ambio: Pois canté!

28-05-2010
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Devo estar muito velho.A enorme maioria das pessoas que conheço e que sabem o significado da expressão que uso no título do post conhecem-na apenas do excelente disco do Grupo de Acção Cultural Vozes na Luta, um dos melhores disco de música portuguesa que conheço (podem dar aqui um salto, sobretudo os mais novos). Entretanto uma notícia de ontem diz que os discos vão ser reeditados em CD. Um grande abraço a quem o fizer, só num país de tontos seria possível estes discos ficarem eternamente proscritos da rádio.Mas de facto eu ainda ouvi usar a expressão em conversas correntes, da mesma forma que ainda conheci bastante gente que distinguia o ch do x apesar de serem analfabetos que nunca aprenderam a ler nada (Intchada morreu a tua avó, respondiam, quando um urbanita resolvia dizer entchada por ouvir dizer satchola). Hoje penso que já é difícil ouvir usar pois canté e distinguir na fala o ch do x.Ouço com alguma frequência o dito disco, que me fez lembrar a história da água de Alqueva que o Ecotretas conta para justificar a irracionalidade da bombagem nas barragens.Foi quando o José Mário Branco, num evidente tom de troça, mas sempre com a qualidade inultrapassável que o caracteriza, canta (a partir de certa altura ajudado pelo coro):"tanta propaganda na telefoniaa falar da grande crise da energiacom tanto desempregado quem diriafala o aldrabãoe ri-se o patrãoisto inté que há-de mudar um diapois canté!"Não que eu esteja a chamar aldrabão ao Ecotretas (hesitei em transcrever essa parte) mas pelo mesma lógica de raciocínio do GAC em 1975: como pode haver crise de energia se há tanto desempregado. Ou na versão moderna, para quê fazer eólicas se a água de Alqueva é despejada sem ser turbinada.Diz o Ecotretas que dois terços da água de Alqueva foi desperdiçada (ver aqui).Comecemos por uns dados simples:no primeiro trimestre de 2010 a energia usada em bombagem em barragens foi de 94 GWh. Acontece que no mesmo período de 2009 foram usados 148GWh, isto é, bastante mais. Nos mesmos períodos a energia eólica produzida foi de 2,8 TWh em 2010 e 1,7 TWh em 2009. Ou seja, apesar de uma produção eólica muito maior, houve muito menos bombagem no primeiro trimestre de 2010 em relação a 2009.Poder-se-á argumentar que isso se deve ao facto das albufeiras estarem cheias e por isso não ser razoável bombar, o que justificaria a exportação a preço zero da energia produzida a mais, que o distribuidor está obrigado a comprar aos produtores eólicos mesmo que não tenha mercado para essa energia. Mas o que não se pode dizer é que a bombagem é feita porque há eólica a mais, porque parece evidente a falta de nexo de causalidade entre a produção eólica e a necessidade de bombagem (a fantástica teoria de Pinto de Sá sobre a coincidência entre chuva e vento está mais relacionado com bobagens que com bombagens).Em qualquer caso parece-me fantasioso argumentar com a energia potencial não turbinada em Alqueva porque todos sabemos que ninguém dimensiona os equipamentos para turbinar caudais que são excepcionalmente elevados, seria completamente irracional porque implicaria usar essa potência num número ínfimo de dias, sendo pois impossível de obter retorno para o investimento.A lógica da turbinagem não tem nada com a dimensão física da energia produzida (não vale a pena discutir em Wh) mas sim com a dimensão económica da coisa (ou seja, só faz sentido discutir em euros).Comprar energia barata em horas de vazio para produzir menos energia, mas nas horas de maior consumo, faz sentido se o aumento de preço compensar a diminuição da quantidade física.Parece-me um conceito rudimentar o mercado da energia que até um ignorante como eu é capaz de perceber e explicar.É por isso que não entendo por que razão o Ecotretas, sempre preocupado com a dimensão económica do mercado da energia (e bem) de repente resolve discutir esta questão evitando discutir a sua racionalidade económica.Parece o actual governo a discutir as renováveis apenas nos aspectos físicos ou na diminuição das importações, esquecendo-se de discutir os aspectos económicos associados aos preços, a uma política incompreensível de intervenção administrativa no preço e esquecendo a coluna dos custos em que incorremos para ter a poupança que é referida como um bem em si.Eu, que não tenho biblioteca, continuo convencido de que ganhávamos todos em introduzir racionalidade na discussão em vez de querermos esmagar o adversário para facilitar a dominância deste ou daquele modelo de produção de electricidade.Entre outras razões porque o problema da electricidade é um problema relativamente menor na política energética do país. Adenda: a bombagem, ao repôr energia potencial no sistema a partir das horas de vazio, permite que a potência instalada para responder aos picos possa ser menor, aspecto que não sei se será despiciendo do ponto de vista económico e ambiental henrique pereira dos santos


Devo estar muito velho.A enorme maioria das pessoas que conheço e que sabem o significado da expressão que uso no título do post conhecem-na apenas do excelente disco do Grupo de Acção Cultural Vozes na Luta, um dos melhores disco de música portuguesa que conheço (podem dar aqui um salto, sobretudo os mais novos). Entretanto uma notícia de ontem diz que os discos vão ser reeditados em CD. Um grande abraço a quem o fizer, só num país de tontos seria possível estes discos ficarem eternamente proscritos da rádio.Mas de facto eu ainda ouvi usar a expressão em conversas correntes, da mesma forma que ainda conheci bastante gente que distinguia o ch do x apesar de serem analfabetos que nunca aprenderam a ler nada (Intchada morreu a tua avó, respondiam, quando um urbanita resolvia dizer entchada por ouvir dizer satchola). Hoje penso que já é difícil ouvir usar pois canté e distinguir na fala o ch do x.Ouço com alguma frequência o dito disco, que me fez lembrar a história da água de Alqueva que o Ecotretas conta para justificar a irracionalidade da bombagem nas barragens.Foi quando o José Mário Branco, num evidente tom de troça, mas sempre com a qualidade inultrapassável que o caracteriza, canta (a partir de certa altura ajudado pelo coro):"tanta propaganda na telefoniaa falar da grande crise da energiacom tanto desempregado quem diriafala o aldrabãoe ri-se o patrãoisto inté que há-de mudar um diapois canté!"Não que eu esteja a chamar aldrabão ao Ecotretas (hesitei em transcrever essa parte) mas pelo mesma lógica de raciocínio do GAC em 1975: como pode haver crise de energia se há tanto desempregado. Ou na versão moderna, para quê fazer eólicas se a água de Alqueva é despejada sem ser turbinada.Diz o Ecotretas que dois terços da água de Alqueva foi desperdiçada (ver aqui).Comecemos por uns dados simples:no primeiro trimestre de 2010 a energia usada em bombagem em barragens foi de 94 GWh. Acontece que no mesmo período de 2009 foram usados 148GWh, isto é, bastante mais. Nos mesmos períodos a energia eólica produzida foi de 2,8 TWh em 2010 e 1,7 TWh em 2009. Ou seja, apesar de uma produção eólica muito maior, houve muito menos bombagem no primeiro trimestre de 2010 em relação a 2009.Poder-se-á argumentar que isso se deve ao facto das albufeiras estarem cheias e por isso não ser razoável bombar, o que justificaria a exportação a preço zero da energia produzida a mais, que o distribuidor está obrigado a comprar aos produtores eólicos mesmo que não tenha mercado para essa energia. Mas o que não se pode dizer é que a bombagem é feita porque há eólica a mais, porque parece evidente a falta de nexo de causalidade entre a produção eólica e a necessidade de bombagem (a fantástica teoria de Pinto de Sá sobre a coincidência entre chuva e vento está mais relacionado com bobagens que com bombagens).Em qualquer caso parece-me fantasioso argumentar com a energia potencial não turbinada em Alqueva porque todos sabemos que ninguém dimensiona os equipamentos para turbinar caudais que são excepcionalmente elevados, seria completamente irracional porque implicaria usar essa potência num número ínfimo de dias, sendo pois impossível de obter retorno para o investimento.A lógica da turbinagem não tem nada com a dimensão física da energia produzida (não vale a pena discutir em Wh) mas sim com a dimensão económica da coisa (ou seja, só faz sentido discutir em euros).Comprar energia barata em horas de vazio para produzir menos energia, mas nas horas de maior consumo, faz sentido se o aumento de preço compensar a diminuição da quantidade física.Parece-me um conceito rudimentar o mercado da energia que até um ignorante como eu é capaz de perceber e explicar.É por isso que não entendo por que razão o Ecotretas, sempre preocupado com a dimensão económica do mercado da energia (e bem) de repente resolve discutir esta questão evitando discutir a sua racionalidade económica.Parece o actual governo a discutir as renováveis apenas nos aspectos físicos ou na diminuição das importações, esquecendo-se de discutir os aspectos económicos associados aos preços, a uma política incompreensível de intervenção administrativa no preço e esquecendo a coluna dos custos em que incorremos para ter a poupança que é referida como um bem em si.Eu, que não tenho biblioteca, continuo convencido de que ganhávamos todos em introduzir racionalidade na discussão em vez de querermos esmagar o adversário para facilitar a dominância deste ou daquele modelo de produção de electricidade.Entre outras razões porque o problema da electricidade é um problema relativamente menor na política energética do país. Adenda: a bombagem, ao repôr energia potencial no sistema a partir das horas de vazio, permite que a potência instalada para responder aos picos possa ser menor, aspecto que não sei se será despiciendo do ponto de vista económico e ambiental henrique pereira dos santos

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