhes indiferente que os gays sejam mortos por serem gays, que as mulheres estejam condenadas à submissão, e a religião, como motivo de guerra ao Ocidente «infiel» e «decadente», seja o alfa e o ómega - proclamado alto e bom som - da sua ideologia.O mais complicado é a compreensão média dos órgãos de comunicação e do político médio: nenhuma sucessão elementar de evidências os convenceu de que se tratava de um acto beligerante: furar um bloqueio, imposto como meio - bem sucedido - de impedir o Hamas de se estabelecer, armando-se, definitivamente em Gaza, estabelecimento que é, aparentemente, condenado por todo o Ocidente (com excepção, claro, das ditas franjas).O envolvimento determinante da Turquia, desde muito cedo tornado evidente, tão-pouco foi percebido como um momentoso passo em frente na direcção de um novo protagonismo e de uma ruptura de alianças que altera radicalmente o jogo de forças na região.Nada, a não ser a farsa humanitária, que não se dá sequer já ao trabalho de parecer convincentemente que o é, tocou a corda sensível desse sistema de compreensão média. A razão política deixou de ser possível sob o domínio esmagador desse sistema, que só é capaz de juízos morais sumários, sendo que o uso da força - ostensivamente provocado, et pour cause -, único meio de que Israel dispõe na circunstância da guerra assimétrica que trava pela sua sobrevivência, está por definição condenado (sempre com a obscura declaração de que é «desproporcionado» - sem que se consiga perceber que seria em cada caso a proporção: neste, por exemplo, facas e paus?).Não sei se é mais de lamentar a sorte de Israel perante semelhante cegueira dos que seriam, em princípio, os seus aliados na opinião pública internacional, pela natural partilha de valores básicos de civilização, se a desta Europa desarmada espiritualmente, indefesa e docilmente manipulável por aqueles que não escondem que sonham com o seu fim.

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