Ha' pelo menos dois pontos que me parecem fundamentais e que determinam de forma categorica a minha oposicao a parte significativa da filosofia politica da Escola Austriaca:1-A definicao daquilo que e' ou nao politicoO RAF escreveu:"Hayek para mim teve a virtude de definir com clareza qual o espaço que está reservado ao político, e qual o papel que os cidadãos têm numa realidade que não é apenas a sua. Se afirma algum autoritarismo, é a da afirmação do eu, como ponto de partida para uma humanidade inclusiva, e não exclusiva, onde cada um tem um espaço que é seu." O meu problema com este tipo de argumento e' que ninguem tem o direito de definir aquilo que e ou nao politico de uma forma que anteceda a propria realidade politica. Mesmo o conceito de direito e' necessariamente algo politico, e, como tal, nunca pode ter pretensoes fundadoras. A fronteira politico-privado e' necessariamente estabelecida politica e historicamente, pois esta nao e' fixa mas sempre um produto do debate politico (houve epocas em que entre marido e mulher nao se metia a colher) que nao se pode definir nem determinar aprioristicamente. A delimitacao do espaco publico-privado e fluida e contestada. Ela envolve conflitos interpretativos, cujo equilibrio e sempre precario. Posto isto, ela e' determinada temporalmente, sempre atraves da propria practica politica, e nunca por recurso a simples posicoes teoricas. Nem o Hayek nem ninguem tem o direito de cristalizar a politica atraves das suas posicoes ideologicas -por muita "ciencia" que invoquem.Essa tentativa corresponde a algo que o Platao tentou fazer na Republica, e nao passa de' uma forma subtil de autoritarismo.E' um autoritarismo que, para alem dos seus diferentes problemas teoricos, falha necessariamente na practica. A realidade politica existe e e' autonoma -independentemente da vontade de qualquer pensador- quer gostemos dela quer nao. A realidade de uma coisa nao se determina por intermedio da vontade, pois ela e' simplesmente aquilo com que temos de lidar, e nao existe elaboracao teorica que a transcenda. Quaisquer argumentos em favor dos direitos A ou B sao sempre politicos e nunca meta-politicos. Eles existem e tem valor enquanto posicao normativa de um ou mais cidadaos, mas nao antecedem nenhum outro na realidade concreta que e' a politica. As suas posicoes sao ideologicas (sem qualquer carga pejorativa) e, como tal, servem para mobilizar cidadaos na sua participacao e orientacao politica, mas apenas isso.2- A ideia de que a comunidade e' um ente colectivo ou uma substancia e que a Democracia e apenas um metodo de decisao que corresponde a vontade da maioria. O RAF escreveu:Do que eu tenho receio não é da afirmação do eu individual, como ponto de partida para uma cooperação justa, mas de quem afirma a «legitimidade» dos «outros», não como seres individualmente considerados, na sua forma plural, mas como uma «comunidade política concreta», conjugada no singular. É neste «Eu Colectivo», Singular, Unidimensional (porque reduz – e utilizando as tuas expressões – a existência humana a uma dimensão essencialmente politica), que eu encontro derivas tendencialmente autoritárias; onde encontro platonismos é na forma como apresentas «democracia», elevada ao estatuto de «valor», porque vale «em si», oferecida como um processo dialéctico que se exprime necessariamente numa síntese que se impõe ao todo.Eu nao concebo a comunidade politica como sendo um ente ou um agente colectivo. A comunidade existe e e' determinante enquanto realidade socio-politica onde estamos necessariamente situados e onde tentamos fazer valer as nossas posicoes. Ela e' temporal, existindo apenas enquanto temporalidade. Ela e' o tal contrato entre vivos, mortos e aqueles por nascer de que fala Burke. Mas este contrato nao e'definido a priori por intermedio de um conjunto de leis ou ordens imutaveis, mas consiste numa forma de vida concreta e historicamente situada na qual as pessoas se relacionam de determinada maneira. Ela e' uma relacao estruturada normativa e constitucionalmente, mas nao e' rigida, pois os termos que a definem sao sempre disputados, reinterpretados, mutaveis, e nunca algo pre-politico ou sagrado (a rejeicao da escravatura nao esta inscrita no ceu, nem em leis eternas, mas apenas na rejeicao temporal que nos, como Democratas civilizados, nos recusamos a por em causa. Somos nos e nao Deus ou a Lei que rejeitamos ou aceitamos coisas)A Democracia nao corresponde a um momento singular ou a um presente ficticio, no qual um individuo se encontra perante todos os outros, onde se tomam decisoes do tudo ou nada. Areas como a Public Choice concebem-na neste termos e conceptualizam-na como um simples metodo de decisao colectivo, o que torna a sua desconfianca face a democracia inevitavel. Mas a rejeicao por eles proclamada depende dos pressupostos particulares dos autores e nao da sua realidade concreta. Ao contrario do que alguns pretendem defender, mais do que um metodo, ela e' sobretudo uma realidade politica -uma relacao entre cidadaos- estendida no tempo, na qual os individuos necessariamente participam, e onde reproduzem e determinam (aqui nao ha apenas uma estrutura fixa que e reproduzida no tempo, mas uma dialectica reproducao-producao) conjuntamente os termos da sua existencia colectiva.Uma filosofia politica que ve a democracia como um mal necessario representa a rejeicao total da politica. E e' nisto que ela e' Platonica e de Direita, pois tenta estabelecer aprioristicamente aquilo que so pode ser determinado atraves de uma accao temporal conjunta e em dialogo permanente com os seus co-cidadaos.nota: para alem do RAF, este post e' dedicado a todos os blogues de direita que se identifiquem com as ideias destes autores -A Blasfemia, Arte da Fuga, O Insurgente e afins...nota2: Existem, obviamente, apriorismos de Esquerda (e.g. Rawls), aos quais este post tambem se aplica.
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Ha' pelo menos dois pontos que me parecem fundamentais e que determinam de forma categorica a minha oposicao a parte significativa da filosofia politica da Escola Austriaca:1-A definicao daquilo que e' ou nao politicoO RAF escreveu:"Hayek para mim teve a virtude de definir com clareza qual o espaço que está reservado ao político, e qual o papel que os cidadãos têm numa realidade que não é apenas a sua. Se afirma algum autoritarismo, é a da afirmação do eu, como ponto de partida para uma humanidade inclusiva, e não exclusiva, onde cada um tem um espaço que é seu." O meu problema com este tipo de argumento e' que ninguem tem o direito de definir aquilo que e ou nao politico de uma forma que anteceda a propria realidade politica. Mesmo o conceito de direito e' necessariamente algo politico, e, como tal, nunca pode ter pretensoes fundadoras. A fronteira politico-privado e' necessariamente estabelecida politica e historicamente, pois esta nao e' fixa mas sempre um produto do debate politico (houve epocas em que entre marido e mulher nao se metia a colher) que nao se pode definir nem determinar aprioristicamente. A delimitacao do espaco publico-privado e fluida e contestada. Ela envolve conflitos interpretativos, cujo equilibrio e sempre precario. Posto isto, ela e' determinada temporalmente, sempre atraves da propria practica politica, e nunca por recurso a simples posicoes teoricas. Nem o Hayek nem ninguem tem o direito de cristalizar a politica atraves das suas posicoes ideologicas -por muita "ciencia" que invoquem.Essa tentativa corresponde a algo que o Platao tentou fazer na Republica, e nao passa de' uma forma subtil de autoritarismo.E' um autoritarismo que, para alem dos seus diferentes problemas teoricos, falha necessariamente na practica. A realidade politica existe e e' autonoma -independentemente da vontade de qualquer pensador- quer gostemos dela quer nao. A realidade de uma coisa nao se determina por intermedio da vontade, pois ela e' simplesmente aquilo com que temos de lidar, e nao existe elaboracao teorica que a transcenda. Quaisquer argumentos em favor dos direitos A ou B sao sempre politicos e nunca meta-politicos. Eles existem e tem valor enquanto posicao normativa de um ou mais cidadaos, mas nao antecedem nenhum outro na realidade concreta que e' a politica. As suas posicoes sao ideologicas (sem qualquer carga pejorativa) e, como tal, servem para mobilizar cidadaos na sua participacao e orientacao politica, mas apenas isso.2- A ideia de que a comunidade e' um ente colectivo ou uma substancia e que a Democracia e apenas um metodo de decisao que corresponde a vontade da maioria. O RAF escreveu:Do que eu tenho receio não é da afirmação do eu individual, como ponto de partida para uma cooperação justa, mas de quem afirma a «legitimidade» dos «outros», não como seres individualmente considerados, na sua forma plural, mas como uma «comunidade política concreta», conjugada no singular. É neste «Eu Colectivo», Singular, Unidimensional (porque reduz – e utilizando as tuas expressões – a existência humana a uma dimensão essencialmente politica), que eu encontro derivas tendencialmente autoritárias; onde encontro platonismos é na forma como apresentas «democracia», elevada ao estatuto de «valor», porque vale «em si», oferecida como um processo dialéctico que se exprime necessariamente numa síntese que se impõe ao todo.Eu nao concebo a comunidade politica como sendo um ente ou um agente colectivo. A comunidade existe e e' determinante enquanto realidade socio-politica onde estamos necessariamente situados e onde tentamos fazer valer as nossas posicoes. Ela e' temporal, existindo apenas enquanto temporalidade. Ela e' o tal contrato entre vivos, mortos e aqueles por nascer de que fala Burke. Mas este contrato nao e'definido a priori por intermedio de um conjunto de leis ou ordens imutaveis, mas consiste numa forma de vida concreta e historicamente situada na qual as pessoas se relacionam de determinada maneira. Ela e' uma relacao estruturada normativa e constitucionalmente, mas nao e' rigida, pois os termos que a definem sao sempre disputados, reinterpretados, mutaveis, e nunca algo pre-politico ou sagrado (a rejeicao da escravatura nao esta inscrita no ceu, nem em leis eternas, mas apenas na rejeicao temporal que nos, como Democratas civilizados, nos recusamos a por em causa. Somos nos e nao Deus ou a Lei que rejeitamos ou aceitamos coisas)A Democracia nao corresponde a um momento singular ou a um presente ficticio, no qual um individuo se encontra perante todos os outros, onde se tomam decisoes do tudo ou nada. Areas como a Public Choice concebem-na neste termos e conceptualizam-na como um simples metodo de decisao colectivo, o que torna a sua desconfianca face a democracia inevitavel. Mas a rejeicao por eles proclamada depende dos pressupostos particulares dos autores e nao da sua realidade concreta. Ao contrario do que alguns pretendem defender, mais do que um metodo, ela e' sobretudo uma realidade politica -uma relacao entre cidadaos- estendida no tempo, na qual os individuos necessariamente participam, e onde reproduzem e determinam (aqui nao ha apenas uma estrutura fixa que e reproduzida no tempo, mas uma dialectica reproducao-producao) conjuntamente os termos da sua existencia colectiva.Uma filosofia politica que ve a democracia como um mal necessario representa a rejeicao total da politica. E e' nisto que ela e' Platonica e de Direita, pois tenta estabelecer aprioristicamente aquilo que so pode ser determinado atraves de uma accao temporal conjunta e em dialogo permanente com os seus co-cidadaos.nota: para alem do RAF, este post e' dedicado a todos os blogues de direita que se identifiquem com as ideias destes autores -A Blasfemia, Arte da Fuga, O Insurgente e afins...nota2: Existem, obviamente, apriorismos de Esquerda (e.g. Rawls), aos quais este post tambem se aplica.