No ano passado, a energia nuclear deveria ter representado 63 por cento da energia eléctrica produzida em Portugal. Esta era a expectativa do Plano Energético Nacional (PEN) de 1984, para satisfazer as necessidades "inevitáveis" do esperado crescimento económico. Defendia-se que a solução era "construir quatro centrais nucleares no país", lembra Carlos Pimenta, na altura secretário de Estado do Ambiente social-democrata, e um dos que mais se opuseram ao plano. Mas a proposta foi rejeitada em Conselho de Ministros em Fevereiro de 1984, depois da intervenção de António Capucho, na altura ministro da Qualidade de Vida.
"Conseguimos, juntamente com um pequeno grupo de professores universitários - como Henri Baguenier (ISEG), Domingos Moura (IST) e Delgado Domingos (IST) -, desconstruir a proposta nuclear, segundo a qual a procura de energia era uma fatalidade", lembrou Carlos Pimenta. "Preparámos o ataque ao documento com base em argumentos económicos, quando o que estavam à espera era de um argumento "verde". Mostrámos que as variáveis de input estavam erradas", contou, salientando que o plano menosprezou as questões de eficiência e poupança energética, bem como as fontes renováveis e o gás natural.
"Na altura, lembro-me de ouvir o ministro da Indústria e Energia, José Veiga Simão, dizer que se não houvesse centrais nucleares no país até 2000, ficaríamos às escuras", comentou António Eloy, dirigente da associação ecologista Os Amigos da Terra, e membro da Comissão do PEN em representação das organizações não- governamentais de ambiente.
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Quatro meses depois da rejeição, o PEN voltou a Conselho de Ministros, só para voltar a ser rejeitado. Francisco Sousa Tavares, que substituiu António Capucho na pasta, "falou durante hora e meia no Conselho de Ministros e ganhou", recorda Carlos Pimenta. O ex-secretário de Estado salienta ainda que este era um investimento demasiado grande para um "país que estava falido, meses depois da chegada do FMI [Fundo Monetário Internacional] em 1983".
Mas já anos antes, a sociedade civil mostrou o que pensava sobre centrais nucleares. "A primeira grande manifestação de pescadores e população de Ferrel aconteceu em Março de 1976", contou António Eloy, para onde estava prevista a construção de uma central nuclear. Os trabalhos foram suspensos. Em 1978, "o que havia no local era um simples medidor de vento, protegido por arame farpado e por um forte contingente da GNR". Na sua opinião, o projecto "caiu" por causa da "forte oposição popular e do início de instabilidade política, com os vários Governos de iniciativa presidencial".
Mas ainda que as centrais nucleares não tenham avançado em Portugal, avançaram em Espanha. "As nossas relações com Espanha nesses anos de 80 não eram muito felizes", contou Carlos Pimenta. Em 1985, "soubemos por um colega nosso em Bruxelas que Espanha queria enterrar resíduos nucleares em Aldeadavila, a 700 metros da fronteira portuguesa. Viemos a saber do caso porque Madrid apresentou em Bruxelas um pedido de financiamento para um projecto de "investigação científica". Não fomos avisados", lamentou. Um ano depois, "os serviços da Secretaria de Estado do Ambiente avisaram-me que os níveis de radioactividade do rio Tejo começavam a subir. Espanha voltou a não nos avisar e só depois de mais de uma semana reconheceu a fuga de radioactividade na central nuclear de Almaraz". "Estive à beira de cortar o abastecimento de água a Lisboa", recorda Pimenta. Helena Geraldes
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No ano passado, a energia nuclear deveria ter representado 63 por cento da energia eléctrica produzida em Portugal. Esta era a expectativa do Plano Energético Nacional (PEN) de 1984, para satisfazer as necessidades "inevitáveis" do esperado crescimento económico. Defendia-se que a solução era "construir quatro centrais nucleares no país", lembra Carlos Pimenta, na altura secretário de Estado do Ambiente social-democrata, e um dos que mais se opuseram ao plano. Mas a proposta foi rejeitada em Conselho de Ministros em Fevereiro de 1984, depois da intervenção de António Capucho, na altura ministro da Qualidade de Vida.
"Conseguimos, juntamente com um pequeno grupo de professores universitários - como Henri Baguenier (ISEG), Domingos Moura (IST) e Delgado Domingos (IST) -, desconstruir a proposta nuclear, segundo a qual a procura de energia era uma fatalidade", lembrou Carlos Pimenta. "Preparámos o ataque ao documento com base em argumentos económicos, quando o que estavam à espera era de um argumento "verde". Mostrámos que as variáveis de input estavam erradas", contou, salientando que o plano menosprezou as questões de eficiência e poupança energética, bem como as fontes renováveis e o gás natural.
"Na altura, lembro-me de ouvir o ministro da Indústria e Energia, José Veiga Simão, dizer que se não houvesse centrais nucleares no país até 2000, ficaríamos às escuras", comentou António Eloy, dirigente da associação ecologista Os Amigos da Terra, e membro da Comissão do PEN em representação das organizações não- governamentais de ambiente.
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Quatro meses depois da rejeição, o PEN voltou a Conselho de Ministros, só para voltar a ser rejeitado. Francisco Sousa Tavares, que substituiu António Capucho na pasta, "falou durante hora e meia no Conselho de Ministros e ganhou", recorda Carlos Pimenta. O ex-secretário de Estado salienta ainda que este era um investimento demasiado grande para um "país que estava falido, meses depois da chegada do FMI [Fundo Monetário Internacional] em 1983".
Mas já anos antes, a sociedade civil mostrou o que pensava sobre centrais nucleares. "A primeira grande manifestação de pescadores e população de Ferrel aconteceu em Março de 1976", contou António Eloy, para onde estava prevista a construção de uma central nuclear. Os trabalhos foram suspensos. Em 1978, "o que havia no local era um simples medidor de vento, protegido por arame farpado e por um forte contingente da GNR". Na sua opinião, o projecto "caiu" por causa da "forte oposição popular e do início de instabilidade política, com os vários Governos de iniciativa presidencial".
Mas ainda que as centrais nucleares não tenham avançado em Portugal, avançaram em Espanha. "As nossas relações com Espanha nesses anos de 80 não eram muito felizes", contou Carlos Pimenta. Em 1985, "soubemos por um colega nosso em Bruxelas que Espanha queria enterrar resíduos nucleares em Aldeadavila, a 700 metros da fronteira portuguesa. Viemos a saber do caso porque Madrid apresentou em Bruxelas um pedido de financiamento para um projecto de "investigação científica". Não fomos avisados", lamentou. Um ano depois, "os serviços da Secretaria de Estado do Ambiente avisaram-me que os níveis de radioactividade do rio Tejo começavam a subir. Espanha voltou a não nos avisar e só depois de mais de uma semana reconheceu a fuga de radioactividade na central nuclear de Almaraz". "Estive à beira de cortar o abastecimento de água a Lisboa", recorda Pimenta. Helena Geraldes