O prémio P.E.N. Clube de Ensaio foi atribuído ex-aequo a Frederico Lourenço ("Novos Ensaios Helénicos e Alemães", cotovia) e a Isabel Cristina Pinto Mateus pelo ensaio "Kodakização e despolarização do real-para uma poética do grotesco na obra de Fialho de Almeida"(Caminho). Registe-se então que a obra do autor de Vila de Frades continua a interessar os estudiosos (e não só), expandindo a percepção que temos de Portugal e do Alentejo. Quando li pela primeira vez "O País das Uvas" senti-me (quase) como que atingido por um raio. O Alentejo de Fialho é energia e vivacidade e as suas páginas contêm uma luminosidade que é impossível esquecer: "Um grande sol claro e cadente alaga a praça em júbilos africanos, e a sua catarata de fogo dá uma vibratilidade dolorosa às coisas que nos circundam, uma vida alucinada a cada simples função da nossa vida. Sob uma tal incandescência, que diríeis uma tripla essência de tortura, veiculada em fulgurantes zoeiras de arco-íris, adeus tranquilas sensações, ideias serenas,exactidões religiosas dos sentidos, índoles mansas e amoráveis, almas translúcidas e benignos ideais de felicidade! Cada raio deste sol é uma pata de demónio agitando nos crânios todas as sortes de impulsões desencontradas, todas as monomanias mefistofélicas e bizarras. Razão por que saem daqui tantos artistas, tantos relassos, tantos pulhas e tantos doidos. Na vivacidade macabra destes gestos pressente-se já a Andaluzia um poucochinho, terra de amores e assassinatos, em que é tão grato à consciência engolir uma hóstia como seduzir uma mulher, como furar uma barriga. Pupilas vivas, inquietadoras, traiçoeiras, erráticas, cruzando os seus fogos de arte, numa incandescência de paixões vulcanizadas. E nas cabeças ambições, e nas prosápias soberba, que as inconstâncias do carácter, felizmente, proíbem de atingir conclusões definitivas" ("O País das Uvas", p.24, círculo de leitores). Ainda não li o ensaio da Isabel Mateus, mas, de certeza que a capacidade transformadora (e libertadora?) das palavras poéticas de Fialho de Almeida não lhe escaparam. E a propósito desta poética do sul lembrei-me de Cesare Pavese, para quem a poesia começou quando alguém diante do mar disse: "parece azeite". De uma forma brutal e humorística, o autor de "Lavorare Stanca"(Trabalhar Cansa) exprime o que o ofício do poeta tem de transfigurador. Paradoxalmente, é no "fingimento" poético que encontramos a "realidade real" de que tantas vezes não nos damos conta.
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O prémio P.E.N. Clube de Ensaio foi atribuído ex-aequo a Frederico Lourenço ("Novos Ensaios Helénicos e Alemães", cotovia) e a Isabel Cristina Pinto Mateus pelo ensaio "Kodakização e despolarização do real-para uma poética do grotesco na obra de Fialho de Almeida"(Caminho). Registe-se então que a obra do autor de Vila de Frades continua a interessar os estudiosos (e não só), expandindo a percepção que temos de Portugal e do Alentejo. Quando li pela primeira vez "O País das Uvas" senti-me (quase) como que atingido por um raio. O Alentejo de Fialho é energia e vivacidade e as suas páginas contêm uma luminosidade que é impossível esquecer: "Um grande sol claro e cadente alaga a praça em júbilos africanos, e a sua catarata de fogo dá uma vibratilidade dolorosa às coisas que nos circundam, uma vida alucinada a cada simples função da nossa vida. Sob uma tal incandescência, que diríeis uma tripla essência de tortura, veiculada em fulgurantes zoeiras de arco-íris, adeus tranquilas sensações, ideias serenas,exactidões religiosas dos sentidos, índoles mansas e amoráveis, almas translúcidas e benignos ideais de felicidade! Cada raio deste sol é uma pata de demónio agitando nos crânios todas as sortes de impulsões desencontradas, todas as monomanias mefistofélicas e bizarras. Razão por que saem daqui tantos artistas, tantos relassos, tantos pulhas e tantos doidos. Na vivacidade macabra destes gestos pressente-se já a Andaluzia um poucochinho, terra de amores e assassinatos, em que é tão grato à consciência engolir uma hóstia como seduzir uma mulher, como furar uma barriga. Pupilas vivas, inquietadoras, traiçoeiras, erráticas, cruzando os seus fogos de arte, numa incandescência de paixões vulcanizadas. E nas cabeças ambições, e nas prosápias soberba, que as inconstâncias do carácter, felizmente, proíbem de atingir conclusões definitivas" ("O País das Uvas", p.24, círculo de leitores). Ainda não li o ensaio da Isabel Mateus, mas, de certeza que a capacidade transformadora (e libertadora?) das palavras poéticas de Fialho de Almeida não lhe escaparam. E a propósito desta poética do sul lembrei-me de Cesare Pavese, para quem a poesia começou quando alguém diante do mar disse: "parece azeite". De uma forma brutal e humorística, o autor de "Lavorare Stanca"(Trabalhar Cansa) exprime o que o ofício do poeta tem de transfigurador. Paradoxalmente, é no "fingimento" poético que encontramos a "realidade real" de que tantas vezes não nos damos conta.