foto e texto © MLRMelro num tamariz «Encontro-me com o melro às 7 e dez da manhã, na Avenida do Brasil. Desde há muitas semanas, espera-me sempre num galho descarnado que sobra, bem mais alto, dum arbusto, apontado ao mar. Ouço-o antes de o ver. Já tentei fotografá-lo, mas é ainda muito escuro. Trina como um profissional. Entremeia agudos e graves com toda a elegância e por vezes, como se lhe falhasse a voz, gorjeia como um meso-contralto. Mas está ali, mancha negra de bico amarelo, senhor do mar e das redondezas, cantando à beleza da vida, cabecita voltada para o céu como se apontasse uma estrela, no seu diálogo com o Criador. E eu julgo perceber o seu canto de alegria, de plenitude. Que está frio, muito frio e que ele só tem as penas negras do Inverno e o calor da sua voz. Que amanhã poderá estar mais frio ainda e que poderá partir para longe do mar em direcção à sua estrela, num começo de eternidade. Mas há-de continuar a gorjear o seu hino à beleza da vida, à alegria de estar vivo num dia belo como o de hoje sem se interrogar sobre esta banalidade do viver.Isto foi há dias. Hoje ainda ia com esperança de voltar a encontrar-me com o meu Caruso pois tem falhado o nosso encontro. Temo que as últimas noites de zero graus lhe tenham calado o pio: penas negras em repouso com um traço amarelo num ninho escondido. Será a última fotografia dele que te envio ?»
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foto e texto © MLRMelro num tamariz «Encontro-me com o melro às 7 e dez da manhã, na Avenida do Brasil. Desde há muitas semanas, espera-me sempre num galho descarnado que sobra, bem mais alto, dum arbusto, apontado ao mar. Ouço-o antes de o ver. Já tentei fotografá-lo, mas é ainda muito escuro. Trina como um profissional. Entremeia agudos e graves com toda a elegância e por vezes, como se lhe falhasse a voz, gorjeia como um meso-contralto. Mas está ali, mancha negra de bico amarelo, senhor do mar e das redondezas, cantando à beleza da vida, cabecita voltada para o céu como se apontasse uma estrela, no seu diálogo com o Criador. E eu julgo perceber o seu canto de alegria, de plenitude. Que está frio, muito frio e que ele só tem as penas negras do Inverno e o calor da sua voz. Que amanhã poderá estar mais frio ainda e que poderá partir para longe do mar em direcção à sua estrela, num começo de eternidade. Mas há-de continuar a gorjear o seu hino à beleza da vida, à alegria de estar vivo num dia belo como o de hoje sem se interrogar sobre esta banalidade do viver.Isto foi há dias. Hoje ainda ia com esperança de voltar a encontrar-me com o meu Caruso pois tem falhado o nosso encontro. Temo que as últimas noites de zero graus lhe tenham calado o pio: penas negras em repouso com um traço amarelo num ninho escondido. Será a última fotografia dele que te envio ?»