O Cachimbo de Magritte: Ingenuidades

07-08-2010
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Agora que já não se cheira a pólvora na esquina do Terreiro do Paço com a Rua do Arsenal, talvez já se possa falar em algum sossego. Toda a "polémica" Aquilino-no-Panteão-ou-não foi manifestamente exagerada (para não dizer ridícula) - de resto, passou ao lado dos Portugueses, mais preocupados com o soco de Scolari e a demissão de Mourinho.Por um lado, as vozes, mais ou menos esganiçadas, que se levantaram contra a trasladação acabaram por dar importância a uma coisa que talvez não a mereça: não me refiro a Aquilino, refiro-me ao Panteão. Basta ver quem já lá está para se concluir que o critério para a admissão dos residentes é meramente "ideológico" e, portanto, efémero (depende do capricho do momento, precisamente aquilo que um Panteão não deveria ser). Assim, tem-se Carmona e Delgado, Arriaga e Sidónio. E escritores? Que pensar dum Panteão Nacional que inclui João deDeus e Guerra Junqueiro (sem ironia, apreciáveis), mas onde não se encontram Carlos de Oliveira, Jorge de Sena ou Nemésio? E Eça, Camilo, Almada Negreiros, Rodrigues Miguéis?Por outro lado, Rui Ramos e Vasco Pulido Valente parecem ter posto no seu lugar as denúncias escandalizadas da participação de Aquilino no atentado de 1908 (ainda que alguns prometam revelações estrondosas sobre a coisa - aguardamos ansiosos). Mas suponhamos que teria realmente havido uma participação "logística" ou mesmo "prática" do nosso jacobino de 22 anos no regicídio. Apetece, então, perguntar: e daí? Alguém consegue vislumbrar alguma relação entre o episódio e o mérito ou demérito literário do homem? Não seria o primeiro autor a praticar ou a simpatizar com barbaridades. Mas será que ainda é preciso lembrar isto? (Dispenso-me de fornecer exemplos.)Do lado dos apoiantes da trasladação, houve quem se carpisse, quase rasgando as vestes, por o "mestre Aquilino" não fazer já parte do elenco de autores obrigatórios do Ensino Secundário - queixaram-se olhando de esguelha para aqueles que, no Ministério da Educação, decidem sobre estas matérias. Ingenuidade. Seria o mesmo que alguém lamentar um vegetariano por não apreciar um bife à Marrare. Por mim, penso que não viria mal nenhum ao mundo (pelocontrário) que O Malhadinhas ou O Romance da Raposa fossem estudados no Secundário. A leitura de passagens do Aldeia, Terra, Gente e Bichos ajudaria a que, entre outras coisas, nos conhecessemos melhor. Mas é inútil apelar-se aos tais decisores. Já se percebeu, pelas malfeitorias passadas, que é gente desprovida de sensibilidade literária. É gente que prefere, com genuíno entusiasmo, "formar" gerações embrutecidas. Gerações que devem ser providas das competências linguísticas suficientes para decifrar horários de caminhos de ferro ou instruções de máquinas de lavar roupa, mas que não precisam para nada de ler o Padre António Vieira, Fernão Mendes Pinto, Garrett ou Eça de Queirós. Não precisam de percorrer os caminhos variados de uma língua, de educar o gosto, de treinar a sensibilidade. Gerações assassinadas. Pedicídio.


Agora que já não se cheira a pólvora na esquina do Terreiro do Paço com a Rua do Arsenal, talvez já se possa falar em algum sossego. Toda a "polémica" Aquilino-no-Panteão-ou-não foi manifestamente exagerada (para não dizer ridícula) - de resto, passou ao lado dos Portugueses, mais preocupados com o soco de Scolari e a demissão de Mourinho.Por um lado, as vozes, mais ou menos esganiçadas, que se levantaram contra a trasladação acabaram por dar importância a uma coisa que talvez não a mereça: não me refiro a Aquilino, refiro-me ao Panteão. Basta ver quem já lá está para se concluir que o critério para a admissão dos residentes é meramente "ideológico" e, portanto, efémero (depende do capricho do momento, precisamente aquilo que um Panteão não deveria ser). Assim, tem-se Carmona e Delgado, Arriaga e Sidónio. E escritores? Que pensar dum Panteão Nacional que inclui João deDeus e Guerra Junqueiro (sem ironia, apreciáveis), mas onde não se encontram Carlos de Oliveira, Jorge de Sena ou Nemésio? E Eça, Camilo, Almada Negreiros, Rodrigues Miguéis?Por outro lado, Rui Ramos e Vasco Pulido Valente parecem ter posto no seu lugar as denúncias escandalizadas da participação de Aquilino no atentado de 1908 (ainda que alguns prometam revelações estrondosas sobre a coisa - aguardamos ansiosos). Mas suponhamos que teria realmente havido uma participação "logística" ou mesmo "prática" do nosso jacobino de 22 anos no regicídio. Apetece, então, perguntar: e daí? Alguém consegue vislumbrar alguma relação entre o episódio e o mérito ou demérito literário do homem? Não seria o primeiro autor a praticar ou a simpatizar com barbaridades. Mas será que ainda é preciso lembrar isto? (Dispenso-me de fornecer exemplos.)Do lado dos apoiantes da trasladação, houve quem se carpisse, quase rasgando as vestes, por o "mestre Aquilino" não fazer já parte do elenco de autores obrigatórios do Ensino Secundário - queixaram-se olhando de esguelha para aqueles que, no Ministério da Educação, decidem sobre estas matérias. Ingenuidade. Seria o mesmo que alguém lamentar um vegetariano por não apreciar um bife à Marrare. Por mim, penso que não viria mal nenhum ao mundo (pelocontrário) que O Malhadinhas ou O Romance da Raposa fossem estudados no Secundário. A leitura de passagens do Aldeia, Terra, Gente e Bichos ajudaria a que, entre outras coisas, nos conhecessemos melhor. Mas é inútil apelar-se aos tais decisores. Já se percebeu, pelas malfeitorias passadas, que é gente desprovida de sensibilidade literária. É gente que prefere, com genuíno entusiasmo, "formar" gerações embrutecidas. Gerações que devem ser providas das competências linguísticas suficientes para decifrar horários de caminhos de ferro ou instruções de máquinas de lavar roupa, mas que não precisam para nada de ler o Padre António Vieira, Fernão Mendes Pinto, Garrett ou Eça de Queirós. Não precisam de percorrer os caminhos variados de uma língua, de educar o gosto, de treinar a sensibilidade. Gerações assassinadas. Pedicídio.

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