Viseu, Senhora da Beira...: Cavalhadas de Vildemoinhos

26-12-2009
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Embora o São Mateus seja o santo patrono da cidade, o povo de Vildemoinhos presta há mais de trezentos anos um tributo aos viseenses no dia de São João traduzido por um cortejo conhecido como as Cavalhadas de Vildemoinhos. A tradição ainda é o que era!...Diz a História que em 1652 houve grande falta de pão na cidade, o Inverno não fora chuvoso, as nascentes minguavam dia a dia e a escassa água do Pavia, represada em açudes pelos agricultores marginais, mal chegava para mover os pesados rodízios das 43 mós de Vildemoinhos ou Vila de Moinhos. A moenda era difícil e vagarosa. Os moleiros queixavam-se dos agricultores que Ihes roubavam a água; estes retorquiam que precisavam dela para regar as suas novidades, sem o que não podiam abastecer o mercado da cidade. Desta situação complicada resultaram vários tumultos, alguns graves, na primeira quinzena de Junho.O caso parecia não ser fácil de resolver. As próprias autoridades, embaraçadas, não se atreviam a decidir a favor ou contra, embora “in petto" dessem razão aos moleiros que, juridicamente, parecia não a terem. Adiavam a questão "sine die', na esperança de que uma volta de tempo a resolvesse alagando de água as hortas e pradarias marginais.Os moleiros parece que não tinham muita confiança nesta elegante mas problemática solução e, na noite de Santo Precursor, sob pretexto de o festejarem, orvalhando-se, reuniram-se pela madrugada, com gente da cidade, no terreiro do Maçorim e dali, em festivo e alegre magote, dirigiram-se à capela de S. João da Carreira, onde fervorosamente rezaram ao Santo, rogando-lhe que desse ao Pavia um volume de águas tal como devia ter o seu Jordão, o sagrado rio da Palestina.Não sei o que o popular Santo ficou a pensar desta prece. O que consta e através de uma memória escrita por o Cónego Domingos António de Sousa, em 1680, oferecida ao Exm.° e Revm.° Sr. Bispo D. João de Melo, é que, terminada a reza, os populares levantaram-se e dirigiram-se, pelo atalho antigo, à margem do rio que seguiram em direcção a Vil de Moinhos, destruindo todas as represas e açudes que encontraram no seu caminho e nesta azafamada tarefa andaram até duas horas depois do sol nado.Nesse dia as rodas não pararam e o "pão nosso de cada dia" foi moido com grande satisfação do Juíz do Povo e outras autoridades, que toda a gente dizia à boca pequena terem sido os inspiradores de tão violenta solução.Os tumultos repetiram-se e de tal maneira que foi necessário policiar a estrada de "Vil de Moinhos". Da parte dos agricultores e proprietários marginais parecia haver mais despeito que propriamente prejuizos. Alguns, logo no dia seguinte, começaram a reparação dos açudes e represas, mas nessa noite os moleiros destruiram os reparos num abrir e fechar de olhos. Os proprietários reclamaram então ao Juiz do Povo, Camara e Procurador da Cidade contra os prejuízos das suas culturas. Os interpelados responderam que nem frutas nem hortaliças faltavam na Praça e que o pão posto à venda era caro e não chegava para o consumo.Segue-se um recurso dos proprietários para as autoridades de Lisboa e estas dão razão aos moleiros. A noticia desta sentença chega à Camara em 20 de Maio de 1653. Os moleiros deliram de entusiasmo e resolvem ir, na noite de 23 para 24 de Junho, em luzida cavalgada, a S. João da Carreira, agradecer ao Santo que tão bem intercedera por eles. Para isso vestiram-se com os seus melhores fatos, enfeitaram de fitas burros e cavalos e, levando à frente um grande "estrondo", puseram-se em marcha, com todos os seus serviçais, atrás deles, armados de alavancas, sacholas e roçadoiras bem encavadas, não fosse o Diabo tecê-las pelo caminho.Em S. João da Carreira houve danças, cantares e louvores ao Santo. Os folguedos, sob o orvalho de Junho, duraram até à madrugada. Já a manhã clareava quando o cortejo regressou à cidade, os cavaleiros e peões recompostos com doces, vinhos e licores. Entraram com grande entusiasmo pela porta dos Cavaleiros, seguiram pela Rua Direita, Rua da Cadeia, Praça, a que deram duas voltas, ao Adro onde fizeram 3 voltas de bandeira desfraldada, Rua dos Loureiros, praça de Nossa Senhora dos Remédios, Soar de Baixo e Rossio de Maçorim, onde com grande e fingida surpresa encontraram os seus serviçais que, à socapa, e não para perder tempo, tinham seguido rio abaixo destruindo, como no ano anterior, represos e açudes. Então houve grande vivório à cidade de Viseu, ao clero, nobreza e povo; depois, já o sol nado, regressaram a Vildemoinhos, onde novo serviço de doces e licores retemperou as fibras dos foliões. Mais tarde, já com três ou quatro horas de sol, fez-se festa votiva ao Santo Precursor, na capelinha nova, que na véspera fora benzida pelo Sr. Cónego Domingos de Sousa, com comissão do Sr. Deão.Não encontro notícias de festas a S. João com cavalhadas, em Vildemoinhos, em épocas mais remotas, o que me leva a supor ser exactamente a questão das águas do Pavia que deu origem a esta costumeira votiva que, com maior ou menor entusiasmo, se foi repetindo e se espera que se vá mantendo todos os anos.Parabéns, Vildemoinhos!


Embora o São Mateus seja o santo patrono da cidade, o povo de Vildemoinhos presta há mais de trezentos anos um tributo aos viseenses no dia de São João traduzido por um cortejo conhecido como as Cavalhadas de Vildemoinhos. A tradição ainda é o que era!...Diz a História que em 1652 houve grande falta de pão na cidade, o Inverno não fora chuvoso, as nascentes minguavam dia a dia e a escassa água do Pavia, represada em açudes pelos agricultores marginais, mal chegava para mover os pesados rodízios das 43 mós de Vildemoinhos ou Vila de Moinhos. A moenda era difícil e vagarosa. Os moleiros queixavam-se dos agricultores que Ihes roubavam a água; estes retorquiam que precisavam dela para regar as suas novidades, sem o que não podiam abastecer o mercado da cidade. Desta situação complicada resultaram vários tumultos, alguns graves, na primeira quinzena de Junho.O caso parecia não ser fácil de resolver. As próprias autoridades, embaraçadas, não se atreviam a decidir a favor ou contra, embora “in petto" dessem razão aos moleiros que, juridicamente, parecia não a terem. Adiavam a questão "sine die', na esperança de que uma volta de tempo a resolvesse alagando de água as hortas e pradarias marginais.Os moleiros parece que não tinham muita confiança nesta elegante mas problemática solução e, na noite de Santo Precursor, sob pretexto de o festejarem, orvalhando-se, reuniram-se pela madrugada, com gente da cidade, no terreiro do Maçorim e dali, em festivo e alegre magote, dirigiram-se à capela de S. João da Carreira, onde fervorosamente rezaram ao Santo, rogando-lhe que desse ao Pavia um volume de águas tal como devia ter o seu Jordão, o sagrado rio da Palestina.Não sei o que o popular Santo ficou a pensar desta prece. O que consta e através de uma memória escrita por o Cónego Domingos António de Sousa, em 1680, oferecida ao Exm.° e Revm.° Sr. Bispo D. João de Melo, é que, terminada a reza, os populares levantaram-se e dirigiram-se, pelo atalho antigo, à margem do rio que seguiram em direcção a Vil de Moinhos, destruindo todas as represas e açudes que encontraram no seu caminho e nesta azafamada tarefa andaram até duas horas depois do sol nado.Nesse dia as rodas não pararam e o "pão nosso de cada dia" foi moido com grande satisfação do Juíz do Povo e outras autoridades, que toda a gente dizia à boca pequena terem sido os inspiradores de tão violenta solução.Os tumultos repetiram-se e de tal maneira que foi necessário policiar a estrada de "Vil de Moinhos". Da parte dos agricultores e proprietários marginais parecia haver mais despeito que propriamente prejuizos. Alguns, logo no dia seguinte, começaram a reparação dos açudes e represas, mas nessa noite os moleiros destruiram os reparos num abrir e fechar de olhos. Os proprietários reclamaram então ao Juiz do Povo, Camara e Procurador da Cidade contra os prejuízos das suas culturas. Os interpelados responderam que nem frutas nem hortaliças faltavam na Praça e que o pão posto à venda era caro e não chegava para o consumo.Segue-se um recurso dos proprietários para as autoridades de Lisboa e estas dão razão aos moleiros. A noticia desta sentença chega à Camara em 20 de Maio de 1653. Os moleiros deliram de entusiasmo e resolvem ir, na noite de 23 para 24 de Junho, em luzida cavalgada, a S. João da Carreira, agradecer ao Santo que tão bem intercedera por eles. Para isso vestiram-se com os seus melhores fatos, enfeitaram de fitas burros e cavalos e, levando à frente um grande "estrondo", puseram-se em marcha, com todos os seus serviçais, atrás deles, armados de alavancas, sacholas e roçadoiras bem encavadas, não fosse o Diabo tecê-las pelo caminho.Em S. João da Carreira houve danças, cantares e louvores ao Santo. Os folguedos, sob o orvalho de Junho, duraram até à madrugada. Já a manhã clareava quando o cortejo regressou à cidade, os cavaleiros e peões recompostos com doces, vinhos e licores. Entraram com grande entusiasmo pela porta dos Cavaleiros, seguiram pela Rua Direita, Rua da Cadeia, Praça, a que deram duas voltas, ao Adro onde fizeram 3 voltas de bandeira desfraldada, Rua dos Loureiros, praça de Nossa Senhora dos Remédios, Soar de Baixo e Rossio de Maçorim, onde com grande e fingida surpresa encontraram os seus serviçais que, à socapa, e não para perder tempo, tinham seguido rio abaixo destruindo, como no ano anterior, represos e açudes. Então houve grande vivório à cidade de Viseu, ao clero, nobreza e povo; depois, já o sol nado, regressaram a Vildemoinhos, onde novo serviço de doces e licores retemperou as fibras dos foliões. Mais tarde, já com três ou quatro horas de sol, fez-se festa votiva ao Santo Precursor, na capelinha nova, que na véspera fora benzida pelo Sr. Cónego Domingos de Sousa, com comissão do Sr. Deão.Não encontro notícias de festas a S. João com cavalhadas, em Vildemoinhos, em épocas mais remotas, o que me leva a supor ser exactamente a questão das águas do Pavia que deu origem a esta costumeira votiva que, com maior ou menor entusiasmo, se foi repetindo e se espera que se vá mantendo todos os anos.Parabéns, Vildemoinhos!

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