Fontes do Ídolo: Razão pela qual prefiro o John McEnroe em vez do Ivan Lendl!

18-12-2009
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O título poderia ser também "razão pela qual prefiro o Agassi em vez do Sampras" ou "razão pela qual prefiro o Maradona sobre todos os outros" ou, por fim, "razão pela qual prefiro o Luiz Pacheco em vez do Saramago". É, é fácil. Gosto deles ásperos. Rudes. Sem preparação prévia. Desmedidos. Gosto de Dennis Rodman, de Charles Barkeley. Não suporto o Tim Duncan. Gosto do Roy Keane. Não gosto do Makelele. Nem do Roberto Carlos. Gosto dos poetas da vida. Dos transgressores. Gosto do Al Berto. Não admiro particularmente o Fernando Pessoa. Gosto do Herberto Helder. Detesto o enfadado do José de Alencar. Gosto do Mourinho.Convém referir que sou do Sporting. Nestas coisas do futebol ninguém acredita na seriedade do outro. Somos todos sectários. Sou do clube que viu Mourinho rasgar uma camisola de um seu jogador. Camisola essa que estava na mão do Paulinho. Ainda por cima do Paulinho. Mais um motivo para o gajo ser ainda mais detestado... Pois, mesmo assim gosto de pessoas como ele, heréticos. É defeito. Ou feitio, já diz o ditado. Gosto de pessoas que não acreditam no modelo da racionalidade científica que lhes é proposto pela Universidade, pelo mundo dos negócios e pela classe política. Pelo contrário, prefiro a outra abordagem; a visão, a imaginação. Não acredito no homem produzido em série, moldado pelas sociedades de progresso e de destruição. Todos os que atrás enumerei têm a particularidade de serem dos melhores. Dos que não sucumbirão ao pó que teima em se abater sobre a história. Há diferenças entre eles. Roy Keanes, Dennis Rodmans, Luiz Pachecos não se reproduzirão. Não há um novo exemplar deles. Como não haverá um novo Maradona. Há muitos novos Sampras, Lendls e Platinis. Mourinho pertence já ao grupo dos exclusivos. Há muitos Benitéz e Wengers. Surgirão novos Capellos, Sacchis e até Valdanos.O que representa então José Mourinho? Será ele um ingénuo utopista? Um irresponsável? Será ele um racionalista puro? Ou, pelo contrário, é um indíviduo tomado por um exantema do irracionalismo arrebatador ou de um misticismo desmobilizante? Será que a valorização do indivíduo (ainda que não forma de um colectivo, do seu colectivo individual, por assim dizer) não implicará a ruptura com o mundo? Cairá Mourinho numa espécie de autismo colectivo? Acabará Mourinho isolado no degustar de um prazer egoísta? Ora, todos estes factos são riscos. Riscos com que todos nós nos deparamos e depararemos ao longo da vida. A diferença está nos que os aceitam correr. É o caso de Mourinho. Há ainda o perigo dos desvios. Desvio é o caminha escolhido pelo falsos profetas. Os novos Mourinhos. Os copistas de fórmulas. O problema destes indivíduos é serem burros, diria eu se quisesse ser deselegante. Mas não. Eles próprios é que se perdem numa teia de difícil esclarecimento. A subjectividade. Por isso é que ouvimos debitada vezes sem conta as frases "o futebol é isto" ou "o futebol é assim mesmo". A subjectividade não está virada para si mesma, mas resulta como uma condição anterior à acção. E o Mourinho sabe isso. Continuando. Para além destes riscos, no âmago dos próprios riscos, subsistem os maravilhosos pilares da subversão. O grito de Mourinho é também o de todo o ser que tenta resistir à ameaça de banalização. O silêncio de Rui Faria, e como é importante este sujeito para o Mourinho, é também a pedra que o guerrilheiro coloca nos carris para fazer descarrilar o comboio. O melhor de Mourinho é que as palavras por si proferidas são exactamente aquelas que milhões de homens e mulheres ousarão dizer e repetir ao longo dos anos seguintes. A explosão que Mourinho provocou, primeiro em Portugal e agora na Inglaterra, era impensável. Mourinho representa uma espécie de contributo geracional que desvasta o caminho para uma certa «revolução cultural» e para algumas «práticas de rupturas» sociais, através do desporto. Mourinho é um novo herói social que cresceu no desporto. Um novo Ali. Um Jesse Owens. Em que medida?, - perguntará o mais céptico dos leitores. No essencial. - respondo eu. Mourinho destrói a consciência propagada pelos meios de massas. Cria uma nova consciência. Chega a Inglaterra e põe termo ao primado do factor económico (Chelsea, qual nova burguesia, afronta os brazonados barões do futebol inglês), do centralismo (o título estava dividido sempre entre os mesmos), da hierarquia (Fergunson era inquestionavelmente o melhor e Wenger era tido como uma espécie de novo professor do futebol mundial). Naquilo que pode ser considerada uma extrapolação polémica, Mourinho representa o espírito vigente com que se travaram no século XX - nos Estados Unidos (e noutros países) - lutas sem precedentes contra o racismo, contra a desigualdade, contra o sistema de reprodução e até contra alguns aspectos do imperialismo.Quando Mourinho apareceu, logo foi apelidado pelos nossos bondosos mas ignorantes jornalistas de metódico, científico, pragmático... Pois claro, o homem é licenciado, usava o computador, tirava notas durante os jogos, só podíamos estar a falar de um rato de laboratório. Em contraste com os homens do futebol. Barrigudos e de pilosidade farfalhuda. Pois bem, eu acho que Mourinho diria que os cientistas são os toxicodependentes da realidade; são aqueles necessitam sempre de exercer o seu controlo sobre qualquer coisa de real. Mourinho recusa enfiar o colete-de-forças dos princípios morais, feito à base de estilhaços e de despojos, urdidos por superstições ancetrais. Pré-primitivas, diria eu. Mourinho quebrou barreiras. O tradutor, o preparador-físico que alterou as leis que governam o nosso futebol. Snyder tem uma frase que define, a meu ver na perfeição, a postura de José Mourinho: "A sabedoria é o conhecimento do espírito de amor e clareza que se esconde por detrás das angústias e das agressões fomentadas pelo ego."Finalmente, fica a pergunta. Será Mourinho um novo modelo cultural? O de um Narciso, por vezes, mesquinho, isolado do mundo exterior ou, pelo contrário, perfeitamente integrado?


O título poderia ser também "razão pela qual prefiro o Agassi em vez do Sampras" ou "razão pela qual prefiro o Maradona sobre todos os outros" ou, por fim, "razão pela qual prefiro o Luiz Pacheco em vez do Saramago". É, é fácil. Gosto deles ásperos. Rudes. Sem preparação prévia. Desmedidos. Gosto de Dennis Rodman, de Charles Barkeley. Não suporto o Tim Duncan. Gosto do Roy Keane. Não gosto do Makelele. Nem do Roberto Carlos. Gosto dos poetas da vida. Dos transgressores. Gosto do Al Berto. Não admiro particularmente o Fernando Pessoa. Gosto do Herberto Helder. Detesto o enfadado do José de Alencar. Gosto do Mourinho.Convém referir que sou do Sporting. Nestas coisas do futebol ninguém acredita na seriedade do outro. Somos todos sectários. Sou do clube que viu Mourinho rasgar uma camisola de um seu jogador. Camisola essa que estava na mão do Paulinho. Ainda por cima do Paulinho. Mais um motivo para o gajo ser ainda mais detestado... Pois, mesmo assim gosto de pessoas como ele, heréticos. É defeito. Ou feitio, já diz o ditado. Gosto de pessoas que não acreditam no modelo da racionalidade científica que lhes é proposto pela Universidade, pelo mundo dos negócios e pela classe política. Pelo contrário, prefiro a outra abordagem; a visão, a imaginação. Não acredito no homem produzido em série, moldado pelas sociedades de progresso e de destruição. Todos os que atrás enumerei têm a particularidade de serem dos melhores. Dos que não sucumbirão ao pó que teima em se abater sobre a história. Há diferenças entre eles. Roy Keanes, Dennis Rodmans, Luiz Pachecos não se reproduzirão. Não há um novo exemplar deles. Como não haverá um novo Maradona. Há muitos novos Sampras, Lendls e Platinis. Mourinho pertence já ao grupo dos exclusivos. Há muitos Benitéz e Wengers. Surgirão novos Capellos, Sacchis e até Valdanos.O que representa então José Mourinho? Será ele um ingénuo utopista? Um irresponsável? Será ele um racionalista puro? Ou, pelo contrário, é um indíviduo tomado por um exantema do irracionalismo arrebatador ou de um misticismo desmobilizante? Será que a valorização do indivíduo (ainda que não forma de um colectivo, do seu colectivo individual, por assim dizer) não implicará a ruptura com o mundo? Cairá Mourinho numa espécie de autismo colectivo? Acabará Mourinho isolado no degustar de um prazer egoísta? Ora, todos estes factos são riscos. Riscos com que todos nós nos deparamos e depararemos ao longo da vida. A diferença está nos que os aceitam correr. É o caso de Mourinho. Há ainda o perigo dos desvios. Desvio é o caminha escolhido pelo falsos profetas. Os novos Mourinhos. Os copistas de fórmulas. O problema destes indivíduos é serem burros, diria eu se quisesse ser deselegante. Mas não. Eles próprios é que se perdem numa teia de difícil esclarecimento. A subjectividade. Por isso é que ouvimos debitada vezes sem conta as frases "o futebol é isto" ou "o futebol é assim mesmo". A subjectividade não está virada para si mesma, mas resulta como uma condição anterior à acção. E o Mourinho sabe isso. Continuando. Para além destes riscos, no âmago dos próprios riscos, subsistem os maravilhosos pilares da subversão. O grito de Mourinho é também o de todo o ser que tenta resistir à ameaça de banalização. O silêncio de Rui Faria, e como é importante este sujeito para o Mourinho, é também a pedra que o guerrilheiro coloca nos carris para fazer descarrilar o comboio. O melhor de Mourinho é que as palavras por si proferidas são exactamente aquelas que milhões de homens e mulheres ousarão dizer e repetir ao longo dos anos seguintes. A explosão que Mourinho provocou, primeiro em Portugal e agora na Inglaterra, era impensável. Mourinho representa uma espécie de contributo geracional que desvasta o caminho para uma certa «revolução cultural» e para algumas «práticas de rupturas» sociais, através do desporto. Mourinho é um novo herói social que cresceu no desporto. Um novo Ali. Um Jesse Owens. Em que medida?, - perguntará o mais céptico dos leitores. No essencial. - respondo eu. Mourinho destrói a consciência propagada pelos meios de massas. Cria uma nova consciência. Chega a Inglaterra e põe termo ao primado do factor económico (Chelsea, qual nova burguesia, afronta os brazonados barões do futebol inglês), do centralismo (o título estava dividido sempre entre os mesmos), da hierarquia (Fergunson era inquestionavelmente o melhor e Wenger era tido como uma espécie de novo professor do futebol mundial). Naquilo que pode ser considerada uma extrapolação polémica, Mourinho representa o espírito vigente com que se travaram no século XX - nos Estados Unidos (e noutros países) - lutas sem precedentes contra o racismo, contra a desigualdade, contra o sistema de reprodução e até contra alguns aspectos do imperialismo.Quando Mourinho apareceu, logo foi apelidado pelos nossos bondosos mas ignorantes jornalistas de metódico, científico, pragmático... Pois claro, o homem é licenciado, usava o computador, tirava notas durante os jogos, só podíamos estar a falar de um rato de laboratório. Em contraste com os homens do futebol. Barrigudos e de pilosidade farfalhuda. Pois bem, eu acho que Mourinho diria que os cientistas são os toxicodependentes da realidade; são aqueles necessitam sempre de exercer o seu controlo sobre qualquer coisa de real. Mourinho recusa enfiar o colete-de-forças dos princípios morais, feito à base de estilhaços e de despojos, urdidos por superstições ancetrais. Pré-primitivas, diria eu. Mourinho quebrou barreiras. O tradutor, o preparador-físico que alterou as leis que governam o nosso futebol. Snyder tem uma frase que define, a meu ver na perfeição, a postura de José Mourinho: "A sabedoria é o conhecimento do espírito de amor e clareza que se esconde por detrás das angústias e das agressões fomentadas pelo ego."Finalmente, fica a pergunta. Será Mourinho um novo modelo cultural? O de um Narciso, por vezes, mesquinho, isolado do mundo exterior ou, pelo contrário, perfeitamente integrado?

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