O efeito mais perverso do "divórcio a pedido" é a sentimentalização do casamento. Ao trocar a figura jurídica do divórcio litigioso, sempre traumático, pela piedosa ficção do divórcio por "fim do amor", cláusula puramente subjectiva, a lei torna-se arbitrária e parcial - a favor do lado que quer o divórcio. Não há nenhum outro caso em que a oscilação afectiva sirva de fundamento à denúncia de um contrato. Mas, se houvesse, alguém devia explicar aos incorrigíveis românticos da nossa esquerda que o contrato de casamento nada tem a ver com o amor. Pelo menos, tal como o imaginam no Bloco: suspiros, palpitações, passarinhos a cantar e aquele fogo mais forte do que todos os conselhos da nossa mãezinha nas pontas dos dedos e de outras extremidades suspeitas. Cínicos em tudo, revelam-se de uma candura adolescente quanto à educação sentimental. Será ainda a sombra de Rousseau?Não sei, mas sei que o amor não é isso. Isso são as hormonas a fazer pela vida. O amor é precisamente o que fica quando tudo isso se foi embora. Não pode acabar onde nunca começou. O amor que nos leva à loucura do casamento (sim, porque agora até a direita casa por amor...) é um acto da vontade, é a decisão de nos darmos totalmente e para sempre a alguém. Alguém que é para sempre a mesma pessoa, para lá do tempo e das tempestades. O amor "eterno enquanto dura" serve para o Vinicius de Moraes fazer sonetos, mas não funciona na prosa do dia-a-dia. Prefiro o Leonard Cohen: "I don`t trust my inner feelings/ inner feelings come and go". Quando o amor nos leva ao altar, ou à conservatória, não prometemos "amo-te enquanto não arranjar nada melhor", nem "amo-te enquanto tiver paciência", nem mesmo "amo-te enquanto não tiveres rugas", muito menos "amo-te enquanto o sexo for bom e o investimento emocional compensador". Quem casa com essa reserva de egoísmo está condenado à desilusão. A muitas e sucessivas desilusões. Esqueçam o fogo e os passarinhos, camaradas.
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O efeito mais perverso do "divórcio a pedido" é a sentimentalização do casamento. Ao trocar a figura jurídica do divórcio litigioso, sempre traumático, pela piedosa ficção do divórcio por "fim do amor", cláusula puramente subjectiva, a lei torna-se arbitrária e parcial - a favor do lado que quer o divórcio. Não há nenhum outro caso em que a oscilação afectiva sirva de fundamento à denúncia de um contrato. Mas, se houvesse, alguém devia explicar aos incorrigíveis românticos da nossa esquerda que o contrato de casamento nada tem a ver com o amor. Pelo menos, tal como o imaginam no Bloco: suspiros, palpitações, passarinhos a cantar e aquele fogo mais forte do que todos os conselhos da nossa mãezinha nas pontas dos dedos e de outras extremidades suspeitas. Cínicos em tudo, revelam-se de uma candura adolescente quanto à educação sentimental. Será ainda a sombra de Rousseau?Não sei, mas sei que o amor não é isso. Isso são as hormonas a fazer pela vida. O amor é precisamente o que fica quando tudo isso se foi embora. Não pode acabar onde nunca começou. O amor que nos leva à loucura do casamento (sim, porque agora até a direita casa por amor...) é um acto da vontade, é a decisão de nos darmos totalmente e para sempre a alguém. Alguém que é para sempre a mesma pessoa, para lá do tempo e das tempestades. O amor "eterno enquanto dura" serve para o Vinicius de Moraes fazer sonetos, mas não funciona na prosa do dia-a-dia. Prefiro o Leonard Cohen: "I don`t trust my inner feelings/ inner feelings come and go". Quando o amor nos leva ao altar, ou à conservatória, não prometemos "amo-te enquanto não arranjar nada melhor", nem "amo-te enquanto tiver paciência", nem mesmo "amo-te enquanto não tiveres rugas", muito menos "amo-te enquanto o sexo for bom e o investimento emocional compensador". Quem casa com essa reserva de egoísmo está condenado à desilusão. A muitas e sucessivas desilusões. Esqueçam o fogo e os passarinhos, camaradas.