Até 27 de Fevereiro, a Biblioteca Nacional tem uma exposição sobre Luiz Pacheco, o escritor e o editor da Contraponto, que vale a pena ver, pelo contacto com os papéis que lhe pertenceram e com os livros que fizeram a história de uma editora que durou meio século, um quase espelho de Pacheco, que lhe correu atrás e se instalou onde o seu mentor estava, um quase reflexo ou mapa da pachecal peregrinação geográfica e cultural.Mas, se não for possível visitar a exposição, há o catálogo (Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal / Leya-D. Quixote, 2009) para ler, ver e guardar. Um “dois em um”, tendo 204 páginas dedicadas ao título Luiz Pacheco – 1 Homem dividido vale por 2 e 174 páginas consagradas ao tema Contraponto – Bibliografia.Imagino como se sentiria Luiz Pacheco ao ver esta peça sobre a sua obra… Por certo, apreciaria, uma vez que gostava das coisas bem feitas, exímio como era na caça à gralha e aos defeitos. Por certo, gostaria, num olhar de gozo intrometido. Isto, para não me pôr a imaginar como reagiria Pacheco a ver a sua obra exposta na Biblioteca Nacional, um panteão da cultura… e aqui relembro o texto de Ana Silva neste catálogo, que assim começa: “O quê? O Visconde dos Quatro Caminhos na Biblioteca Nacional?! Estou a ouvi-lo a desatar a rir, meio orgulhoso, meio escarnecedor, um tanto espantado, um tanto arrepiado.”No primeiro grupo deste catálogo, há textos (escritos para este efeito) de Luís Gomes (comissário da exposição), de Mário Soares e de Ana da Silva, e outros, surgidos de outros tempos e de outros escritos, assinados por Vítor Silva Tavares, António José Forte, Virgílio Martinho, Ricardo-Dácio de Sousa e Ana da Silva; depois, há ainda o catálogo dos textos pachecais e reproduções fotográficas de algumas capas e textos e – o mais importante e original neste catálogo, porque de um novo livro de Luiz Pacheco se trata – um conjunto de 70 páginas de cartas, tendo Pacheco como emissor e Jaime Aires Pereira como destinatário, sob o título 1 homem dividido vale por 2, escritas entre 1964 e 1966, com Luiz Pacheco nas suas rotas entre Setúbal, Lisboa e Caldas da Rainha e no seu modo de ser escritor, editor, crítico, provocador, tudo com uma dose de esforço qb, muitas vezes a aguardar a correspondência dos amigos, de preferência recheada de “vintes”, porque havia a “tribo” para alimentar e a casa para pagar, de preferência a prestar ajuda na edição, fosse pelo escrever as “ceras”, fosse pela duplicação das folhas, que assim se construía uma editora e se fazia uma obra.O segundo grupo desta obra respeita à editora que está colada ao nome de Luiz Pacheco, a Contraponto (com sede em Lisboa, Setúbal, Caldas da Rainha, Palmela ou Montijo, consoante as mudanças de morada do próprio editor) através da qual nasceram para a literatura muitos nomes hoje importantes e que também escolheu criteriosamente as suas traduções. A anteceder o catálogo das edições de Contraponto (também com bastantes reproduções fotográficas), há textos de Vítor Silva Tavares e de Manuel de Freitas. O que pode ter tido de significativo a passagem de Pacheco pelo mundo editorial bem o diz Manuel de Freitas: “Bastar-lhe-ia ser responsável, na Contraponto, pela publicação de livros como Manual de prestidigitação, de Mário Cesariny, ou O amor em visita, de Herberto Helder, para que o seu nome fizesse, de pleno direito, parte importante da história da edição em Portugal na segunda metade do século XX.”Boa e merecida homenagem a Pacheco, não pelo que as homenagens carregam de saudosismo, mas porque o testemunha na sua unidade de escritor e editor. E, já agora, porque não admiti-lo?, porque Pacheco, apesar das muitas e diversas opiniões, deixou saudades.10 máximas de Luiz Pacheco nas cartas a Aires Pereira1) "Até onde, entre amigos íntimos e sinceros, a dureza é vantajosa? até onde a sinceridade se revela proveitosa? onde começam, uma e outra, a ser desumanas?” (1964)2) "Eu, enquanto não vem o carteiro pela manhã, nunca sei o que temos para ou se haverá almoço.” (27 de Maio de 1965)3) “A perfeição é um mito.” (27 de Maio de 1965)4) "A alma humana é um abismo.” (22 de Janeiro de 1966)5) “Textos locais virão acentuar certas posições minhas em relação a esta negra Sociedade onde vegetamos, por nosso azar.” (2 de Março de 1966)6) "Se V. soubesse o que custa gramar as pessoas e como passamos grande tempo deste nosso precioso andar pelo Mundo a dar cabo de nós e delas, estupidamente. E é ainda esta estupidez o que mais custa!” (16 de Março de 1966)7) "Só há uma maneira de dizer as coisas, uma de cada vez.” (7 de Abril de 1966)8) "Prometem-me o hospício ou a cadeia [a propósito da publicação de Crítica de circunstância]. Fiquei muito honrado por eles se lembrarem de mim. O que são é pouco originais, porque fizeram o mesmo ao Marquês de Sade, no século XVIII.” (12 de Abril de 1966)9) "Apostemos no optimismo da Natureza, que não tem culpa nenhuma da loucura dos homens nem das feras-femininas.” (8 de Julho de 1966)10) "Estes problemas dos outros são sempre mais fáceis de encarar e resolver que os nossos, valha-nos isso, para, ao menos, nos distrairmos dos nossos.” (11 de Julho)
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Até 27 de Fevereiro, a Biblioteca Nacional tem uma exposição sobre Luiz Pacheco, o escritor e o editor da Contraponto, que vale a pena ver, pelo contacto com os papéis que lhe pertenceram e com os livros que fizeram a história de uma editora que durou meio século, um quase espelho de Pacheco, que lhe correu atrás e se instalou onde o seu mentor estava, um quase reflexo ou mapa da pachecal peregrinação geográfica e cultural.Mas, se não for possível visitar a exposição, há o catálogo (Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal / Leya-D. Quixote, 2009) para ler, ver e guardar. Um “dois em um”, tendo 204 páginas dedicadas ao título Luiz Pacheco – 1 Homem dividido vale por 2 e 174 páginas consagradas ao tema Contraponto – Bibliografia.Imagino como se sentiria Luiz Pacheco ao ver esta peça sobre a sua obra… Por certo, apreciaria, uma vez que gostava das coisas bem feitas, exímio como era na caça à gralha e aos defeitos. Por certo, gostaria, num olhar de gozo intrometido. Isto, para não me pôr a imaginar como reagiria Pacheco a ver a sua obra exposta na Biblioteca Nacional, um panteão da cultura… e aqui relembro o texto de Ana Silva neste catálogo, que assim começa: “O quê? O Visconde dos Quatro Caminhos na Biblioteca Nacional?! Estou a ouvi-lo a desatar a rir, meio orgulhoso, meio escarnecedor, um tanto espantado, um tanto arrepiado.”No primeiro grupo deste catálogo, há textos (escritos para este efeito) de Luís Gomes (comissário da exposição), de Mário Soares e de Ana da Silva, e outros, surgidos de outros tempos e de outros escritos, assinados por Vítor Silva Tavares, António José Forte, Virgílio Martinho, Ricardo-Dácio de Sousa e Ana da Silva; depois, há ainda o catálogo dos textos pachecais e reproduções fotográficas de algumas capas e textos e – o mais importante e original neste catálogo, porque de um novo livro de Luiz Pacheco se trata – um conjunto de 70 páginas de cartas, tendo Pacheco como emissor e Jaime Aires Pereira como destinatário, sob o título 1 homem dividido vale por 2, escritas entre 1964 e 1966, com Luiz Pacheco nas suas rotas entre Setúbal, Lisboa e Caldas da Rainha e no seu modo de ser escritor, editor, crítico, provocador, tudo com uma dose de esforço qb, muitas vezes a aguardar a correspondência dos amigos, de preferência recheada de “vintes”, porque havia a “tribo” para alimentar e a casa para pagar, de preferência a prestar ajuda na edição, fosse pelo escrever as “ceras”, fosse pela duplicação das folhas, que assim se construía uma editora e se fazia uma obra.O segundo grupo desta obra respeita à editora que está colada ao nome de Luiz Pacheco, a Contraponto (com sede em Lisboa, Setúbal, Caldas da Rainha, Palmela ou Montijo, consoante as mudanças de morada do próprio editor) através da qual nasceram para a literatura muitos nomes hoje importantes e que também escolheu criteriosamente as suas traduções. A anteceder o catálogo das edições de Contraponto (também com bastantes reproduções fotográficas), há textos de Vítor Silva Tavares e de Manuel de Freitas. O que pode ter tido de significativo a passagem de Pacheco pelo mundo editorial bem o diz Manuel de Freitas: “Bastar-lhe-ia ser responsável, na Contraponto, pela publicação de livros como Manual de prestidigitação, de Mário Cesariny, ou O amor em visita, de Herberto Helder, para que o seu nome fizesse, de pleno direito, parte importante da história da edição em Portugal na segunda metade do século XX.”Boa e merecida homenagem a Pacheco, não pelo que as homenagens carregam de saudosismo, mas porque o testemunha na sua unidade de escritor e editor. E, já agora, porque não admiti-lo?, porque Pacheco, apesar das muitas e diversas opiniões, deixou saudades.10 máximas de Luiz Pacheco nas cartas a Aires Pereira1) "Até onde, entre amigos íntimos e sinceros, a dureza é vantajosa? até onde a sinceridade se revela proveitosa? onde começam, uma e outra, a ser desumanas?” (1964)2) "Eu, enquanto não vem o carteiro pela manhã, nunca sei o que temos para ou se haverá almoço.” (27 de Maio de 1965)3) “A perfeição é um mito.” (27 de Maio de 1965)4) "A alma humana é um abismo.” (22 de Janeiro de 1966)5) “Textos locais virão acentuar certas posições minhas em relação a esta negra Sociedade onde vegetamos, por nosso azar.” (2 de Março de 1966)6) "Se V. soubesse o que custa gramar as pessoas e como passamos grande tempo deste nosso precioso andar pelo Mundo a dar cabo de nós e delas, estupidamente. E é ainda esta estupidez o que mais custa!” (16 de Março de 1966)7) "Só há uma maneira de dizer as coisas, uma de cada vez.” (7 de Abril de 1966)8) "Prometem-me o hospício ou a cadeia [a propósito da publicação de Crítica de circunstância]. Fiquei muito honrado por eles se lembrarem de mim. O que são é pouco originais, porque fizeram o mesmo ao Marquês de Sade, no século XVIII.” (12 de Abril de 1966)9) "Apostemos no optimismo da Natureza, que não tem culpa nenhuma da loucura dos homens nem das feras-femininas.” (8 de Julho de 1966)10) "Estes problemas dos outros são sempre mais fáceis de encarar e resolver que os nossos, valha-nos isso, para, ao menos, nos distrairmos dos nossos.” (11 de Julho)