René Magritte - The Unexpected AnswerNão era uma porta. Afinal. Era um coração. Quando um coração se fecha faz um barulho do caraças. Quando um coração se fecha faz um barulho i n s u p o r t á v e l. E eu à espera do buraco na porta. E eu à espera do buraco no coração. Eu. Que faço ainda eu aqui. Com este buraco cá dentro? Nenhuma resposta. Um coração fechado. Com muita força. Outro com um buraco. E depois? E então? Ninguém morreu dizem-me. Ninguém se feriu com gravidade. Repetem-me. Um acidente inconsequente, portanto. Lamentável. Mas. Ainda. Assim. Inconsequente. E depois? E então? A porta fecha. O coração fecha. O buraco há-de coser-se com linha grossa. A cicatriz ficará horrível, já se sabe. Mas ninguém morreu. Ninguém se feriu com gravidade. Voltam a repetir. Me. Bateu-se com a cabeça nas paredes. Com o carro contra uma árvore. Com a puta da existência contra o que de pior somos. A vida continua. Fácil e leve. Como sempre. E depois? E então? Ora. Há-de aparecer alguém. Numa curva lá mais para a frente. Alguém a quem se dará boleia. Alguém que. Quando te despires completamente. Verá a cicatriz horrível. Mas não te fará perguntas. Nem quererá respostas. Limitar-se-à a passar o dedo pelos altos da carne mal cerzida. E compreenderá os teus dias bons. Os teus dias (demasiado) maus. O teu lado do sol. E o teu lado (muito) escuro . Com sorte. Alguém que. Te descoserá a cicatriz e com linha de seda e mãos seguras te recuperará a pele. O coração. A porta. E depois? E então? Nada. É mesmo assim. Um coração quando se fecha faz um barulho indescritível. Quando se abre, o coração, é num silêncio absoluto e límpido. O silêncio com que estranhamente se aceitam as pessoas mortas. As pessoas feridas. As pessoas (des)conhecidas. Apesar de tudo.* Miles Davis (9:25) in 'Kind of Blue'
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René Magritte - The Unexpected AnswerNão era uma porta. Afinal. Era um coração. Quando um coração se fecha faz um barulho do caraças. Quando um coração se fecha faz um barulho i n s u p o r t á v e l. E eu à espera do buraco na porta. E eu à espera do buraco no coração. Eu. Que faço ainda eu aqui. Com este buraco cá dentro? Nenhuma resposta. Um coração fechado. Com muita força. Outro com um buraco. E depois? E então? Ninguém morreu dizem-me. Ninguém se feriu com gravidade. Repetem-me. Um acidente inconsequente, portanto. Lamentável. Mas. Ainda. Assim. Inconsequente. E depois? E então? A porta fecha. O coração fecha. O buraco há-de coser-se com linha grossa. A cicatriz ficará horrível, já se sabe. Mas ninguém morreu. Ninguém se feriu com gravidade. Voltam a repetir. Me. Bateu-se com a cabeça nas paredes. Com o carro contra uma árvore. Com a puta da existência contra o que de pior somos. A vida continua. Fácil e leve. Como sempre. E depois? E então? Ora. Há-de aparecer alguém. Numa curva lá mais para a frente. Alguém a quem se dará boleia. Alguém que. Quando te despires completamente. Verá a cicatriz horrível. Mas não te fará perguntas. Nem quererá respostas. Limitar-se-à a passar o dedo pelos altos da carne mal cerzida. E compreenderá os teus dias bons. Os teus dias (demasiado) maus. O teu lado do sol. E o teu lado (muito) escuro . Com sorte. Alguém que. Te descoserá a cicatriz e com linha de seda e mãos seguras te recuperará a pele. O coração. A porta. E depois? E então? Nada. É mesmo assim. Um coração quando se fecha faz um barulho indescritível. Quando se abre, o coração, é num silêncio absoluto e límpido. O silêncio com que estranhamente se aceitam as pessoas mortas. As pessoas feridas. As pessoas (des)conhecidas. Apesar de tudo.* Miles Davis (9:25) in 'Kind of Blue'