Em memória do tio Alex
A sua postura foi sempre a de um homem atento e preocupado. Atento aos riscos e escorregadelas que a vida sempre nos reserva e preocupado com os outros, aqueles que lhe são próximos, os familiares e os amigos. Mas o tio Alex era também dotado de uma alma grandiosa e de uma profunda inteligência. Vivia a vida e os problemas dos que lhe eram queridos como se fosse ele próprio a sofrer as consequências dos passos mal dados ou da ausência de soluções. A preocupação em ser amigo e solidário era expressão do seu humanismo e da sua sabedoria. Era um pai, um tio e um irmão sempre disponível para ajudar, sempre a querer prevenir problemas, antecipar soluções. O paternalismo que se sentia no olhar e nos gestos de Alexander Yarovoy transmitia-nos a segurança e o carinho que só podem ganhar autenticidade em pessoas de forte carácter, daquelas que fazem a diferença – os potenciais líderes – e que não se conformam com a mediocridade. Quando vi as fotos de juventude do tio Alex, logo imaginei um jovem irreverente e activista, que – se fosse francês – poderia confundir-se com um intelectual engajado, talvez marcado pelas ideias de Jean-Paul Sartre, Michel Foucault ou Castoriadis. Imaginei-o ainda nas ruas de Praga a resistir aos tanques soviéticos ou em Paris, misturado com outros milhares de jovens, no Maio de 68, a insurgir-se contra a polícia e em luta pela liberdade. Efectivamente, por esses anos, Alex estudava na capital ucraniana, onde a censura e a ideologia soviética não davam margem a grandes rebeldias. Mas concerteza frequentou os círculos intelectuais e estudantis de Kiev, era ouvinte da Rádio Liberdade que emitia clandestinamente a partir de Inglaterra. A sua sensibilidade e inteligência mantiveram-no socialmente activo mesmo após o fim do regime soviético. Durante a Revolução Laranja (2004), embora já doente e fragilizado, esteve particularmente activo no acompanhamento dos acontecimentos da Praça da Independência em Kiev. A cumplicidade que estabelecemos – apesar da barreira linguística – desde que nos conhecemos exprime talvez uma profunda sintonia de atitudes, quer perante a vida dos nossos ente-queridos, quer perante os ritmos e perplexidades do mundo problemático em que vivemos. Um mundo em que a queda do muro de Berlim ajudou a aproximar-nos. Embora Alexander Yarovoy nunca tenha chegado a cruzar as fronteiras do campo soviético, a sua consciência e humanidade tocou-me profundamente. A sua morte precoce, ocorrida no passado dia 4 na cidade de Cherkassy, onde vivia, foi para nós uma profunda perda. A perda de um amigo especial, de um anjo protector que nos deixa a todos mais vulneráveis e muito tristes. Em meu nome e de sua sobrinha Nataliya Naumenko.
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Em memória do tio Alex
A sua postura foi sempre a de um homem atento e preocupado. Atento aos riscos e escorregadelas que a vida sempre nos reserva e preocupado com os outros, aqueles que lhe são próximos, os familiares e os amigos. Mas o tio Alex era também dotado de uma alma grandiosa e de uma profunda inteligência. Vivia a vida e os problemas dos que lhe eram queridos como se fosse ele próprio a sofrer as consequências dos passos mal dados ou da ausência de soluções. A preocupação em ser amigo e solidário era expressão do seu humanismo e da sua sabedoria. Era um pai, um tio e um irmão sempre disponível para ajudar, sempre a querer prevenir problemas, antecipar soluções. O paternalismo que se sentia no olhar e nos gestos de Alexander Yarovoy transmitia-nos a segurança e o carinho que só podem ganhar autenticidade em pessoas de forte carácter, daquelas que fazem a diferença – os potenciais líderes – e que não se conformam com a mediocridade. Quando vi as fotos de juventude do tio Alex, logo imaginei um jovem irreverente e activista, que – se fosse francês – poderia confundir-se com um intelectual engajado, talvez marcado pelas ideias de Jean-Paul Sartre, Michel Foucault ou Castoriadis. Imaginei-o ainda nas ruas de Praga a resistir aos tanques soviéticos ou em Paris, misturado com outros milhares de jovens, no Maio de 68, a insurgir-se contra a polícia e em luta pela liberdade. Efectivamente, por esses anos, Alex estudava na capital ucraniana, onde a censura e a ideologia soviética não davam margem a grandes rebeldias. Mas concerteza frequentou os círculos intelectuais e estudantis de Kiev, era ouvinte da Rádio Liberdade que emitia clandestinamente a partir de Inglaterra. A sua sensibilidade e inteligência mantiveram-no socialmente activo mesmo após o fim do regime soviético. Durante a Revolução Laranja (2004), embora já doente e fragilizado, esteve particularmente activo no acompanhamento dos acontecimentos da Praça da Independência em Kiev. A cumplicidade que estabelecemos – apesar da barreira linguística – desde que nos conhecemos exprime talvez uma profunda sintonia de atitudes, quer perante a vida dos nossos ente-queridos, quer perante os ritmos e perplexidades do mundo problemático em que vivemos. Um mundo em que a queda do muro de Berlim ajudou a aproximar-nos. Embora Alexander Yarovoy nunca tenha chegado a cruzar as fronteiras do campo soviético, a sua consciência e humanidade tocou-me profundamente. A sua morte precoce, ocorrida no passado dia 4 na cidade de Cherkassy, onde vivia, foi para nós uma profunda perda. A perda de um amigo especial, de um anjo protector que nos deixa a todos mais vulneráveis e muito tristes. Em meu nome e de sua sobrinha Nataliya Naumenko.