Uma mão pode acariciar, ameaçar, agarrar, bater, criar, mesmo matar!Com a mão, o homem exprime e manipula o mundo ou pelo contrário pode contruir um à sua própria imagem...(As mãos de Deus, de Rodin)O cerimonial das mãosMãe, onde foi que deixaste a outra metade,a que anunciava o sol na turvação das noites, a que iluminava a sombra no cerimonial das mãos? Em que côncavo de rochas buscava abrigoessa outra metade que eu via projectada para fora de mimcomo um sonho evadindo-se do círculo de medos em que a fúria se jogava? Eu era gémeo de todos os assombros e os meus segredos era com essa outra metade que os partilhava à revelia das bocas que em surdina me traçavam o destino. Quanto de mim se perdia nessa metade que me furtava o riso e me deixava a culpa, que me feria o ventre e me fustigava a pele?Quanto de mim me flagelavasem que eu lhe conhecesse morada ou nome? Mãe, eu pedia uma trégua ao ventoe um punhal à chuva e com ambos queriaseparar de mima metade incandescente que à beira dos meus gestos ganhava altura de nuvem e fulgor de estrela. Mãe, eu vejo-me outro nesta camaque guarda os instrumentos liquefeitos da insóniae sei que não sou eu quem lá está, que não sou eu que lá quero estar. José Jorge Letria, in "A Tentação da Felicidade
Uma mão pode acariciar, ameaçar, agarrar, bater, criar, mesmo matar!Com a mão, o homem exprime e manipula o mundo ou pelo contrário pode contruir um à sua própria imagem...(As mãos de Deus, de Rodin)O cerimonial das mãosMãe, onde foi que deixaste a outra metade,a que anunciava o sol na turvação das noites, a que iluminava a sombra no cerimonial das mãos? Em que côncavo de rochas buscava abrigoessa outra metade que eu via projectada para fora de mimcomo um sonho evadindo-se do círculo de medos em que a fúria se jogava? Eu era gémeo de todos os assombros e os meus segredos era com essa outra metade que os partilhava à revelia das bocas que em surdina me traçavam o destino. Quanto de mim se perdia nessa metade que me furtava o riso e me deixava a culpa, que me feria o ventre e me fustigava a pele?Quanto de mim me flagelavasem que eu lhe conhecesse morada ou nome? Mãe, eu pedia uma trégua ao ventoe um punhal à chuva e com ambos queriaseparar de mima metade incandescente que à beira dos meus gestos ganhava altura de nuvem e fulgor de estrela. Mãe, eu vejo-me outro nesta camaque guarda os instrumentos liquefeitos da insóniae sei que não sou eu quem lá está, que não sou eu que lá quero estar. José Jorge Letria, in "A Tentação da Felicidade