O Cachimbo de Magritte: Do Corta-Fitas a São Vicente

05-08-2010
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O Corta-Fitas prossegue a melhor série da blogosfera portuguesa em tempos recentes. Não sei onde é que os cortafiteiros foram desencantar a autora, mas as fotografias de Lisboa são fantásticas. É, aliás, uma curiosa ironia que, num blogue onde escrevem vários monárquicos e um descendente de alemães (o Rui Crull Tabosa, se bem percebi), a série tenha começado com uma vista de São Vicente de Fora. O mosteiro de São Vicente, hoje sede do Patriarcado, foi desde sempre um símbolo da presença régia em Lisboa. Fundado por D. Afonso Henriques logo após a conquista de 1147, serviu de cemitério aos cruzados alemães e flamengos mortos durante o cerco. O direito de padroado, isto é, a nomeação do prior, pertenceu sempre à coroa, em contraponto a Santa Maria dos Mártires, no lado oposto da cidade (embora não exactamente no local onde hoje está), que o rei ergue em memória dos cruzados ingleses, mas doa a Gilberto de Hastings, o primeiro bispo pós-1147. Em São Vicente será até cultuado pela primitiva comunidade monástica, composta por premonstratenses flamengos, um cruzado alemão, Henrique de Bona, que aí recebera sepultura e fama de santidade - nunca oficializada por qualquer processo de canonização. Uma curiosíssima devoção local que só esmorece com a chegada das relíquias do próprio São Vicente, em 1173, e sobretudo dos cónegos regrantes de Santo Agostinho, que se instalam no mosteiro até à extinção das ordens religiosas em 1834. Entretanto, a última dinastia de Portugal, de D. João IV a D. Carlos, faz-se enterrar na cripta. Trocando o seu panteão de Vila Viçosa pelo mosteiro régio de Lisboa, os Bragança selavam um destino nacional. Tal como, antes deles, fizera Filipe I, o rei espanhol, que manda reconstruir por completo a velha igreja românica original. O resultado foi a obra de arte maneirista que hoje podemos contemplar e o terramoto de 1755 poupou.Vale a pena subir as centenas de degraus até ao telhado. Pelo caminho, pareces forradas a azulejos dos séculos XVII e XVIII com cenas de trabalho e de caça. Lá em cima, a vista sobre a zona oriental, um dos tesouros mais bem guardados de Lisboa. Amplíssima, com o Tejo aos pés, apanha todo o cotovelo onde começa o Mar da Palha. Ao fundo, vê-se distintamente a Expo, a ponte nova, Sacavém, Vila Franca, Palmela, a Arrábida, Alcochete, o esteiro que entra pelo Barreiro dentro. Num dia bom, é de perder o fôlego. Às vezes, enterrados no trânsito ou nos corredores do Metro, esquecemo-nos de que a cidade tem recantos deslumbrantes. Obrigado ao Corta-Fitas por nos lembrar.


O Corta-Fitas prossegue a melhor série da blogosfera portuguesa em tempos recentes. Não sei onde é que os cortafiteiros foram desencantar a autora, mas as fotografias de Lisboa são fantásticas. É, aliás, uma curiosa ironia que, num blogue onde escrevem vários monárquicos e um descendente de alemães (o Rui Crull Tabosa, se bem percebi), a série tenha começado com uma vista de São Vicente de Fora. O mosteiro de São Vicente, hoje sede do Patriarcado, foi desde sempre um símbolo da presença régia em Lisboa. Fundado por D. Afonso Henriques logo após a conquista de 1147, serviu de cemitério aos cruzados alemães e flamengos mortos durante o cerco. O direito de padroado, isto é, a nomeação do prior, pertenceu sempre à coroa, em contraponto a Santa Maria dos Mártires, no lado oposto da cidade (embora não exactamente no local onde hoje está), que o rei ergue em memória dos cruzados ingleses, mas doa a Gilberto de Hastings, o primeiro bispo pós-1147. Em São Vicente será até cultuado pela primitiva comunidade monástica, composta por premonstratenses flamengos, um cruzado alemão, Henrique de Bona, que aí recebera sepultura e fama de santidade - nunca oficializada por qualquer processo de canonização. Uma curiosíssima devoção local que só esmorece com a chegada das relíquias do próprio São Vicente, em 1173, e sobretudo dos cónegos regrantes de Santo Agostinho, que se instalam no mosteiro até à extinção das ordens religiosas em 1834. Entretanto, a última dinastia de Portugal, de D. João IV a D. Carlos, faz-se enterrar na cripta. Trocando o seu panteão de Vila Viçosa pelo mosteiro régio de Lisboa, os Bragança selavam um destino nacional. Tal como, antes deles, fizera Filipe I, o rei espanhol, que manda reconstruir por completo a velha igreja românica original. O resultado foi a obra de arte maneirista que hoje podemos contemplar e o terramoto de 1755 poupou.Vale a pena subir as centenas de degraus até ao telhado. Pelo caminho, pareces forradas a azulejos dos séculos XVII e XVIII com cenas de trabalho e de caça. Lá em cima, a vista sobre a zona oriental, um dos tesouros mais bem guardados de Lisboa. Amplíssima, com o Tejo aos pés, apanha todo o cotovelo onde começa o Mar da Palha. Ao fundo, vê-se distintamente a Expo, a ponte nova, Sacavém, Vila Franca, Palmela, a Arrábida, Alcochete, o esteiro que entra pelo Barreiro dentro. Num dia bom, é de perder o fôlego. Às vezes, enterrados no trânsito ou nos corredores do Metro, esquecemo-nos de que a cidade tem recantos deslumbrantes. Obrigado ao Corta-Fitas por nos lembrar.

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