averomundo: Professor titular: o desprezo pelas pessoas

23-12-2009
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As elites políticas portuguesas, fundamentalmente quando exercem funções de governação, sentem um profundo desprezo pelas pessoas que governam. Um exemplo claro é o concurso para professor titular, agora a decorrer.Todos se lembram da retórica da ministra da educação sobre a necessidade de premiar os melhores, de separar o trigo do joio. Para isso inventou uma nova categoria de professores, os chamados professores titulares, à qual acederiam os melhores. Eu nunca acreditei na retórica, mas faltava a prova empírica. Chegou o momento dessa prova, com a definição das regras de acesso a este primeiro concurso.As pessoas que não trabalham na educação tendem a dar algum crédito ao discurso ministerial, mas a realidade é bem diferente. O método de selecção é baseado em putativos critérios objectivos, aos quais se atribui uma determinada pontuação. Aos professores que estão no topo da carreira, “basta” atingirem certo valor (95 pontos) para chegarem a professor titular. Os outros professores aptos a concorrer a titular não têm esse limite. Há uma seriação e quem tiver mais pontuação ocupa as vagas. Até aqui tudo parece normal.O problema surge quando se olha para a realidade e se descobre quais são os critérios que dão pontos e os que não dão. Dão pontos mestrados e doutoramentos, o que, em princípio, será justo. Mas já não é justo que as classificações de licenciatura e as de estágio não sirvam para nada. Vale tanto um professor licenciado com 10 valores como um com 15, 16 ou 17. Vale tanto quem tenha um “estágio” (profissionalização) com 18 valores como quem tenha com 10. Aqui começamos a sentir a injustiça e o desprezo que o Ministério da Educação tem pelos professores.Falou-se muito em assiduidade. Mas os critérios são tão largos que até “faltistas” militantes têm a pontuação máxima. São todos iguais, quer faltem muito, pouco ou nada, desde que não seja ao abrigo do desconto no tempo de férias. Neste item, mais uma vez, são quase todos iguais.Os critérios decisivos são o ter estado a dar aulas e os cargos que se desempenhou. A maioria dos professores esteve a dar aulas e portanto está na mesma situação. O que na maior parte dos casos diferencia os professores são os cargos. Estes, na sua maioria, representavam uma diminuição no número de aulas a leccionar. Mais, nenhum desses cargos prova que o professor que o exerce é melhor do que outros. Funções de direcção, de assessoria, de direcção de turma, de grupo, departamento, etc., etc., aconteceram na maioria das escolas aleatoriamente, muitas vezes para certos professores «fugirem» aos alunos, outras pela distribuição do serviço e preenchimento de horários. Quem gosta de ensinar, prefere ter alunos do que cargos e redução no horário. Por outro lado, ser coordenador de departamento, p. ex., dá 6 pontos por ano, independente da pessoa ter sido excelente, sofrível ou medíocre coordenador. Além da redução no horário, o professor agora é premiado com uma mais valia no concurso. É o que se chama duplo jackpot. O mesmo se passa para os outros cargos.Curiosamente, os resultados dos alunos em exame não servem para nada. Tanto mérito tem aos olhos do ME o professor cujos alunos por norma têm bons resultados, como aquele cujos alunos têm maus ou péssimos. São todos iguais.Começa-se já a sentir pelas escolas uma grande insatisfação e um sentimento de injustiça, pois as pessoas conhecem-se umas às outras. Há pessoas com mais de 30 anos de ensino, uma dedicação aos seus alunos extraordinária, e pelo facto de «apenas» terem ensinado e não terem tido, nos últimos 7 anos, cargos (que os outros tiveram com redução de horário) são preteridos por professores reconhecidamente medíocres, que o acaso fez que acumulassem cargos, que os professores sempre consideraram de pouco relevo para a aprendizagem dos alunos.Esta atitude é a imagem de marca do actual ministério. Quando estalou a polémica sobre as aulas de substituição, a sociedade não percebeu o que indignou muitos professores. Mas o que os indignou foi o castigo a que os professores que por norma não faltavam receberam. Além de dar as suas aulas, têm de tomar conta dos alunos daqueles que faltam. Sem prémios, nem castigos, a não ser para aquele que cumpre. Estranho critério de justiça.Maria de Lurdes Rodrigues, Jorge Pedreira e Valter Lemos são símbolos da atitude política dos governantes para com os governados: desprezo pelas pessoas, busca de uma hipotética eficácia (esta pressa de encontrar titulares) à custa do atropelamento dos indivíduos e da criação de inúmeras situações de injustiça, por esse país fora. Mas isto é apenas uma amostra do profundo desprezo que as elites políticas, ao chegar ao governo, têm pelos governados. Qualquer coisa, por mais arbitrária que seja, serve para governar a gentalha que está lá para baixo.Isto podia ser resolvido de outra maneira? Podia, se o ME não desprezasse os «seus» professores. Utilizava como titulares e de forma provisória os professores no topo da carreira, os mais velhos, e abria concurso com prestação de provas públicas e análise curricular, com a valorização da dimensão científica do ensino e dos resultados dos alunos, perante um júri independente, durante os próximos anos. Seria justo e as escolas funcionariam como o ME deseja. Mas aquilo que se pretende, parece, é humilhar ainda mais os professores.Mostra ainda outra coisa: o desprezo pelos eleitores. Depois de encher a boca com a defesa da escola pública, quando chegou a altura de mostrar a realidade, o que o ME deu aos portugueses não foi uma escola na qual os professores com mérito são reconhecidos, mas um jogo de lotaria, uma espécie de eurotostões, que tornará a escola portuguesa ainda menos séria, mas agora com relações pessoais, entre os professores, cada vez mais degradadas e degradantes. Uma escola medíocre, eis o resultado. Pela obra se reconhece o obrador.Foto: http://visao.clix.pt/ImagensConteudos/marialurdesrodrigues_foto.jpg


As elites políticas portuguesas, fundamentalmente quando exercem funções de governação, sentem um profundo desprezo pelas pessoas que governam. Um exemplo claro é o concurso para professor titular, agora a decorrer.Todos se lembram da retórica da ministra da educação sobre a necessidade de premiar os melhores, de separar o trigo do joio. Para isso inventou uma nova categoria de professores, os chamados professores titulares, à qual acederiam os melhores. Eu nunca acreditei na retórica, mas faltava a prova empírica. Chegou o momento dessa prova, com a definição das regras de acesso a este primeiro concurso.As pessoas que não trabalham na educação tendem a dar algum crédito ao discurso ministerial, mas a realidade é bem diferente. O método de selecção é baseado em putativos critérios objectivos, aos quais se atribui uma determinada pontuação. Aos professores que estão no topo da carreira, “basta” atingirem certo valor (95 pontos) para chegarem a professor titular. Os outros professores aptos a concorrer a titular não têm esse limite. Há uma seriação e quem tiver mais pontuação ocupa as vagas. Até aqui tudo parece normal.O problema surge quando se olha para a realidade e se descobre quais são os critérios que dão pontos e os que não dão. Dão pontos mestrados e doutoramentos, o que, em princípio, será justo. Mas já não é justo que as classificações de licenciatura e as de estágio não sirvam para nada. Vale tanto um professor licenciado com 10 valores como um com 15, 16 ou 17. Vale tanto quem tenha um “estágio” (profissionalização) com 18 valores como quem tenha com 10. Aqui começamos a sentir a injustiça e o desprezo que o Ministério da Educação tem pelos professores.Falou-se muito em assiduidade. Mas os critérios são tão largos que até “faltistas” militantes têm a pontuação máxima. São todos iguais, quer faltem muito, pouco ou nada, desde que não seja ao abrigo do desconto no tempo de férias. Neste item, mais uma vez, são quase todos iguais.Os critérios decisivos são o ter estado a dar aulas e os cargos que se desempenhou. A maioria dos professores esteve a dar aulas e portanto está na mesma situação. O que na maior parte dos casos diferencia os professores são os cargos. Estes, na sua maioria, representavam uma diminuição no número de aulas a leccionar. Mais, nenhum desses cargos prova que o professor que o exerce é melhor do que outros. Funções de direcção, de assessoria, de direcção de turma, de grupo, departamento, etc., etc., aconteceram na maioria das escolas aleatoriamente, muitas vezes para certos professores «fugirem» aos alunos, outras pela distribuição do serviço e preenchimento de horários. Quem gosta de ensinar, prefere ter alunos do que cargos e redução no horário. Por outro lado, ser coordenador de departamento, p. ex., dá 6 pontos por ano, independente da pessoa ter sido excelente, sofrível ou medíocre coordenador. Além da redução no horário, o professor agora é premiado com uma mais valia no concurso. É o que se chama duplo jackpot. O mesmo se passa para os outros cargos.Curiosamente, os resultados dos alunos em exame não servem para nada. Tanto mérito tem aos olhos do ME o professor cujos alunos por norma têm bons resultados, como aquele cujos alunos têm maus ou péssimos. São todos iguais.Começa-se já a sentir pelas escolas uma grande insatisfação e um sentimento de injustiça, pois as pessoas conhecem-se umas às outras. Há pessoas com mais de 30 anos de ensino, uma dedicação aos seus alunos extraordinária, e pelo facto de «apenas» terem ensinado e não terem tido, nos últimos 7 anos, cargos (que os outros tiveram com redução de horário) são preteridos por professores reconhecidamente medíocres, que o acaso fez que acumulassem cargos, que os professores sempre consideraram de pouco relevo para a aprendizagem dos alunos.Esta atitude é a imagem de marca do actual ministério. Quando estalou a polémica sobre as aulas de substituição, a sociedade não percebeu o que indignou muitos professores. Mas o que os indignou foi o castigo a que os professores que por norma não faltavam receberam. Além de dar as suas aulas, têm de tomar conta dos alunos daqueles que faltam. Sem prémios, nem castigos, a não ser para aquele que cumpre. Estranho critério de justiça.Maria de Lurdes Rodrigues, Jorge Pedreira e Valter Lemos são símbolos da atitude política dos governantes para com os governados: desprezo pelas pessoas, busca de uma hipotética eficácia (esta pressa de encontrar titulares) à custa do atropelamento dos indivíduos e da criação de inúmeras situações de injustiça, por esse país fora. Mas isto é apenas uma amostra do profundo desprezo que as elites políticas, ao chegar ao governo, têm pelos governados. Qualquer coisa, por mais arbitrária que seja, serve para governar a gentalha que está lá para baixo.Isto podia ser resolvido de outra maneira? Podia, se o ME não desprezasse os «seus» professores. Utilizava como titulares e de forma provisória os professores no topo da carreira, os mais velhos, e abria concurso com prestação de provas públicas e análise curricular, com a valorização da dimensão científica do ensino e dos resultados dos alunos, perante um júri independente, durante os próximos anos. Seria justo e as escolas funcionariam como o ME deseja. Mas aquilo que se pretende, parece, é humilhar ainda mais os professores.Mostra ainda outra coisa: o desprezo pelos eleitores. Depois de encher a boca com a defesa da escola pública, quando chegou a altura de mostrar a realidade, o que o ME deu aos portugueses não foi uma escola na qual os professores com mérito são reconhecidos, mas um jogo de lotaria, uma espécie de eurotostões, que tornará a escola portuguesa ainda menos séria, mas agora com relações pessoais, entre os professores, cada vez mais degradadas e degradantes. Uma escola medíocre, eis o resultado. Pela obra se reconhece o obrador.Foto: http://visao.clix.pt/ImagensConteudos/marialurdesrodrigues_foto.jpg

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