Para mim, é de uma forma inesquecÃvel que Sartre define o olhar e a diferença entre olhar e olho-visão:
“O que eu capto imediatamente quando ouço estalar os ramos atrás de mim não é que está ali alguém, é que sou vulnerável, que tenho um corpo que pode ser ferido, que ocupo um lugar e não posso, em caso algum, evadir-me do espaço onde estou sem defesa, em suma, que sou visto. Assim , olhar é antes de mais um intermediário que reenvia de mim a mim mesmo» (“L’Être et Néant”, 1943). Mil novecentos e quarenta e três, e este texto, todo o livro, continua a ser apenas comparável a “L’Être et l’Événement”, já se sabe de quem (nem vou repetir o nome, senão de tanto o repetir fico doentinho). Assim Sartre separa o olhar da visão ocular, inventa a anti-ocularidade moderna (depois de Bergson e seguida até Derrida), foi continuado por Merleau-Ponty e Lacan, que, na história de um passeio de barco com amigos, ouviu dizerem-lhe para olhar para uma lata de sardinha na água, apenas porque ela não podia olhar para ele. Foi precisamente nesse episódio que Lacan seguiu Sartre e concluiu que se isso foi dito era porque a lata o via de algum modo. Para quê esta prosa?
Porque me recorda “Platoon”, um dos poucos filmes de que gosto de Oliver Stone (o outro é “Salvador”), um irritante e pretenso cronista da América e do mundo dos últimos quarenta anos. Trata-se da história de um ingénuo jovem recruta no Vietname, que aprenderá que a luta pela sobrevivência em guerra tem contradições difÃceis de sequer conceber. E, principalmente, porque todo o filme vive da ausência do inimigo, do vietcong. Para Stone (que acho não estar minimamente interessado em Sartre ou Lacan) o olhar também estava no mundo naquele seu filme de 1986, surgia de qualquer lugar, o inimigo era o mundo, estava no mundo, era a floresta inteira, não para que nos conhecêssemos (como em Sartre) mas para que morrêsssemos – ameaça constante. Os massacres eram cometidos por ingénuos soldados que respondiam a essa ameaça sartreana – o olhar do outro. E agora em “W”, Stone também “inocenta” George W., pois o pobre homem (e nunca ninguém levou tanta porrada como este desgraçado) apenas queria ser respeitado pela famÃlia, ser levado a sério pelos seus. Merece crédito este realizador, depois de ter feito um dos piores filmes de que tenho memória (“Alexander”)? Talvez sim. E porque é que eu prefiro George W. Bush a José Sócrates (tÃtulo do post) ? Primeiro, porque prefiro a infantilidade do americano ainda presidente à infantilidade de alguém que vai para uma cimeira internacional vender computadores para crianças ultrapassados, e diz que todos os seus assessores os usam, que essa “máquina” é como Tintin, etc.
Depois porque tenho de reconhecer uma outra e fundamentel coisa (diga-se deste modo): porque George W. repolitizou a sociedade americana, fê-la necessitar de um mÃnimo de polÃtica (que o capitalismo julgou ter enterrado), e esse mérito de ter causado uma participação record nas eleições EUA ninguém lho tira. Porque fez, malgré lui, os americanos acreditarem que era possÃvel mudar-se o mundo, a nossa cidade ou pouco mais do que isso, mas esse pouco mais já é muito mais do que temos por adquirido desde há muito. Mudar-se pouco, muito, quase nada, quase tudo, etc, é algo que nos faz sentir um mÃnimo sopro de qualquer coisa de orgânico e, com esforço, algo vivo.
José Sócrates comparado com isto é muito pior : anestesia, faz crer que a sua reeleição é um não-assunto, torna deprimente pensar em polÃtica, anula a polÃtica chantageando a “esquerda” – que querem, querem a MFL ?
Se a polÃtica for isto, quem quer pensar nessa coisa com esse nome, “polÃtica”? Será que pode existir polÃtica com José Sócrates, ou uma medÃocre e sonolenta inevitabilidade ?
Post-scriptum: Lá mais para a frente volto a um outro louvor já prometido: a Britney Spears, lá para domingo ou segunda, porque até lá o congresso Marx vai-me ocupar um tempito. Britney Spears, que foi ridicularizada por Simon Critchley indevidamente. Faça-se pois justiça.
Para mim, é de uma forma inesquecÃvel que Sartre define o olhar e a diferença entre olhar e olho-visão:
“O que eu capto imediatamente quando ouço estalar os ramos atrás de mim não é que está ali alguém, é que sou vulnerável, que tenho um corpo que pode ser ferido, que ocupo um lugar e não posso, em caso algum, evadir-me do espaço onde estou sem defesa, em suma, que sou visto. Assim , olhar é antes de mais um intermediário que reenvia de mim a mim mesmo» (“L’Être et Néant”, 1943). Mil novecentos e quarenta e três, e este texto, todo o livro, continua a ser apenas comparável a “L’Être et l’Événement”, já se sabe de quem (nem vou repetir o nome, senão de tanto o repetir fico doentinho). Assim Sartre separa o olhar da visão ocular, inventa a anti-ocularidade moderna (depois de Bergson e seguida até Derrida), foi continuado por Merleau-Ponty e Lacan, que, na história de um passeio de barco com amigos, ouviu dizerem-lhe para olhar para uma lata de sardinha na água, apenas porque ela não podia olhar para ele. Foi precisamente nesse episódio que Lacan seguiu Sartre e concluiu que se isso foi dito era porque a lata o via de algum modo. Para quê esta prosa?
Porque me recorda “Platoon”, um dos poucos filmes de que gosto de Oliver Stone (o outro é “Salvador”), um irritante e pretenso cronista da América e do mundo dos últimos quarenta anos. Trata-se da história de um ingénuo jovem recruta no Vietname, que aprenderá que a luta pela sobrevivência em guerra tem contradições difÃceis de sequer conceber. E, principalmente, porque todo o filme vive da ausência do inimigo, do vietcong. Para Stone (que acho não estar minimamente interessado em Sartre ou Lacan) o olhar também estava no mundo naquele seu filme de 1986, surgia de qualquer lugar, o inimigo era o mundo, estava no mundo, era a floresta inteira, não para que nos conhecêssemos (como em Sartre) mas para que morrêsssemos – ameaça constante. Os massacres eram cometidos por ingénuos soldados que respondiam a essa ameaça sartreana – o olhar do outro. E agora em “W”, Stone também “inocenta” George W., pois o pobre homem (e nunca ninguém levou tanta porrada como este desgraçado) apenas queria ser respeitado pela famÃlia, ser levado a sério pelos seus. Merece crédito este realizador, depois de ter feito um dos piores filmes de que tenho memória (“Alexander”)? Talvez sim. E porque é que eu prefiro George W. Bush a José Sócrates (tÃtulo do post) ? Primeiro, porque prefiro a infantilidade do americano ainda presidente à infantilidade de alguém que vai para uma cimeira internacional vender computadores para crianças ultrapassados, e diz que todos os seus assessores os usam, que essa “máquina” é como Tintin, etc.
Depois porque tenho de reconhecer uma outra e fundamentel coisa (diga-se deste modo): porque George W. repolitizou a sociedade americana, fê-la necessitar de um mÃnimo de polÃtica (que o capitalismo julgou ter enterrado), e esse mérito de ter causado uma participação record nas eleições EUA ninguém lho tira. Porque fez, malgré lui, os americanos acreditarem que era possÃvel mudar-se o mundo, a nossa cidade ou pouco mais do que isso, mas esse pouco mais já é muito mais do que temos por adquirido desde há muito. Mudar-se pouco, muito, quase nada, quase tudo, etc, é algo que nos faz sentir um mÃnimo sopro de qualquer coisa de orgânico e, com esforço, algo vivo.
José Sócrates comparado com isto é muito pior : anestesia, faz crer que a sua reeleição é um não-assunto, torna deprimente pensar em polÃtica, anula a polÃtica chantageando a “esquerda” – que querem, querem a MFL ?
Se a polÃtica for isto, quem quer pensar nessa coisa com esse nome, “polÃtica”? Será que pode existir polÃtica com José Sócrates, ou uma medÃocre e sonolenta inevitabilidade ?
Post-scriptum: Lá mais para a frente volto a um outro louvor já prometido: a Britney Spears, lá para domingo ou segunda, porque até lá o congresso Marx vai-me ocupar um tempito. Britney Spears, que foi ridicularizada por Simon Critchley indevidamente. Faça-se pois justiça.