“O português desinteressa-se colectivamente. Não vibra numa acção conjunta. Entusiasma-se facilmente, é um rastilho, mas com a mesma rapidez se aborrece. É uma faúlha. Impulsivo, ardente, consome-se como um fogueirão de palha. Para ele só existe o facto realizado. Falho de espírito crítico, ávido de sensações, ignorante e pouco previdente confunde o ancestral de mândria e uma confiança estúpida nos que, por força o hão-de explorar. Indignado ao ver-se no ludíbrio é então feroz. Pachola ante o fascinador, o intrujão, é pascácio e tolo como seu filho a quem venderam cordões de latão.
Em políticos já não acredita e hoje tem apenas um ideal à vista e outro escondido. O que mostra é ânsia de comer barato, o que oculta é o sonho de se alimentar de graça. Para o primeiro caso delicia-se na esperança de não produzir nada; fez do estado a sua providência, a sua varinha de condão. Depois de se empregar no funcionalismo levou para as repartições a mulher e os filhos e há lares onde à noite se podia dar despacho pois não faltaria nem o papel de ofício, que por via de regra também se leva para usos caseiros. Ninguém dá um passo que lhe custe. Uns porque andam descalços (é o único país da Europa onde isso se vê), outros, porque têm as botas apertadas, ao que parece.
Não são pessoas para cálculos nem para meditações. Aceitam os factos realizados, (…). Versátil por natureza, sem carácter firme, balouçando sempre entre várias opiniões como as ondas que banham as costas do país, entre os rochedos, mudando amiúde como os céus que o cobrem, desvairando rapidamente como o vento, que tão veloz ali se levanta, ele não é capaz de sustentar nem um princípio, nem um homem, quanto mais um programa.”
(Texto de Rocha Martins, figura marcante do jornalismo português da primeira metade do séc. XX, escrito em 1923, na revista Fantoches, lido na Antena um, no programa “Páginas da República”, de 8/9/2010, pelo historiador António Ventura).
É incrível como este texto ainda hoje permanece actual . Não mudamos nada . Será que somos ingovernáveis? Razão teve aquele general Romano que, quando ainda éramos Lusitanos, foi dizer para Roma que (já naquele tempo, imaginem!) éramos um povo ingovernável...
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“O português desinteressa-se colectivamente. Não vibra numa acção conjunta. Entusiasma-se facilmente, é um rastilho, mas com a mesma rapidez se aborrece. É uma faúlha. Impulsivo, ardente, consome-se como um fogueirão de palha. Para ele só existe o facto realizado. Falho de espírito crítico, ávido de sensações, ignorante e pouco previdente confunde o ancestral de mândria e uma confiança estúpida nos que, por força o hão-de explorar. Indignado ao ver-se no ludíbrio é então feroz. Pachola ante o fascinador, o intrujão, é pascácio e tolo como seu filho a quem venderam cordões de latão.
Em políticos já não acredita e hoje tem apenas um ideal à vista e outro escondido. O que mostra é ânsia de comer barato, o que oculta é o sonho de se alimentar de graça. Para o primeiro caso delicia-se na esperança de não produzir nada; fez do estado a sua providência, a sua varinha de condão. Depois de se empregar no funcionalismo levou para as repartições a mulher e os filhos e há lares onde à noite se podia dar despacho pois não faltaria nem o papel de ofício, que por via de regra também se leva para usos caseiros. Ninguém dá um passo que lhe custe. Uns porque andam descalços (é o único país da Europa onde isso se vê), outros, porque têm as botas apertadas, ao que parece.
Não são pessoas para cálculos nem para meditações. Aceitam os factos realizados, (…). Versátil por natureza, sem carácter firme, balouçando sempre entre várias opiniões como as ondas que banham as costas do país, entre os rochedos, mudando amiúde como os céus que o cobrem, desvairando rapidamente como o vento, que tão veloz ali se levanta, ele não é capaz de sustentar nem um princípio, nem um homem, quanto mais um programa.”
(Texto de Rocha Martins, figura marcante do jornalismo português da primeira metade do séc. XX, escrito em 1923, na revista Fantoches, lido na Antena um, no programa “Páginas da República”, de 8/9/2010, pelo historiador António Ventura).
É incrível como este texto ainda hoje permanece actual . Não mudamos nada . Será que somos ingovernáveis? Razão teve aquele general Romano que, quando ainda éramos Lusitanos, foi dizer para Roma que (já naquele tempo, imaginem!) éramos um povo ingovernável...