Dias com árvores: Manteiga clarificada

19-12-2009
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Andaram há dias, perto da Ponte da Arrábida, a rapar os taludes da auto-estrada e dos seus acessos. Desde há muito que o desmazelo das bermas, eriçadas de ervas em desalinho e semeadas de flores garridas, compungia os automobilistas, que não se cansavam de buzinar o seu protesto. Nas últimas semanas eram as dedaleiras que, imunes ao fumo dos escapes e ao rugir dos motores, lideravam a folia, içando escandalosamente as suas longilíneas hastes de flores lilases. Até que, por fim, veio a máquina zero e fez uma limpeza que dá gosto ver: a terra nua, sem ponta de verde, parece, de tão lisa, ter sido calcada por rolo compressor. E, para garantir efeitos duradouros a tão higiénica operação, talvez os cantoneiros tenham complementado a acção mecânica com uma copiosa rega de herbicida.Mas é possível que as buzinadelas tenham sido mal interpretadas, e houvesse quem, passando de automóvel, não se incomodasse assim tanto com as flores nos taludes. Aqui vai um segredo que confiamos à discrição do leitor: nós por cá gostamos dessas plantas vadias a que o vulgo chama ervas daninhas, e rogamos pragas (em surdina, é certo) a quem as manda arrancar. Achamos triste - e, já agora, um sinal da tão badalada crise - haver quem seja pago para extirpar a beleza espontânea que, em troca apenas de mantermos os olhos abertos, a natureza nos oferece.Ranunculus peltatus / Ranunculus muricatusOs ranúnculos, de que há mais de 600 espécies espalhadas pelo mundo, são daquelas plantas atrevidas que, mesmo na cidade, colonizam qualquer pedaço de solo livre. Não são uma praga: são uma dádiva, porque são bonitos e não nos custam nada; com as boninas, os trevos e outras florzitas teimosas, amenizam a tristeza dos relvados. Um dos ranúnculos de flor amarela que se fazem convidados nos nossos jardins é o bugalhó (R. muricatus); um outro, igualmente vulgar, mas com flores maiores e folhas de margens lisas, é a erva-hemorroidal (R. ficaria - foto aqui). Em ambos as flores exibem pétalas brilhantes e coroas de numerosos estames.Além dos ranúnculos de flores amarelas, que são os mais frequentes e mais fáceis de reconhecer, outros há de flores brancas; mas estes últimos, em Portugal, vivem exclusivamente em habitats alagados ou húmidos. O nome comum do R. peltatus - aqui fotografado na reserva das Lagoas, em Ponte de Lima - é justamente ranúnculo-aquático.Buttercup (ou copo-de-manteiga) é o nome inglês geralmente aplicado aos ranúnculos - mesmo, curiosamente, às espécies de flor branca.


Andaram há dias, perto da Ponte da Arrábida, a rapar os taludes da auto-estrada e dos seus acessos. Desde há muito que o desmazelo das bermas, eriçadas de ervas em desalinho e semeadas de flores garridas, compungia os automobilistas, que não se cansavam de buzinar o seu protesto. Nas últimas semanas eram as dedaleiras que, imunes ao fumo dos escapes e ao rugir dos motores, lideravam a folia, içando escandalosamente as suas longilíneas hastes de flores lilases. Até que, por fim, veio a máquina zero e fez uma limpeza que dá gosto ver: a terra nua, sem ponta de verde, parece, de tão lisa, ter sido calcada por rolo compressor. E, para garantir efeitos duradouros a tão higiénica operação, talvez os cantoneiros tenham complementado a acção mecânica com uma copiosa rega de herbicida.Mas é possível que as buzinadelas tenham sido mal interpretadas, e houvesse quem, passando de automóvel, não se incomodasse assim tanto com as flores nos taludes. Aqui vai um segredo que confiamos à discrição do leitor: nós por cá gostamos dessas plantas vadias a que o vulgo chama ervas daninhas, e rogamos pragas (em surdina, é certo) a quem as manda arrancar. Achamos triste - e, já agora, um sinal da tão badalada crise - haver quem seja pago para extirpar a beleza espontânea que, em troca apenas de mantermos os olhos abertos, a natureza nos oferece.Ranunculus peltatus / Ranunculus muricatusOs ranúnculos, de que há mais de 600 espécies espalhadas pelo mundo, são daquelas plantas atrevidas que, mesmo na cidade, colonizam qualquer pedaço de solo livre. Não são uma praga: são uma dádiva, porque são bonitos e não nos custam nada; com as boninas, os trevos e outras florzitas teimosas, amenizam a tristeza dos relvados. Um dos ranúnculos de flor amarela que se fazem convidados nos nossos jardins é o bugalhó (R. muricatus); um outro, igualmente vulgar, mas com flores maiores e folhas de margens lisas, é a erva-hemorroidal (R. ficaria - foto aqui). Em ambos as flores exibem pétalas brilhantes e coroas de numerosos estames.Além dos ranúnculos de flores amarelas, que são os mais frequentes e mais fáceis de reconhecer, outros há de flores brancas; mas estes últimos, em Portugal, vivem exclusivamente em habitats alagados ou húmidos. O nome comum do R. peltatus - aqui fotografado na reserva das Lagoas, em Ponte de Lima - é justamente ranúnculo-aquático.Buttercup (ou copo-de-manteiga) é o nome inglês geralmente aplicado aos ranúnculos - mesmo, curiosamente, às espécies de flor branca.

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