Não é fácil regressar à infância sem ceder ao apelo da nostalgia. Joacine Katar Moreira não a esconde enquanto percorre as ruas do bairro de Arcena, em Alverca, onde cresceu. Mesmo que nem todas as memórias remetam para um tempo melhor. “Isto era tudo uma zona de barracas. A maioria das casas não tinha saneamento”, lembra a candidata do Livre às eleições de 6 de outubro. “Era uma coisa absolutamente impensável”, enfatiza, numa expressão que há de repetir mais à frente.
Nos anos de 1980 e 90, os da infância e adolescência de Joacine Moreira (1982), havia uma “clara segmentação” entre os imigrantes, sobretudo africanos, e a restante população de Alverca. “Isto era como se fosse uma ilha”, conta, no intervalo de mais um abraço de reencontro. Ainda que naquela altura a consciência política estivesse longe das preocupações do bairro, é aqui que Joacine vai buscar parte das suas lutas. A da igualdade, racial e de género, é das mais importantes e uma das que a levou a ser escolhida nas primárias do partido. A cabeça de lista por Lisboa vivia ali ao lado, no Bom Sucesso, no número quatro para onde agora aponta. Porém, os amigos do pai estavam todos na Arcena, onde se sentiam "bem” e onde passavam os dias.
Décadas depois, Joacine vê um bairro vazio. “As políticas de empobrecimento durante o Governo de Passos Coelho levaram muitas destas famílias a uma segunda imigração.” Ao seu lado, Chica da Silva, uma das veteranas da Arcena, confirma: “estão muitos em Inglaterra”. Em Alverca sobram cartazes com a ilustração do rosto da candidata, obra de Nelson Caetano, um filho da terra que os espalhou. Ao ver-se ali, estampada nas paredes e nas caixas de eletricidade, Joacine repete: “Há uns anos, ver este cartaz seria uma coisa absolutamente impensável”.
A acompanhar parte da marcha de 25 militantes que sobe do Mercado Municipal de Alverca ao Bom Sucesso está Rui Tavares, fundador e um dos rostos mais conhecidos do partido. O historiador, eurodeputado entre 2009 e 2014, vê em Joacine um exemplo de “genuinidade” e de como “é possível as pessoas comuns fazerem parte da política”. Reclamando novamente a paternidade da ideia de união à esquerda, Rui Tavares lembra que o Livre fez “primárias abertas”, em que qualquer pessoa, não filiada a outro partido, pôde participar. “Queríamos ter novos protagonistas, vindos da sociedade civil, evitar o caciquismo. O sufrágio é universal, toda a gente pode votar, mas não é uma verdadeira democracia quando só uma elite concorre às eleições.”
Dirigente partidária há dois anos, Joacine Moreira vem da academia (foi bolseira de investigação e é doutorada em Estudos Africanos) e admite que a chegada ao espaço público foi um projeto constantemente adiado. “Evitei durante muito tempo a televisão. Achava que as pessoas iam prestar mais atenção à forma como eu falava do que àquilo que eu dizia.” Em certo sentido, não se enganou: desde que começaram as entrevistas aos candidatos que a gaguez de Joacine é tema de conversa. A candidata admite o cansaço em relação ao tema, mas especifica que nunca teve problemas de falar em público, especialmente no confronto com quem está acima. Seja na universidade, seja na política. “Às vezes é mais fácil para mim falar perante os poderosos do que ir ao café pedir um copo de água.” É dessas pequenas conversas que serão feitos os próximos dias. Joacine não pôde evitar mais — esteve há dias na televisão (no programa “Gente que não sabe estar”, de Ricardo Araújo Pereira) e isso nota-se na rua. A reação positiva tem sido uma surpresa. “As pessoas percebem que é um incentivo a quem adia constantemente os seus objetivos.” Joacine não fala só para quem tem gaguez. E atira: “sou absolutamente segura das minhas capacidades.”
Categorias
Entidades
Não é fácil regressar à infância sem ceder ao apelo da nostalgia. Joacine Katar Moreira não a esconde enquanto percorre as ruas do bairro de Arcena, em Alverca, onde cresceu. Mesmo que nem todas as memórias remetam para um tempo melhor. “Isto era tudo uma zona de barracas. A maioria das casas não tinha saneamento”, lembra a candidata do Livre às eleições de 6 de outubro. “Era uma coisa absolutamente impensável”, enfatiza, numa expressão que há de repetir mais à frente.
Nos anos de 1980 e 90, os da infância e adolescência de Joacine Moreira (1982), havia uma “clara segmentação” entre os imigrantes, sobretudo africanos, e a restante população de Alverca. “Isto era como se fosse uma ilha”, conta, no intervalo de mais um abraço de reencontro. Ainda que naquela altura a consciência política estivesse longe das preocupações do bairro, é aqui que Joacine vai buscar parte das suas lutas. A da igualdade, racial e de género, é das mais importantes e uma das que a levou a ser escolhida nas primárias do partido. A cabeça de lista por Lisboa vivia ali ao lado, no Bom Sucesso, no número quatro para onde agora aponta. Porém, os amigos do pai estavam todos na Arcena, onde se sentiam "bem” e onde passavam os dias.
Décadas depois, Joacine vê um bairro vazio. “As políticas de empobrecimento durante o Governo de Passos Coelho levaram muitas destas famílias a uma segunda imigração.” Ao seu lado, Chica da Silva, uma das veteranas da Arcena, confirma: “estão muitos em Inglaterra”. Em Alverca sobram cartazes com a ilustração do rosto da candidata, obra de Nelson Caetano, um filho da terra que os espalhou. Ao ver-se ali, estampada nas paredes e nas caixas de eletricidade, Joacine repete: “Há uns anos, ver este cartaz seria uma coisa absolutamente impensável”.
A acompanhar parte da marcha de 25 militantes que sobe do Mercado Municipal de Alverca ao Bom Sucesso está Rui Tavares, fundador e um dos rostos mais conhecidos do partido. O historiador, eurodeputado entre 2009 e 2014, vê em Joacine um exemplo de “genuinidade” e de como “é possível as pessoas comuns fazerem parte da política”. Reclamando novamente a paternidade da ideia de união à esquerda, Rui Tavares lembra que o Livre fez “primárias abertas”, em que qualquer pessoa, não filiada a outro partido, pôde participar. “Queríamos ter novos protagonistas, vindos da sociedade civil, evitar o caciquismo. O sufrágio é universal, toda a gente pode votar, mas não é uma verdadeira democracia quando só uma elite concorre às eleições.”
Dirigente partidária há dois anos, Joacine Moreira vem da academia (foi bolseira de investigação e é doutorada em Estudos Africanos) e admite que a chegada ao espaço público foi um projeto constantemente adiado. “Evitei durante muito tempo a televisão. Achava que as pessoas iam prestar mais atenção à forma como eu falava do que àquilo que eu dizia.” Em certo sentido, não se enganou: desde que começaram as entrevistas aos candidatos que a gaguez de Joacine é tema de conversa. A candidata admite o cansaço em relação ao tema, mas especifica que nunca teve problemas de falar em público, especialmente no confronto com quem está acima. Seja na universidade, seja na política. “Às vezes é mais fácil para mim falar perante os poderosos do que ir ao café pedir um copo de água.” É dessas pequenas conversas que serão feitos os próximos dias. Joacine não pôde evitar mais — esteve há dias na televisão (no programa “Gente que não sabe estar”, de Ricardo Araújo Pereira) e isso nota-se na rua. A reação positiva tem sido uma surpresa. “As pessoas percebem que é um incentivo a quem adia constantemente os seus objetivos.” Joacine não fala só para quem tem gaguez. E atira: “sou absolutamente segura das minhas capacidades.”